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2006 I SÉRIE - NÚMERO 51

O Sr. Figueiredo Lopes (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao prever no seu artigo 64.º que «qualquer Estado pode formular reservas a propósito de qualquer disposição da Convenção, na medida em que uma lei então em vigor no seu território esteja em discordância com aquela disposição», a Convenção Europeia dos Direitos do Homem reconhece que no seio das sociedades democráticas se podem admitir limitações aos direitos e liberdades internacionais protegidas, desde que haja para tanto razões ponderosas normalmente ligadas à defesa do próprio regime democrático e à protecção e segurança dos cidadãos.
Todavia, estas reservas têm de ser formuladas de modo exaustivo e devem ser assumidas na própria lei interna; daí que se compreenda uma certa tendência para, por vezes, se ir longe demais - como aconteceu no caso português - no elenco de tais reservas.
O levantamento das reservas a que agora se procede corresponde, assim, a uma louvável iniciativa parlamentar, reconhecendo-se que deixaram já de se verificar os pressupostos que levaram à sua formulação; esta a conclusão a que se chegou, quer no parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, quer nos diversos discursos proferidos por ocasião da apreciação na generalidade do projecto de lei que acaba de ser votado.
E se somos dos que entendem que é preferível formular reservas, que mais tarde se venham a retirar por se revelarem inúteis, do que submeter o Estado e as instituições nacionais aos mecanismos de controle e aos juízos críticos dos órgãos internacionais previstos na Convenção, também não hesitamos em afirmar que muitas das reservas agora eliminadas terão sido introduzidas por excessos de cautela e de prurido constitucional - como aqui foi, de resto, sublinhado - e não por qualquer receio de o Estado Português estar a assumir, na ordem internacional, obrigações que não pudesse cumprir.
Temos, com efeito, uma Constituição e vivemos num Estado democrático onde os direitos e as liberdades se agrupam num quadro bem estabelecido e amplo, contrariamente ao que, infelizmente, ainda acontece noutras paragens onde ainda hoje se sofre e se luta pela liberdade e pelas garantias dos direitos humanos.
A aprovação deste projecto de lei representa, pois, um passo significativo no sentido do aperfeiçoamento do nosso ordenamento jurídico, a que podemos, além disso, atribuir o valor simbólico de uma evolução em direcção à completa normalização da nossa vida democrática.
E nunca são de mais os esforços que a sociedade e os responsáveis políticos possam desenvolver tendo em vista a adequação constante e concreta da acção política à realidade portuguesa, num anseio permanente pela dignificação da pessoa e pela valorização e defesa intransigente dos direitos do homem.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também o Grupo Parlamentar do PCP aderiu à ideia e à iniciativa desencadeadas pelo PRD, no sentido do levantamento de reservas, deduzidas oportunamente, à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Reservas são cautelas. Se são cautelas, tal como aqui foi invocado, servem para defender os Estados e o seu próprio prestígio, na lisura na contratação internacional, a sua própria face perante a comunidade internacional e, naturalmente, para fazer vingar, até ao ponto em que possa e deva fazer-se vingar, o projecto constitucional que existe em dado momento numa determinada comunidade. Foi esse o nosso caso.
Reflectindo hoje retrospectivamente, talvez se possa pensar que se foi longe de mais e que purgamos hoje aquilo que no passado foi excessivo. Todavia, quem ler os debates que em 1978 aqui foram travados poderá ver que as cautelas que ficaram consignadas na lei foram partilhadas pela generalidade das bancadas, foram cuidados que quase unanimemente foi entendido que deviam ser adoptados, a fim de salvaguardar o prestígio do próprio Estado Português e a regularidade da sua actuação no plano internacional.
As reservas - permitam-me que o invoque agora - foram fonte de polémica porventura excessiva, foram fonte de discussão apaixonada; o seu alcance e sentido sobre a democraticidade da sociedade portuguesa e do seu regime foram esgrimidos por vezes por «fás» e por «nefas» com excessos, no sentido de contestar a própria ordem constitucional nascida do 25 de Abril. A isso sempre nos opusemos, a isso nos continuamos e continuaremos a opor.
Entendemos que o levantamento agora operado, em certos aspectos, é ele próprio polémico.
Gostaria de sublinhar o entendimento, que já na Comissão pudemos exprimir, de que o levantamento das reservas em relação à questão da televisão privada e do lock-out, embora seja carecido, quanto ao seu alcance, de qualquer interpretação restritiva ou negativa, e sendo reserva inútil porventura na altura em que foi feita e ainda hoje, é susceptível, no presente momento, no presente contexto, na presente oportunidade, de ser objecto de interpretações equívocas. Só por isso, sem nos dissociarmos do sentido da fundamentação, mostrámos as reservas que tivemos ocasião de exprimir na Comissão e que aqui reproduzo de novo.
Permitam-me, finalmente, que sublinhe que em nada fica alterado o nosso quadro legal interno e, menos ainda, naturalmente, o nosso quadro constitucional.
Se a «europeicidade» de uma ordem jurídica fosse mensurável pela bitola da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Portugal estaria muito além da Europa, assim definida estreitamente, porquanto a nossa pletora constitucional, a nossa armadura constitucional de protecção dos direitos fundamentais, excede em muito, e ainda bem, a bitola e o espartilho da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
No fundo, aquilo que agora acabamos de fazer, sendo porventura relevante para eliminar equívocos, não altera - e não altera em coisa alguma - a armadura constitucional dos direitos fundamentais em Portugal.
Questão é que funcionem os mecanismos da sua defesa, questão é que funcionem, designadamente, os tribunais, cujo caos é conhecido, e não proliferem formas de composição privada de justiça, como está a suceder neste momento e como aqui tivemos ocasião de discutir recentemente, e que se cumpram em Portugal os direitos reconhecidos aos Portugueses e à pessoa humana, em geral.
Para isso, continuaremos a procurar contribuir por todos os meios e com o voto de hoje também.