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436 I SÉRIE-NÚMERO 15

A questão é, pois, grave, dado que o Governo não pode ter deixado de se aperceber que houve uma revisão constitucional e que a revisão constitucional não consagrou o projecto do PSD. Se a revisão tivesse consagrado o projecto do PSD, esta lei quadro seria inteiramente constitucional! Mas não consagrou!
Quanto ao alcance da revisão constitucional, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não há querela possível. Não há querela sobre a possibilidade de privatizações!... Eis uma questão que ficou arrumada na revisão constitucional!
Mas o debate constitucional e político é, agora, sobre as regras, os princípios, as cautelas, os objectivos, as competências, os poderes dos diversos órgãos de poder, as garantias de transparência, as garantias da boa afectação das receitas e de lisura de procedimento.
Há regras fixadas constitucionalmente, há cautelas fixadas constitucionalmente, fracas e insuficientes, embora.
Pela nossa parte, aleitámos para esse facto na altura própria. Alertámos para isso em termos críticos, sublinhámos os perigos, sublinhámos a previsível má-fé do PSD nesta matéria e confirma-se plenamente essa má-fé negociai, que presidiu à celebração do acordo de revisão constitucional e à aprovação do texto constitucional na redacção que agora entrou em vigor.
Dizia o Sr. Deputado Almeida Santos, na altura da votação final global da lei da revisão constitucional: «A Constituição deixa de ser, como é, a única Constituição conhecida a colocar o sinal vermelho na via da privatização de bens colectivizados, mas nem por isso a reprivatização passa a ser incontrolada. A Constituição sujeita-a a regras de forma e de afectação das consequentes receitas que não poderão ser afectadas a despesas correntes. Assegurou-se, ainda, a avaliação prévia dos valores a reprivatizar por mais de uma entidade independente, bem como a garantia dos direitos dos trabalhadores.» E concluía: «Trata-se de princípios constitucionais, não de meras recomendações postergáveis. Os governos, este ou qualquer outro, por mais que nisso se empenhem, não podem fazer o que quiserem.»
Eis o que ficou dito, eis o que é infirmado pela proposta governamental.
A proposta governamental não é, de facto, uma lei quadro, mas é a demonstração metódica de que este concreto Governo se arroga o poder de fazer o que entende dever fazer à luz de qualquer baia, regra, limite ou bitola fixada pelo Parlamento.
Quis a Constituição que esta lei quadro fosse desde logo verdadeira e própria e não uma autorização legislativa em branco; quis que fosse aprovada por maioria absoluta; quis que os princípios constitucionais fixados no artigo 296.º fossem desenvolvidos, regulamentados e explicitados por esta lei quadro, que, repilo, não pode ser aprovada por uma maioria ordinária.
Quer o Governo o quê? Basta ler a proposta de lei para o saber, Srs. Deputados. Onde a lei devia afirmar «o Governo deve...», a proposta de lei afirma, sistematicamente, «o Governo pode...». Não se define o regime dos limites máximos adquiríveis por entidades públicas, nacionais ou estrangeiras. O Governo «pode» fixá-lo livremente! ...O Governo «pode» fixar os critérios de escolha e as garantias das entidades avaliadoras dos bens a reprivatizar. Como entender?
A proposta de lei devolve ao Governo o poder de optar, arbitrariamente, pela quebra da regra básica do concurso público preferencial, que é constitucionalmente obrigatória e só executável em condições muito precisas, que só esta Assembleia pode definir.
A proposta governamental não define qualquer indicação, qualquer limite, qualquer critério para a fixação do montante do capital a reprivatizar reservado a trabalhadores, pequenos subscritores e emigrantes.
A proposta limita-se a reproduzir, nuns pontos, os princípios constitucionais. Mas para isso já há a Constituição, não era precisa a proposta!...
Noutros pontos, por omissão e por silêncio, a proposta de lei dá ao Governo, por exemplo, o poder de definir como entender os direitos de reprivatização, as formas de exploração de bens nacionalizados, absolutamente segundo o seu critério arbitrário.
Por outro lado, revoga o quadro aprovado por esta Assembleia da República sobre a privatização de 49 % e permite ao Governo imaginar e reconstruir, como quiser, o regime jurídico aplicável a esse tipo de operações.
A proposta, em suma, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, não é uma lei quadro, é um poema às privatizações «à Cadilhe». É um poema, ainda por cima, etéreo, indefinido, indefinidor de qualquer quadro que seja digno desse nome. É um hino, mas é um quadro em branco.
Isso, como é óbvio, viola a Constituição na redacção decorrente da segunda revisão.
É chocante! E é chocante sobretudo porque este foi um aspecto crucial do processo de revisão, foi um aspecto intensamente discutido, em que as propostas apresentadas pelo Partido Socialista, tendentes a acautelar certos aspectos mas decaindo já de um conjunto de garantias que bem necessárias seriam...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, agradecia que terminasse, pois já ultrapassou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. Termino já. Até se atingir este núcleo mínimo. O Governo agarra neste núcleo mínimo, lança-o fora, e pretende sair da Assembleia da República com uma autorização em branco.
Concluo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, dizendo que se esta proposta sair da Assembleia da República como aqui entrou, ela é inconstitucional e como tal deverá ser declarada, com alto grau de probabilidade.
Isto conduz-me à última interrogação: poderá acontecer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Governo ignore este facto? Será que o Governo não leu a Constituição? Será que o Sr. Ministro Cadilhe leu a Constituição com o mesmo espírito com que lê, desplicentemente, o Código da Sisa? Será que o Sr. Primeiro-Ministro quer que a lei chumbe no Tribunal Constitucional para criar um compasso de espera que permita ultrapassar engulhos evidentes na sua política privatizadora?
É, em qualquer caso, inaceitável que, se isso é assim, as coisas sejam feitas desta maneira. Há formas mais lisas, mais transparentes, mais honestas e mais democráticas de, numa matéria desta sensibilidade e desta gravidade, avançar.
Pela nossa parte, impugnámos a proposta e iremos até ao fim na luta contra este texto e esta operação, que é, rematadamente, inconstitucional e chocante.
Aplausos do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.