O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1660 I SÉRIE - NÚMERO 42

A chamada Lei Quadro do Licenciamento de Estações Emissoras de Radiodifusão, vulgo Lei da Rádio, cujo decreto da Assembleia foi vetado pelo Sr. Presidente da República e que a Câmara vai reapreciar, esta semana, é, na sua formulação actual, um exemplo claro de uma má lei, com efeitos perniciosos graves. Representa, a nosso ver, um retrocesso democrático e mais um perigoso enviesamento no sistema de separação de poderes consignado na Constituição.
Não posso, por isso, deixar de manifestar aqui, na Assembleia da República, centro vital da democracia portuguesa, em nome do meu partido e no meu próprio, a grande preocupação que me causam as notícias de que, em vez de aproveitar este novo tempo de reflexão, propiciado pelo veto presidencial, para corrigir o que deve ser corrigido, os partidos que votaram a favor da primeira versão se preparem para a fazer vingar, em segunda votação, por forma inalterada. A estranheza é tanto maior quanto, em declarações prévias, o líder de um deles parece concordar com algumas das críticas básicas que têm sido feitas à lei, embora daí não retire as consequências práticas que a coerência impunha.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Na sua realidade objectiva, independentemente do que pensaram e quiseram os seus autores materiais, a propósito da regulamentação anódina de um licenciamento, a lei, ao instituir um conselho da rádio com a composição e competências que lhe atribuiu, veio criar um sistema intervencionista e um controle do Estado sobre o exercício da actividade de radiodifusão manifestamente excessivos, cujo grau de elevada discricionariedade pode facilmente descambar em acções censórias ou em repressões abusivas.
Com efeito, ao conselho da rádio previsto na lei cabem importantíssimos poderes não apenas no licenciamento, mas também na orientação da actividade das estações emissoras, uma vez licenciadas.
É a ele que compete emitir parecer sobre as propostas de licenciamento feitas ao Governo em resultado de concurso público previamente aberto, parecer que, se for negativo, vincula o Governo, e é ainda ao conselho que cabe emitir parecer prévio, fundamentado sobre a aplicação de sanções, as quais podem ir até à proibição do exercício da actividade de radiodifusão.
Transfere-se, assim, para um orgão auxiliar da Assembleia da República, mas politicamente irresponsável, a competência para recusar alvarás. É uma solução que vem na esteira de outras já tomadas pela Assembleia e que, ao irem-se somando umas às outras, acabam por fazer que seja a Assembleia e não o Governo quem venha a superintender e dirigir importantes sectores da Administração Pública, em contradição com o disposto no artigo 202.º da Constituição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Maioritária mas dividida, incapaz de oferecer uma solução governativa alternante, a oposição escolhe, face ao governo minoritário, a solução mais cómoda: retirar-lhe competências e praticar, pela via do controle, uma guerra de usura. Não atenta assim a oposição, pelo menos os partidos democráticos que aspiram a poder voltar a ser poder, que deste modo inviabilizam a possibilidade de funcionamento, no actual sistema, de um governo minoritário. Essa sua atitude, se não for causada pela miopia da paixão política, só terá explicação se estiverem convencidos e quiserem generosamente contribuir para que haja, na próxima Assembleia, um governo de maioria PSD ...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os membros do conselho da rádio são inamovíveis durante o triénio do seu mandato, o que lhes concede um estatuto de grande independência (isto é o que a lei prevê). Porém, a composição do conselho é determinada preponderantemente por critérios políticos e corporativos, ao serem cinco dos seus treze membros escolhidos pela Assembleia da República, dois pelo Governo e ainda dois por associações, sindicais. Esse carácter político de escolha impede que se logre o objectivo fundamental de entregar a um conjunto de homens sábios e experientes, alheios às contendas da vida política, decisões delicadas que envolvem o exercício de direitos fundamentais. Os exemplos dos modelos escolhidos do Conselho de Comunicação Social e de Imprensa, com muito menos poderes dos agora dados ao conselho da rádio, ilustram bem que, apesar de boas vontades, não se conseguiu o ideal de autoridade e de imparcialidade a que se aspirava.

O Sr, António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E sublinhe-se, não se obteve esse resultado desde logo e independente da boa vontade e do mérito dos seus membros porque o processo de escolha vicia à partida o resultado.
Em síntese: ao conselho da rádio, que, pela sua composição, vai inevitavelmente ter uma componente política predominante, e com um aspecto ideológico provavelmente bem diferente do resultado de eleições democráticas, confia-se papel determinante na apreciação dos candidatos à obtenção de alvarás e do próprio comportamento ulterior dos licenciados, segundo critérios que envolvem grande subjectivismo e contaminação pelas concepções políticas perfilhadas.
Por outra parte, centralizou-se a discussão no problema da reversão das licenças de frequência modulada dadas legitimamente e por actos constitutivos de direitos à Rádio Renascença e à Radiodifusão Portuguesa. Essa centralização fez passar despercebido que esta lei desconhece inteiramente o respeito devido às confissões religiosas em geral e, quanto à igreja católica, o seu relevo histórico, cultural e espiritual na sociedade portuguesa e ainda as exigências decorrentes da Concordata; ignorou-se também que ela viola, além disso, frontalmente, o artigo 41.º, n.º 5, da Constituição, que, quanto as confissões religiosas, garante a utilização dos meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas actividades. O pluralismo não pode violentar a autonomia interna dos particulares, sob pena de se transformar em intolerância e em atitude persecutória.
Institui, ainda, esta lei um processo de validação das licenças legalmente processadas no domínio da legislação anterior, subordinando-se agora a condições novas introduzidas pelo novo diploma e envolvendo, obviamente, a possibilidade de, não sendo consideradas satisfeitas, poderem conduzir à revogação das referidas licenças. .