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14 DE FEVEREIRO DE 1990 1493

Só quo o plebiscito é, com razão, receado como forma de legitimação de pessoas para o exercício de cargos com prerrogativas de autoridade. Serviu para, falsamente, legitimar ditadores. Não serve para legitimar o Presidente da República Portuguesa.
Serve-me, porém, de pretexto para legitimar a minha estranheza perante a afirmação do Sr. Deputado Pacheco Pereira - fiel intérprete do pensamento oficial do seu partido e cujas opiniões não raro colhem concordantes as minhas opiniões acerca delas - de que «ao obter este apoio, a recandidatura de Mário Soares ganhará um carácter plebiscitado, e [que] o único significado possível desse plebiscito será o fortalecimento do regime democrático».
Enganado andava eu, supondo que o plebiscito é, como disse Burdeau, «uma paródia do exercício da soberania do povo». Enganado, de facto, supondo-o instrumento privilegiado de ditaduras e de ditadores. Iludido, imaginando que no plebiscito o povo não escolhe e que, não escolhendo, não legitima. Mas até morrer se aprende!...
Afirmou ainda o Sr. Deputado Pacheco Pereira num pico de franqueza: «Neste sentido, haverá uma dcspartidarização efectiva das eleições presidenciais, o que só valorizará as próximas legislativas.»
Como é que eu me não tinha apercebido de que a Constituição e a democracia não querem os partidos nas presidenciais? É certo que me apercebi de que a Constituição os não quer na formalização das candidaturas, coisa de que não parece ter-se apercebido o Sr. Primeiro-Ministro, na maneira como reduziu o seu papel. Mas não é que julgava que a partir daí os quer e deseja tanto quanto os quer e deseja nas legislativas?
Disse, enfim, o ilustre deputado: «Para as legislativas de 1991, do que se precisa é de uma espécie de condottiere.»
Leia-se «caudilho», leia-se Cavaco Silva. E aí têm os Srs. Deputados como, sem intenção, pode um devoto ofender a «Deus»!
Não é a primeira vez que, do lado do PSD, nomeadamente através do seu Presidente, soam propósitos de desvalorização dos partidos, das ideologias, da política. Só que não há democracia sem estes ingredientes, sem as representações motoras de que são portadores e agentes, sem a acção colectiva de que são garantes, sem o combate de que são soldados.
É por isso tranquilizador saber que outros políticos, igualmente cotados, como é o caso do Sr. Deputado Lucas Pires, não hesitam em formular esta perturbante pergunta: «Ainda haverá eleições presidenciais»?
Por seu turno, o articulista Paulo Portas exprime deste modo a mesma inquietação: «O País saberá, na devida altura, que a eleição presidencial não teve a mínima autenticidade.»
Eis, pois, que o Primeiro-Ministro anunciou ao País um terramoto anímico que legitima as mais fundas preocupações. Entre elas a de saber que Primeiro-Ministro é este, que intérprete é ele do espírito das instituições democráticas, qual o grau da sua democraticidade, até que ponto deve desvalorizá-lo esta subordinação de tudo ao voto, esta tentativa de secundarizar a escolha do Presidente da República, logo este.
O Primeiro-Ministro disse há dias: «Não saio sem lula!» Dito isto, recusa-se a lutar!
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Não quero esquecer que subi a esta tribuna no dia do 25.º aniversário do assassinato do general Humberto Delgado, morto pela
PIDE por defender os valores democráticos cuja preservação aqui me trouxe. A sua memória é outra das referências que não deixaremos morrer.
Vai para ano e meio que esta Assembleia aprovou uma resolução para que se proceda à trasladação dos seus restos mortais para o Panteão Nacional.
Cabe ao Governo dar execução a esse mandato histórico.

Aplausos do PS, do PCP e do PRD.

Por que o não executa?
Eis uma boa causa para o Sr. Presidente. Aqui lha deixamos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados Pacheco Pereira, Carlos Brito, Silva Marques, Duarte Lima e Carlos Coelho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, lembro-me muito bem dos tempos que partilhámos no MASP e das sessões conjuntas que fizemos sobre as eleições presidenciais e confesso que tive alguma surpresa em ver o Sr. Deputado, que, tanto quanto eu saiba, é agnóstico, a discursar sobre a alma e a interpretar o conteúdo da alma alheia.

Risos do PSD.

Confesso que as interpretações sobre a alma podem ser um bom discurso sobre a própria alma, mas dificilmente têm a qualidade de ser uma interpretação correcta da alma alheia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nos meus tempos de estudante de Filosofia, aprendia-se, com Kant, que o nómeno, por definição, é território de Deus. Muito dificilmente, portanto, podemos saber o que está dentro da alma alheia.
Compreendo, porém, a preocupação do Sr. Deputado Almeida Santos, porque compreendo a incomodidade do Partido Socialista com as próximas eleições presidenciais. Dou de barato que a incomodidade dos partidos com as próximas eleições presidenciais seja um dado comum a todos. Isto é: não me custa nada admitir que nós tenhamos incomodidade com as próximas eleições presidenciais, que o Partido Socialista tenha incomodidade com as próximas eleições presidenciais, que também o Partido Comunista tenha incomodidade com as próximas eleições presidenciais. E distingo o CDS porque, por razões que têm a ver com a sua própria pequenez, tem provavelmente condições para não ter esta incomodidade.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não apoiado!

O Orador: - E já nem falo do PRD!... Risos.

Mas admito que tenhamos em comum incomodidade com as próximas eleições presidenciais.
Essa incomodidade, aliás, não é de agora. Lembro-me muito bem da incomodidade do Partido Socialista, em 1985, com a candidatura do Dr. Mário Soares. O Partido