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2316 I SÉRIE - NÚMERO 66

constitucionais de criminalização. O legislador, em concreto e em relação a cada bem jurídico, terá de decidir se a reacção criminal é adequada ou não, é justa ou não, é necessária ou não. O legislador constitucional nunca condiciona - isto é hoje uma evidência que ninguém contesta - na doutrina constitucional/penal, chamemos-lhe assim, não existindo, portanto, nesta questão qualquer imperativo constitucional. O legislador constituinte oferece ao legislador ordinário um bem jurídico fundamental, que é a vida humana, restando ao legislador ordinário escolher, de entre a panóplia de meios, quais os que julga mais adequados para proteger aquele bem jurídico e para isso pode recorrer à criminalização do aborto ou pode entender que este não é o meio mais adequado. Só que isto é um problema de Direito ordinário e quem quiser resolver este problema tem de o fazer nessa sede, porque com esta norma fica tudo exactamente como está, no que toca às relações entre o legislador constituinte, por um lado, e o legislador ordinário, por outro.
O chamado discurso da criminalização é um discurso muito complexo onde o primeiro ponto a responder é o seguinte: há um bem jurídico fundamental digno de tutela?
Se a proposta do CDS fosse aprovada, teríamos respondido afirmativamente a esta questão. Mas, depois, surge toda uma série de questões, como as de adequação da lei penal, de peso relativo entre os custos e os benefícios, em que só a resposta positiva obrigaria a concluir que o legislador ordinário está obrigado a criminalizar.
Portanto, o problema do aborto não se resolve rasgando aqui as vestes, a propósito deste artigo, para depois se desprezar o problema a nível da legislação ordinária, como também não se resolve promulgando apenas uma lei ordinária para depois se esquecer de tudo que tem de ser feito, como, por exemplo, de todas as energias que têm de ser gastas para mobilizar a sociedade, para interiorizar na consciência colectiva a necessidade de lutar contra uma praga, que todos reconhecemos como tal, que é o aborto.
Por isso, não basta de vez em quando, em certas épocas de mais ou menos ritual, escolher determinados momentos e dizer: aqui está a nossa festa, fazemos esta festa e isto passa na Constituição, esquecemos a parte da legislação ordinária ou, eventualmente, passa na legislação ordinária e esquecemos aquilo que é fundamental, que é a luta no terreno contra o aborto, ou seja, é a luta contra o aborto efectivo e real.
Portanto, Sr. Presidente, eram estas, fundamentalmente, as considerações que nesta fase se nos afigurava fazer.
Em suma, se o que o CDS quer é restaurar a criminalização do aborto o caminho não é este, porque só o legislador ordinário o pode fazer, havendo para isso os mecanismos normais, e muito me espanta que o CDS ainda os não tenha activado.
No entanto, só a criminalização do aborto pelo legislador ordinário pode resolver este problema, porque da definição desta norma, tal com ela está - e vou agora usar um palavrão alemão, pois já se usaram aqui tantos...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É mais um!

O Orador: - ... -, não resulta, nem neste domínio nem em nenhum outro, algum verfassungsponalisierungs-gebole, não há qualquer imperativo constitucional de
criminalização. Não há nem neste domínio nem em qualquer outro. De resto, repito, isto é hoje consensualmente admitido, e, portanto, a minha intervenção, mais do que uma contestação à proposta do CDS, é um conselho: o caminho não é este.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Herculano Pombo e Nogueira de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - O Sr. Deputado Costa Andrade confessou, humildemente, que nada percebe de genética. Aliás, penso que nenhum de nós é obrigado a perceber uma coisa que apenas agora começa a dar os primeiros passos e que começa já a ameaçar-nos a todos - a questão da engenharia genética, da manipulação genética.
Devo confessar que tenho pena de - e é uma mágoa que me fica deste processo de Revisão Constitucional - não termos sido capazes de abordar ou aflorar sequer estas questões da manipulação genética, de engenharia genética e a sua relação com o quadro jurídico que temos, porque são questões que vão cair-nos em cima, mais tarde ou mais cedo, e para as quais não teremos sequer uma resposta incipiente.
Uma vez que o Sr. Deputado fez uma afirmação que, de algum modo, poderá ser polémica quando afirmou que a vida humana pode ser violável mesmo antes da concepção, gostaria de perguntar-lhe, em primeiro lugar, que respostas tem, hoje, o nosso quadro jurídico para estas questões, ou seja, para a possibilidade de a vida humana ser violável ou manipulável antes mesmo da concepção.
Por outro lado, deve esta questão assumir foros de discussão ao nível do Direito Constitucional ou só ao nível do Direito ordinário?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Costa Andrade, sempre lhe digo que a via utilizada por V. Ex.ª - aliás, com grande coerência, porque já foi exactamente a mesma em sede da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional -é, apesar de tudo, uma via tortuosa e vou explicar porquê.
O Sr. Deputado pergunta-me o que é que pretendemos com esta alteração e se, neste domínio concreto, pretendíamos que fosse declarada inconstitucional a lei que despenalizou o aborto. Honestamente respondo-lhe - não posso fazê-lo de outra maneira - que eu pretendia que fosse declarada inconstitucional. Mas, pelos vistos, V. Ex.ª não pretendia, porque, quer V. Ex.ª, quer o PSD, entendem que não é a via da criminalização a via para combater o aborto. Muito bem, Sr. Deputado. Só que essa questão há-de discutir-se noutro plano, ou seja, no plano da legislação ordinária. Estamos inteiramente de acordo! Mas por que é que V. Ex.ª quer conhecer as minhas intenções para votar este preceito, se está inteiramente de acordo com ele?