7 DE NOVEMBRO DE 1986 175
Força Aérea e 0,17 % para a Marinha, contra 34,27 % para o Gabinete do Ministro), o que começa a estar em dúvida é a própria capacidade do Executivo para entender a necessidade do papel das Forças Armadas e a importância da defesa nacional no quadro das funções de soberania do Estado Português.
Vejamos agora o enquadramento orgânico da defesa.
Neste particular seremos o único país do mundo em que não existe Ministério da Defesa Nacional.
Vozes do P§: - Muito bem!
O Orador: - No Restelo, existe o EMGFA (Estado-Maior-General das Forças Armadas), com um andar para o Gabinete do MDN (Ministro da Defesa Nacional), mas em Portugal não existe Ministério da Defesa Nacional. A revisão constitucional e a Lei de Defesa Nacional de 1982, ainda não tiveram qualquer alcance prático neste domínio da organização do Estado. Pode--se falar em vulnerabilidades e potencialidades nacionais, mas a maior ameaça à defesa nacional é a inexistência do Ministério da Defesa Nacional, ou seja, a negação dessa problemática enquanto assunto de administração e de Governo, com o correspondente enquistamento do sector em rotinas dispersivas. É por não haver Ministério da Defesa Nacional que uma década após o fim das guerras em África ainda se não completou uma reestruturação e modernização das Forças Armadas, se não resolveu adequadamente a questão do serviço militar obrigatório, se não equacionou as reservas nem a defesa civil e se perdeu e continua a perder as oportunidades de modernização das indústrias de defesa, como se verifica agora de modo dramático no caso da INDEP (Indústria Nacional de Defesa - Empresa Pública). A confusão orgânica e hierárquica de responsabilidades e funções tem, na área da defesa nacional, efeitos perniciosos acrescidos. O Governo não pode continuar por mais tempo a iludir a questão da necessidade da estruturação de um ministério da defesa nacional. Porque é, aliás, da sua inexistência que tem derivado, em outro plano, uma não menos grave lacuna.
Refiro-me à deficiente concepção da política de defesa. Sem departamentos e serviços que contribuam com continuidade para uma formulação da política de defesa nacional, o Governo Português ver-se-á incapacitado de decidir correctamente no sector ou, então, o titular nominal da respectiva pasta será apenas o suporte simbólico de um cargo destituído de funções efectivas. Um tal esvaziamento funcional, em tudo prejudicial também às Forças Armadas, desacredita o sistema político e corrói a legitimidade do Estado democrático. No plano internacional, e considerando a relevância das relações externas de defesa em tais circunstâncias, não poderá o País assegurar a protecção dos seus interesses nem cumprir os seus compromissos de aliado. Não admira, por isso, que se tenha chegado aonde se chegou: a uma presença passiva e não a uma participação activa na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), a uma pálida ou mesmo nula posição em matéria de controle e redução de armamentos, a uma incapacidade para erguer a voz na área do desarmamento europeu, na UEO (União da Europa Ocidental - cuja adesão o actual Governo deixou cair - e no reforço da defesa europeia e do papel da Europa enquanto estabilizador da segurança internacional e impulsionador activo da paz. A inconsistência e o pagamento da actual política externa portuguesa reforçam e acentuam sobremaneira a incapacidade para orientar as relações externas de defesa. Exemplos preocupantes são a ausência de cooperação militar com os PAEPs (Países Africanos de Expressão Portuguesa) e a perda acentuada de poder posicionai no âmbito dos acordos bilaterais de defesa, mormente com os EUA (Estados Unidos da América), em que as contrapartidas financeiras com finalidades militares, que haviam sido de 92 milhões de dólares em 1983, passaram de 127 milhões em 1985 para 112 em 1986, prevendo-se - sem contar com a desvalorização do dólar - nova quebra este ano, o que bem atesta a ausência de qualquer resultado útil da deslocação do Primeiro-Ministro àquele país. A recusa do Governo em informar positivamente o Parlamento sobre essa visita - contrastando com as explicações prestadas ao Congresso norte-americano - só podia aliás encontrar nessa circunstância a apropriada justificação.
A ausência de uma concepção de política de defesa reflecte-se, igualmente, na incapacidade governativa face às exigências de um delineamento estratégico da defesa nacional. Oscilando entre o conceito estratégico de defesa aprovado nesta Assembleia e a doutrina contraditória das grandes opções do Plano a médio prazo agora propostas - misto de chauvinismo populista e de intermediarismo descaracterizador -, como há-de o Governo ser capaz de traçar as bases de uma grande solução de conjunto para os problemas portugueses, entre os quais se conta a necessidade e urgência de definir e executar uma política de defesa nacional coerente, moderna e democrática? Reside aí, nessa inércia confrangedora, uma grande vulnerabilidade para a soberania portuguesa, para o correcto posicionamento de Portugal no mundo, para a protecção condigna dos seus interesses vitais nesta viragem de século, para o seu progresso livre e em segurança. Não admira por isso que, fruto desse vazio, surjam as falsas pistas bajuladoras do intervencionismo ou contaminadas de pacifismo, tutelares ou decadentes, militaristas ou antimilitares, a querer resolver através de soluções impróprias um problema a que é dever da democracia saber dar criteriosa e pronta resposta. Sim, porque é dever da democracia portuguesa um conceito adulto, descomplexado e credível de defesa nacional e militar. É dever da democracia portuguesa a existência de uma política de defesa consensual, de um ministério da defesa nacional operativo e eficaz, de uma afectação justificada de recursos financeiros à imperiosa modernização das Forças Armadas, de uma conveniente coordenação das relações externas da defesa. Um governo que se não preocupa com estes assuntos dá o exemplo supremo da irresponsabilidade em questões de Estado.
A verdade é que, neste primeiro ano, o Governo teve nota negativa em defesa nacional. Não só os opositores, mas também os apoiantes do Governo, devem meditar nesse facto, entender a crítica, quando ela tem fundamento, e, a bem do País, corrigir, modificar e remodelar os graves erros cometidos, as situações comprometedoras e os governantes desajustados. Estou certo de que beneficiaríamos todos com isso, a sociedade e as Forças Armadas, o Governo e o Parlamento, o Estado Português e a segurança internacional. Uma melhor defesa é a garantia necessária da nossa tranquilidade e da nossa paz. Gostaria de pertencer a um Parlamento onde estas palavras não fossem necessárias, mas o Governo não tem o direito de persistir em negar-nos uma política de defesa nacional.