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3 DE NOVEMBRO DE 1986 155

Gostaria de poder encontrar na base do Despacho n. º 32/EBS/86 apenas falta de imaginação e desconhecimento da realidade escolar. Mas ele nasce de preconceitos de um nacionalismo estreito e ultrapassado.

Vozes do P§: - Muito bem!

O Orador: - Os espíritos conservadores têm da língua e da pátria concepções abstractas e imobilistas. Não foram esses quem deram «novos mundos ao mundo». À perspectiva nacionalista acanhada, os homens do progresso contrapõem a perspectiva universalista da língua como um organismo vivo em permanente transformação e como ponte para novas culturas e novos saberes.
Passemos, porém, à realidade escolar.
s crianças e os jovens dos meios familiares e sociais menos cultos possuem normalmente menor domínio da língua. É sabido que a competência linguística do falante depende essencialmente do ambiente cultural em que se insere. Acontece ainda que os saberes das crianças dos meios rurais e fabris não são suficientemente valorizados pela cultura padronizada que enforma o sistema escolar. Por outro lado, são quase nulos o acesso à leitura e a fruição da mesma nos meios familiares de baixa instrução. Isto não significa, como a realidade comprova, que esses alunos não tenham hipóteses de recuperação. Precisam é de mais tempo para aprenderem aquilo que os meninos privilegiados - os nossos filhos, Srs. Deputados! - receberam sem esforço desde o momento do nascimento. Em vez disso, este Governo decreta a grande solução: reprová-los o mais depressa possível!
Este despacho em nada contribui para melhorar o ensino do português. Além disso é socialmente injusto, por acentuar as desigualdades sociais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A Lei de Bases do Sistema Educativo, em obediência aos imperativos constitucionais, determina a obrigação de se criarem condições de igualdade no acesso à escola e no sucesso escolares. Este despacho, pelo contrário, abre caminho para um maior insucesso escolar, com a agravante de não produzir quaisquer efeitos positivos.
Não se pense, porém, que os filhos da classe média revelam grande aproveitamento em Português. As estatísticas mostram o contrário. Vai ser entre esses alunos que se revelarão as situações mais contrastantes de bom aproveitamento em outras disciplinas e deficiência em Português. Nesses casos, o acompanhamento do aluno, até durante as férias, em vez da perda de todo o ano escolar, parede ainda mais fácil.
Será que o Ministério não será capaz de reconhecer o erro crasso desta medida?
A revogação imediata do despacho tranquilizaria os encarregados de educação e os próprios professores de Português, que recusam transformar a língua portuguesa em agente punitivo. Não resisto a transcrever aqui uma passagem de um artigo de Odete Santos, investigadora em Teorias de Comunicação, publicado no semanário O Jornal, de 17 de Outubro próximo passado. Segundo a articulista, a medida anunciada, em vez de fazer do Português uma transdisciplina, na medida em que serve de suporte às outras aprendizagens, «seria obstáculo à recuperação da nossa escola
para o sucesso escolar que tarda em obter, factor de agudização de injustiças sociais, e [...] acusaria o total desprezo por princípios teóricos do domínio das ciências do Homem que enformam e sustentam modelos pedagógicos e comunicativos que urge fazer instaurar na escola de hoje».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não são causa menor do insucesso escolar dos alunos as graves lacunas e insuficiências de formação dos professores de Português. O Ministério sabe-o, mas faz de conta que não!...
Dada a limitação de tempo, enumero, telegraficamente apenas algumas das medidas mais urgentes que, em minha opinião, devem ser tomadas para defesa da língua portuguesa como património nacional e instrumento privilegiado da nossa comunicação dentro e fora do território pátrio:

1.º Atenção prioritária à formação de professores de Português.
2.º Publicação de um grande dicionário que inclua o léxico científico e técnico, de modo a corresponder às exigências das tecnologias de informação. Há alguns bons trabalhos parcelares. Impõe-se uma obra de conjunto, a cargo de equipa especializada, com dedicação exclusiva e permanente a essa ingente tarefa.
3.º Exigência de provas de português falado e escrito para os locutores da rádio e da televisão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - 4.º Extensão do Português a todos os alunos do 12.º ano, com programas cujos objectivos estejam centrados na boa compreensão e produção de enunciados orais e escritos.

5.º Exigência, dentro de alguns anos, de prova de português no acesso ao ensino superior para todos os candidatos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O português está na ordem do dia também por causa do acordo ortográfico. Por minha parte, já fiz nesta tribuna algumas reflexões sobre essa matéria. É uma questão em que não pode haver vencedores e vencidos, ou melhor, a língua portuguesa tem de ser o único vencedor. Isso implica um estudo profundo do problema em todas as suas componentes. Cada um dos 250 deputados deve formar uma opinião bem fundamentada de modo a emitir o voto que melhor defenda a língua portuguesa e os superiores interesses de Portugal.
Não me parece que seja matéria de consciência, mas de Ciência (com maiúscula) e de ciência política.
Talvez por isso, já se ouvem vozes em defesa da liberdade de voto sobre a ratificação do acordo ortográfico.
São questões da maior importância que merecem a atenção e a reflexão de todos os responsáveis. Há que procurar o diálogo e tentar consensos alargados. Os nossos antepassados, que nos legaram uma língua nobre, e as gerações vindouras, a quem cabe engrandecer o património recebido e enriquecê-lo com novos contributos, esperam de nós um esforço sério.
Saibamos corresponder.

Aplausos do PS.