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154 I SÉRIE - NÚMERO 7

Nunca será demais recordar que o facto de o português ser língua oficial de diversos Estados lhe confere um lugar destacado na Comunidade das Nações. Prevê--se mesmo que o português, nas primeiras décadas do século XXI, estará entre as primeiras línguas do mundo, não só pelo número de locutores como pela importância geoestratégica e económica dos Estados lusófonos.
Língua de Portugal e, simultaneamente, do Brasil, de Angola, de Moçambique, etc., como ainda uma das línguas oficiais de várias comunidades internacionais, o português tem de ser objecto de redobrada atenção como produto para consumo interno e para exportação, se é permitido usar uma linguagem comercial.
Foi recentemente publicada a Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada em Julho por esta Assembleia. Aí se reconhece o papel da língua como valor nacional de primeira grandeza e se apontam princípios orientadores do seu ensino e da sua divulgação.
No artigo 22.º preconiza-se que a criação e manutenção de leitorados de português em universidades estrangeiras se faça «sob orientação de professores portugueses», na clara intenção de associar ao ensino da língua a estrangeiros a valorização da cultura nacional.
Aposta-se num forte estímulo à divulgação e estudo da língua e cultura portuguesas no estrangeiro, nomeadamente através da criação de cadeiras e de centros de estudos portugueses.
No artigo 47.º está consignado que o ensino da língua materna se fará em todas as disciplinas, sem prejuízo da especificidade da língua portuguesa.
O Ministro José Augusto Seabra determinou, por sua vez, no Despacho n.º 215/ME/84, algumas directrizes relativas ao ensino do Português. Transcrevo, pela sua importância, os n.ºs 1 e 4:

1 - Considerar as disciplinas de Português e de Literatura Portuguesa como disciplinas que merecem especial atenção e acompanhamento quanto a condições de recrutamento e de docência, quer no que se refere à prioridade a atribuir nessas áreas aos licenciados em estudos portugueses, no quadro das suas habilitações legais, quer em termos de inspecção pedagógica.
4 - Introduzir em todas as formas de avaliação de qualquer disciplina um coeficiente de valoração que tenha em conta a competência linguística demonstrada no uso do idioma.
Para além de ser uma reconhecida autoridade em matéria de língua e cultura portuguesas, Augusto Seabra era e é militante do PSD. Herdou o ministério de um ministro PSD e deixou-o a outro PSD. Desta vez é PSD toda a equipa, incluindo a Sr.ª Secretária de Estado do Ensino Básico e Secundário. Apesar disso, o Despacho n.º 215/ME/84 permanece letra morta. Já era de esperar a desatenção pela Lei de Bases do Sistema Educativo, que o Governo podia conhecer desde há meses, pelo menos através do Grupo Parlamentar do PSD. Mas o despacho do Ministro Seabra foi publicado em Janeiro de 1985! Não parecia dever ficar esquecido.
Conjugando o disposto no n.º 7 do artigo 47.º da Lei de Bases com o n.º 4 do Despacho n.º 215/ME/84, conclui-se imperativamente o seguinte:

1.º Os professores de Ciências da Natureza, de História, de Geografia, etc., assumirão a consciência de que, sendo a língua portuguesa o veículo dos conhecimentos e dos conteúdos específicos da ciência da sua especialidade, eles são também professores de língua portuguesa. Desde o léxico às estruturas sintácticas, passando pela ortofonia e ortografia, grande pode e deve ser o contributo das várias disciplinas escolares para o ensino-aprendizagem do Português.
2.º As capacidades de interpretação e de expressão em português constituirão o factor de avaliação em todas as disciplinas. Por exemplo, o professor de Filosofia, como qualquer outro, não poderá escusar-se a tomar em conta o nível da exposição das ideias, nomeadamente a estruturação do conjunto, a ligação das partes, a correcção morfo-sintáctica e ortográfica, a propriedade da linguagem, porque os conteúdos ministrados são inseparáveis da forma linguística adoptada.
Nada disto é sequer muito complicado ou inovador. É apenas uma pequena revolução no ensino do Português. Obriga todos os professores, sem diminuir as responsabilidades do professor de Português. Pelo contrário, cria a este outras obrigações. Ao professor de Português passa a exigir-se a prática efectiva da inter-disciplinaridade. Normas claras devem passar a regulamentar a ligação das aprendizagens de Português nas várias disciplinas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos se queixam de que o ensino do português não anda bem. Dentro e fora da escola é baixo o nível dos utentes da língua. Não são só os erros ortográficos e as infracções à morfo-sintaxe; é a incapacidade de interpretação de textos e de redacção das mensagens mais vulgares em situações concretas.
É urgente adoptar medidas de dignificação da língua portuguesa como um dos valores essenciais do património cultural nacional e como instrumento de comunicação de mais de 150 milhões de falantes dispersos pelo mundo.
É urgente defender o português da sua degradação acelerada. É urgente pôr à disposição da língua os meios necessários à sua actualização e adaptação às novas tecnologias, sem o que continuará todos os dias a ser ultrapassada pelas línguas mais influentes.
Há condições mínimas para travar um combate sério de valorização do português, a começar pelas nossas escolas. Ficaram acima explanados os pontos de vista contidos na Lei de Bases do Sistema Educativo e no despacho do ex-Ministro José Augusto Seabra. Terá este Governo capacidade e vontade política para as pôr em prática? Tudo leva a crer que não.
O governo do Prof. Cavaco Silva e, em perfeita consonância, a equipa do Ministério da Educação não se mostram interessados em resolver os problemas do País. Apontam falsas soluções na mira de dividendos eleitorais. O Sr. Ministro da Educação e a Sr.ª Secretária de Estado do Ensino Básico e Secundário conhecem as causas estruturais do baixo aproveitamento dos alunos em Português. Em vez de enfrentarem a situação com eficácia, provocam os encarregados de educação e os alunos com o Despacho n.º 32/EBS/86, já aqui analisado pela Sr." Deputada Maria da Glória Padrão. O Sr. Ministro e a Sr.ª Secretária de Estado estarão mesmo convencidos de que promovem a qualidade do ensino-aprendizagem do português impondo a reprovação num ano escolar a alunos que, embora tendo aproveitamento em todas as outras disciplinas, são deficientes em língua materna? Não é mais justo e mais económico assegurar um reforço lectivo a esses alunos sem perda de ano, como de resto está previsto no n.º 3 do esquecido Despacho n.º 215 do Ministro Seabra?