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1 DE ABRIL DE 1987 2455

grandes clandestinidades universais, o poeta português, o ensaísta português, ocuparam, sem dúvida nenhuma, um lugar cimeiro.
Poderiam as nossas ideias - as minhas e as de Mário Sacramento - não serem coincidentes. Porém, havia algo em que éramos totalmente coincidentes: o sentido da dignidade pessoal, o amor às liberdades públicas e a manifesta hostilidade contra a ditadura fascista.
Alias, pouco tempo antes da sua morte, recebi dele uma pequena critica a um livro meu em que não era completamente concordante comigo, o que era perfeitamente natural. Contudo, essa critica havia sido submetida à censura e, mesmo assim, a censura cortou-a.
Eu tenho uma grande saudade, uma profunda saudade de qualquer um destes dois homens.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se alguém mereceria uma evocação profunda, detida, direi mesmo solene, nesta Câmara, era Mário Sacramento.
Com efeito, a personalidade que o Sr. Deputado Seiça Neves evocou hoje, do alto da tribuna, era de tal grandeza que não é legítimo sequer pactuar com as formas mais subtis de esquecimento que sobre ela possam pairar.
Ensaísta modelar, pôde analisar a obra de importantíssimos autores portugueses: de Eça de Queirós a Fernando Pessoa, de Fernando Namora a Manuel da Fonseca, de Cesário Verde a Manuel Alegre.
O seu livro Há Uma Estética Neo-Realista? continua a ser considerado, e justamente, como uma referência obrigatória para o estudo aturado, fundo e rigoroso de um movimento literário que deu novos destinos ao realismo, que o primeiro e o segundo modernismos já haviam feito avançar entre nós.
Diarista, legou-nos considerações, exegeses e propostas de uma riqueza rara, tantas vezes escamoteada e, não obstante, desafiadora.
Residualmente poeta e ficcionista, o seu talento pôde, de certa forma, andarilhar por terrenos ousados de criatividade, crítica e sensibilização.
Democrata de todos os instantes da vida, figura verdadeiramente axial dos congressos republicanos de Aveiro, lutou sempre pela unidade contra o fascismo e pela defesa de um outro devir, belo e desconstrangido, para todos os portugueses.
Para Mário Sacramento a arte transfundia-se no real, o homem individual na conjunção de vontades colectivas capazes de transformar o quotidiano e de criar mundos apetecíveis.
Por isso, é pertinente que, neste momento, homenageando-o, se diga que ele continuará connosco nos múltiplos instantes da construção de uma pátria equânime e livre.

Aplausos do PCP, do PS, do PRD e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Frederico de Moura.

O Sr. Frederico de Moura (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é apenas por ser deputado por Aveiro que não posso deixar de me associar a uma homenagem a Mário Sacramento. Regionalizá-lo seria confiná-lo, o que não pode caber na minha intenção.
Conheci-o desde o nascimento, fui ao longo do tempo seu amigo e essa amizade robusteceu-se por uma admiração sempre renovada, por isso não podia deixar de me solidarizar com a intervenção do Sr. Deputado e meu prezado amigo Seiça Neves ao trazer a esta Câmara uma baliza na memória de um homem que, ao longo de uma vida afanosa e fecunda em favor da cultura não deixou de, em circunstâncias nenhumas, estar ao parapeito no combate ao fascismo, sofrendo, por isso, o rancor da intolerância então vigente.
Por todas estas razões, sem deixar de relevar o que a cultura portuguesa lhe deve, não pode ser esquecida uma personalidade tão rica culturalmente e tão firme na defesa dos valores da democracia e dos ideais da solidariedade humana.
Por isso me associo à nota evocativa que o Sr. Deputado Seiça Neves, em boa hora, trouxe a esta Câmara.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, associando-me ao que aqui já foi dito e porque não poderia estar calado, gostaria de dizer que não tive o privilégio de conhecer pessoalmente Mário de Sacramento, mas que tenho para com ele uma dívida que não posso pagar.
Devo-lhe a coragem intelectual e cívica com que escreveu o prefácio à 2.ª edição do meu primeiro livro, contribuindo desse modo para a sua consagração e difusão. Mas, mais do que isso, todos lhe devemos uma nova atitude perante a literatura e uma nova fase de crítica literária em Portugal.
Devemos-lhe o ter sido ele o animador dos congressos republicanos de Aveiro, momentos altos e decisivos da oposição democrática e de resistência à ditadura; devemos-lhe uma nova atitude intelectual, cultural e cívica, uma nova maneira de estar perante as coisas da arte e da vida.
Ele foi um precursor do 25 de Abril e, tendo morrido antes dessa data, foi mais futuro do que alguns que hoje estão presentes. Foi um dos construtores das democracia e um exemplo vivo do novo tipo de intelectual que não se fechou na sua «torre de marfim», mas que prejudicou a sua opção literária e a sua actividade do escritor em favor da luta pela liberdade e da luta pela libertação da nossa pátria.
Juntou a pena aos combates do povo, não se fechou em si mesmo, no seu narcisismo a olhar para o seu umbigo; olhou para o futuro, tomou o partido do povo e dos seus combates.
E nesta hora de culto da mediocridade, de apagamento da memória, de esquecimento, de distracção, de confusão, de muita ambiguidade e de alguma demissão, penso que apontar o exemplo de Mário de Sacramento é apontar o exemplo de um homem que nunca se demitiu, que sempre soube estar presente e que soube ser um intelectual como um intelectual deve ser num país como Portugal: comprometido com o seu povo e com as suas batalhas.