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1732 I SÉRIE - NÚMERO 48

Em nome de interesses gerais mais ou menos difusos, proclamando vagos prejuízos económicos, hiper-valorizando as naturais incomodidades resultantes de uma situação de greve, ou mesmo bastando a sua simples declaração, o Governo tem vindo a desencadear o mecanismo da requisição civil com uma ligeireza preocupante e no mínimo abusiva. Tal recurso, este uso e abuso é tanto mais grave quando é colocado em causa não só o direito à greve mas outras liberdades fundamentais como a liberdade de trabalho, a liberdade de negociação de contratação colectiva e a liberdade sindical. Como bem afirma Jorge Leite num desenvolvido parecer sobre esta matéria «o direito da greve, como direito fundamental, só pode ser sacrificado, e apenas, na medida estritamente necessária, quando o seu exercício sacrifique outros direitos de idêntico ou superior valor constitucional, segundo o critério da proporcionalidade. Não pode, porém, ser sacrificado a pretexto por exemplo, das incomodidades e das perturbações que o seu exercício provoca ou dos seus inevitáveis prejuízos na economia nacional».
Não tem o Governo este entendimento.
O caso recente da requisição civil dos trabalhadores do metropolitano, antes mesmo de se desencadear a greve e prolongada por 30 dias para além do período em que a greve estava decretada foi uma violência inadmissível violadora do princípio da proibição do excesso.
Estava em causa a vida e a segurança das pessoas? Não! Estavam em causa as instalações e bens da empresa? Não! O que estava em causa era e é a tentativa de aplicação de aumentos salariais injustos, a liberdade de negociação de contratação colectiva, direitos inalienáveis dos trabalhadores do metropolitano mais uma vez ameaçados e condicionados por uma decisão lapidar e injusta do Governo.
Por outro lado o sistemático deitar mão à requisição civil encapotada através dos denominados serviços mínimos é outra prática complementar atentatória do direito à greve. Requisitar trabalhadores em greve para pôr em movimento a certas horas 607o de uma frota de autocarros da RN, por exemplo, 507o das composições do metropolitano, 40% dos barcos da Transtejo ou da frota da carris, requisitar dactilógrafas e outros trabalhadores administrativos da CP e chamar a isto serviços mínimos para atender à satisfação de necessidades sociais impreteríveis seria no mínimo caricato. Nem os médicos escapam a estes mínimos maximalistas do Governo. Só que mais do que caricato este comportamento governamental é profundamente perigoso e altamente lesivo de direitos e liberdades que, mais do que conquista dos trabalhadores (e quanto não custou esta conquista) são património precioso da democracia portuguesa.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Os autores do Projecto de Lei n.º 224/V, animados, segundo cremos de boa-fé, propõem-se regular o regime de requisição civil e anunciam no seu preâmbulo a salvaguarda dos interesses da comunidade sem afectação do direito constitucional da greve. Ao manter a proximidade dos normativos actualmente em vigor, ao fixar alguns pressupostos materiais e processuais de legitimidade no recurso à requisição civil e reafirmar o princípio da proibição do excesso pode tomar-se com boa a matriz proposta o que não invalida, no entanto, uma análise crítica e discordâncias de especialidade já que, a manter-se no seu conteúdo algumas omissões nalguns casos e falta de explicitação noutras, a boa-fé que anima os proponentes pode ser subvertida e frustada.
Em 1.º lugar, no plano processual, o projecto de lei não inclui a obrigatoriedade de indicação dos fundamentos do acto da requisição e torna dispensável o recurso à portaria como instrumento através do qual se efectiva a requisição. É importante não esquecer que estamos a tratar de um mecanismo de constrangimento de um direito fundamental. De um acto grave quando é decidido que exige e implica dar conhecimento aos seus destinatários. Quando não, como poderiam os trabalhadores em greve entender as razões que levaram a decisão tão grave e dar-lhes a possibilidade de recurso e de impugnação?
Na lógica desta omissão, segue-se outra. O projecto de lei não prevê nenhum mecanismo célere e eficaz que possibilite o recurso à via judicial e consequentemente o controlo desse órgão.
Outra questão de especialidade a necessitar melhor explicitação e correcção é a forma lata e subjectiva como o artigo 4.º permite à entidade civil, responsável pela execução da requisição, a aplicação dos denominados serviços mínimos sem nenhuma oscultação à comissão de greve e ou à associação sindical que declarou a greve.
A vida ensinou e a prática demonstrou que se impõe, sem prejuízo da competência própria da referida entidade ou mesmo de um processo célere que exista conhecimento prévio e direito de intervenção dos trabalhadores na redefinição dos serviços mínimos essenciais bem como no número de trabalhadores a abranger.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Vamos votar favoravelmente na generalidade, mas, este posicionamento de voto esbate as nossas fundadas preocupações.
Tudo indica que no processo de revisão constitucional o direito à greve vai ficar inscrito tal como está hoje na matriz da Constituição laborai. O quadro legal do exercício do direito está salvaguardado na Lei n.º 65/77.
Pode, porém, na actual conjuntura, com esta Assembleia concreta e esta maioria concreta um projecto de lei bem intencionado regulamentar, ser afeiçoado, clarificado e impedir por via legislativa o abuso governamental numa matéria tão sensível, excepcional e melindrosa como é a requisição civil? Seria eticamente inaceitável e politicamente condenável que alguém o manipulasse, o aproveitasse e o lançasse visando o movimento do boomerang, frustrando os seus autores, mas pior do que isso, agredindo os trabalhadores e mutilando, por via da legislação ordinária, os direitos, liberdades e garantias que a constituição lhes confere.
A vida dirá! Da nossa parte, da parte do PCP, num posicionamento construtivo, tudo faremos para que também nesta questão, o direito à greve, à liberdade no trabalho e liberdade sindical continuem a ser realidades insubstituíveis e indestrutíveis no Portugal democrático.

Aplausos do PCP e do deputado do PRD Marques Júnior.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.