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5 DE MAIO DE 1989 3585

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção é para justificar a proposta apresentada pelo PSD relativamente a este artigo, mas que já foi feita em sede do artigo 47.º-A, isto é, a nossa é uma proposta de alteração sistemática.
Entendemos que o direito de propriedade privada deve fazer parte do elenco dos- direitos; liberdades e garantias, ou seja, como direito fundamental que é, o direito de propriedade privada deve fazer parte dó «núcleo duro» desses direitos fundamentais, daí a razão de ser da nossa proposta de. alteração sistemática.
É que entendemos que deve dar-se o devido destaque ao direito de propriedade privada e, sobretudo, à protecção que esse direito merece. Assim acontecerem termos internacionais, pois, como todos sabem, o direito de propriedade privada está consagrado em inúmeras declarações de direitos internacionais, nomeadamente na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Por outro lado, não faltam argumentos de Direito Comparado provando que, em várias Constituições de países europeus; o direito de propriedade privada faz parte do elenco de direitos, liberdades e garantias.
Esta consagração tem vantagens a vários níveis. Por um lado, a nível político, como já referi e, por outro, em termos técnicos.
É que há que evitar, uma situação de duplicidade e de ambiguidade que, muitas vezes, é dada na doutrina no sentido de saber se este direito é ou não um direito de natureza análoga e, ao sê-lo, é preciso saber qual é o seu regime e quais são, de facto, as suas tutelas e às suas características.
Neste sentido, entendemos que, de uma vez por todas, há que clarificar esta situação, há que integrar o direito de propriedade privada no elenco dos, direitos, liberdades e garantias para que, assim, aquele direito sofra do regime material destes que são: a aplicação imediata, a vinculação das entidades públicas e privadas, a reserva de lei, o carácter restritivo das restrições, o carácter excepcional da suspensão, a autotutela, à responsabilidade criminal por violação dos direitos, liberdades e garantias, nomeadamente o acesso a instâncias internacionais.
Entendemos que tudo isto deve ser o regime de direitos, liberdades e garantias e, portanto, o regime do direito de propriedade privada. Neste sentido, nós, PSD, que nunca tivemos complexos, de qualquer natureza, entendemos que deve fazer parte do elenco de direitos, liberdades e garantias.
Por outro lado, como se trata de uma matéria que foi longamente discutida em sede de comissão, não vemos qualquer inconveniente em que esta mudança seja feita; Várias vezes nos foi dito: «Cuidado com a reserva relativa da Assembleia da República, porque, a ser assim, os senhores faziam um cataclismo, uma hecatombe, em termos jurídicos!. Têm que ter atenção às implicações dessa mudança!.
Ora bem, as implicações foram estudadas aquando da elaboração da proposta e, no debate que sobre: ela se travou em. sede de Comissão Eventual de Revisão Constitucional, não ficámos convencidos de. um sequer dos inconvenientes desta alteração. Daí, Srs. Deputados, que mantenhamos esta proposta, levando até ao fim, para que esta Câmara possa dizer, com toda a coerência, se quer ou não que o direito de propriedade privada seja eficazmente protegido e consagrado no elenco dos direitos, liberdades e garantias.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este é um debate repetido, não é novo. É um debate onde a posição do PSD está nos limites da coerência è no início da teimosia pura.
Ao ouvir o Sr. Deputado José Luís Ramos, ocorreu-me aquela célebre passagem de um soneto de Camões:

Sete anos, de pastor, Jacob servia Labão
Pai de Raquel, serrana bela.
Mas não servia ao pai, servia a ela,
Que só ela por prémio pretendia.

Nós também compreendemos qual é o prémio que o PSD quer deste debate. Também percebemos que, sete anos depois - o número é cabalístico -, o PSD continue a persistir na defesa, desta proposta contra ventos e marés, contra argumentos razoáveis, tentando dizer que a sua aprovação, essa sim, seria um milagre, ò milagre da: protecção eficaz da iniciativa privada e dá propriedade privada'.
Ora, não acompanhamos o PSD nesse fervor místico por três razões fundamentais: em primeiro lugar, porque não resultaria da sua aprovação nenhuma alteração, substantiva à luz do critério da protecção eficaz da propriedade privada. Em segundo lugar, porque as consequências, em termos de reserva de competência legislativa, sobre a propriedade privada, seriam, de facto, consequências, gravosas para o funcionamento dos órgãos de soberania e para a adopção de legislação em matéria de propriedade privada. Embora o PSD tenda a minimizar essa consequência, ela é particularmente, relevante quando faria recair na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República todas as matérias que directa ou indirectamente tivessem a ver com a propriedade privada.
Mas, apesar de tudo, há um argumento que me parece necessário rebater, que é o do Direito Comparado. Não é possível comparar o regime jurídico dos direitos, liberdades e garantias constante do artigo 18.º da Constituição Portuguesa com o regime jurídico de protecção dos direitos fundamentais existente nas demais Constituições, do nosso espaço geopolítico. E isso porque ao regime jurídico da Constituição Portuguesa é o que mais longe vai, é o que tem um conjunto de instrumentos mais aperfeiçoado e é o que tem consequências mais completas, que não têm paralelo em nenhuma Constituição dos países da .Europa ocidental, nem nas declarações universais. Não é só o problema da eficácia directa, é também o problema da vinculação das entidades públicas e das entidades privadas, é o problema do efeito face a terceiros, que nos outros países só constitui o corolário de construções doutrinárias e jurisprudenciais, mas não do texto da própria Constituição.
Portanto, a adopção desta proposta traria apenas confusão ao sistema jurídico, não reforçaria a protecção da propriedade privada e, em nosso entender, tal como em 1982, tal como em 1976, continuamos a pretender também uma «Raquel», provavelmente uma «Raquel» diferente daquela que o PSD quer.