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1462 I SÉRIE - NÚMERO 37

E regresso ao que disse há momentos: qualquer cidadão julgará que é o Governo que é responsável pelo que se passa nos hospitais. De facto, se estes são públicos, se são financiados pelo Orçamento do Estado, se são servidos por funcionários públicos, se se inserem na administração pública central, se estão sujeitos à tutela do Governo, que outra coisa poderia o cidadão menos prevenido sobre as originalidades da nossa democracia pensar sobre a questão, aparentemente simples, de saber quem é que manda nos hospitais?
Engana-se, todavia, o cidadão comum. É que não só aqui se está a pôr em causa que deva o Governo decidir livremente sobre as regras que, em matéria de gestão dos hospitais, devem ser adoptadas, como se está - eu diria, talvez sobretudo - a pôr em causa que essas regras devam apontar para um directo e efectivo envolvimento do Governo na escolha de quem dirige os hospitais. Daqui a não querer dar ao Governo aquilo de que ele precisa mesmo para tutelar os hospitais - e ser responsabilizado pelo que neles se passa - não vai senão coisíssima nenhuma.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: São extensas e profundas as alterações que o Governo introduziu na concepção e na arquitectura da gestão hospitalar. É de uma verdadeira reforma estrutural, para me servir de uma expressão que continua a ter muito significado, que estamos a falar. Reforma estrutural no âmbito da Administração Pública, a que o Governo entendeu que deveria proceder, sob pena de continuar a ser conivente - por omissão - com um estado de coisas que o cidadão comum, utente e pagante dos serviços de saúde, está farto de sofrer na pele.

Vozes do PSD - Muito bem!

A Oradora: - Reforma que decorre da dupla consciência, por um lado, da ilegitimidade originária do sistema que estava em vigor de gestão hospitalar e, por outro, da degradação e desperdícios por que em boa verdade e em grande parte é responsável; reforma urgente, que pelo menos já os dois Governos que nos antecederam diagnosticaram no essencial como necessária. Reforma que não deveria ter de esperar pelo funcionamento demorado da pesada máquina legislativa da Assembleia, porque todos os dias nos nossos hospitais se joga a vida e a morte e se sofre muitas vezes mais do que o necessário, porque a máquina está perra, o estímulo é pouco e os interesses de muitos impedem que se vá pelo caminho da seriedade, da eficácia e da disciplina.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Quem está no Governo não tem tempo a perder. É que nós temos mesmo de assegurar que as coisas funcionem. Não podemos perder tempo com discussões filosóficas, mecanismos processuais proteladores das decisões ou subtis pretextos para nada fazer. E neste governo temos pressa. Temos pressa de proporcionar aos Portugueses o nível de vida e de bem-estar que eles merecem tanto como os nossos novos parceiros comunitários.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Por isso também não gostamos de ficar por meio caminho. Se julgamos que uma solução é mesmo a boa, então porquê escolher meias soluções? Muitos sugeriram-nos, em todo este processo, que quisemos andar depressa de mais. É que, Srs. Deputados, é muito o caminho que nos afasta da Europa em que nos integrámos.
Se a solução correcta é uma, por que não dar o salto para ela, em vez de tentarmos eternamente conciliar com um passado excessivamente original e nos determos por meias-tintas ou soluções de compromisso, quando está ao nosso alcance fazer melhor? A legislação hospitalar que alterámos tinha dez anos de vigência. Querem esperar mais dez anos quando nos podemos pôr já a par do que são as boas soluções, aquelas que todos sabem - mas todos sabem mesmo - que um dia ou outro vamos ter de escolher? Porquê contentarmo-nos com meia Europa, por assim dizer, se o passo pode ser já muito mais ambicioso e realista?
Se são extensas e profundas as alterações que a nova legislação introduziu, se todas elas se reconduzem às ideias de descorporativizar e de homogeneizar, de reduzir conflitos e de conferir autoridade e responsabilidade aos órgãos de gestão hospitalar, como já se viu, uma questão suscita particular discussão: é a de ter o Governo substituído a anterior eleição dos membros do conselho de gerência por nomeação dos membros do novo conselho de administração.
Nomeação versus eleição, eis ao fim e ao cabo a grande questão.
Enfrentemo-la, pois.
No anterior processo de designação dos membros do conselho de gerência, dois deles eram eleitos pelos trabalhadores do hospital: um médico, o director do hospital, e um enfermeiro, aquele eleito pelos médicos e o outro pelos enfermeiros.
Isto é, o órgão máximo de gestão do hospital era de facto escolhido por quem trabalhava no hospital. A autoridade máxima, o director, era um médico escolhido pelos seus colegas. Ao Ministro da Saúde não restava senão homologar quem os médicos do hospital tinham escolhido, pôr-lhe na mão um orçamento e mantê-lo em funções quer ele gerisse bem quer não; se gastava mais do que o orçamentado, o Ministro só podia mandar cobrir indefinidamente o défice, se não mantinha a disciplina, o Ministro só podia enviar fiscais e inspectores ao hospital. Uma vez terminado o mandato, de novo só aos colegas do médico director cabia dizer se ele devia continuar ou não nas suas funções.
Esta solução, que uns chamam de gestão "democrática", significava que o hospital existia para os seus trabalhadores: era gerido por quem e como eles quisessem. E os utentes do hospital? E os doentes? E os cidadãos que pagam o hospital? Esses não tinham nenhuma palavra a dizer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Mas o hospital existe para quem? O hospital é para os médicos, os enfermeiros e os outros profissionais de saúde ou é para quem precise de ser tratado neles?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É para o Governo!

A Oradora: - Onde há conflito entre os interesses dos utentes e os interesses dos trabalhadores - e há sempre esses conflitos, extensos e inevitáveis -, quais são os interesses que devem prevalecer?