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17 DE FEVEREIRO DE 1990 1593

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados. Sr. Ministro da Educação, Srs. Secretários de Estado do Ensino Superior e Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: A intervenção do Governo feita hoje, nesta Assembleia, fez-me lembrar aquele herói das histórias de quadradinhos que tenta atirar mais depressa do que a sua sombra.
Acontece que desta vez - e já há muito que se viu - foi a sombra que atirou mais depressa do que o simpático cowboy e bem se poderá dizer quase que é a sombra que dá luz, neste caso, ao Governo.
Não quero fazer querelas de bairrismo nem de marialva, mas a verdade é que, após algum cansaço, durante dois ou três anos, de ouvir colegas nossos da bancada do PSD dizerem, sistematicamente, que o Grupo Parlamentar Socialista não tem qualquer espécie de alternativa - quando já é a quarta, quinta, sexta ou mesmo a sétima vez que fazemos propostas... -, è bom registar o primado, os direitos de autor e a iniciativa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Tomámos nota da disposição expressa pelo Sr. Ministro quanto ao consenso futuro e ao trabalho que vamos tentar desenvolver na respectiva comissão; apraz-nos a vontade expressa por parte de todos os grupos parlamentares nesse sentido e vamos fazê-lo.
Nós próprios temos críticas não só ao nosso projecto como aos diplomas do Governo e do Partido Comunista e, num espírito eventualmente próximo do que presidiu à elaboração da Lei da Autonomia Universitária, vamos tentar fazer algo de que nos honremos, que nos dignifique e que interesse ao País em que vivemos.
Não sendo esta sessão dedicada à discussão na especialidade, devo dizer que esta tentativa de chegar a um acordo, a um consenso -e esta palavra, hoje, está excessivamente mal empregue-, enfim, a vontade de chegar a algum consenso neste domínio, leva-me a aproveitar esta oportunidade para, uma vez mais, afirmar a enorme, a profunda divergência que nos separa do Governo em matéria de política para o ensino superior universitário e politécnico, para a ciência e para a investigação. Já várias vezes, aqui mesmo, perguntámos o que se passa com o Governo em matéria de política para o ensino superior, para a ciência e para a investigação.
Compete-nos tentar mostrar quais são estas divergências, quais são estas diferenças, e, com o tempo de que hoje dispomos, quero citar algumas.
Uma primeira, numa lista que poderia ser quase uma lista dos sete pecados mortais do Governo em matéria de política do ensino superior, da ciência e da investigação, refere-se à insuficiência no pensamento, o que creio que é unanimemente reconhecido.
Para além dos discursos de circunstância -alguns deles com um nível intelectual indiscutível, mas discursos de circunstância do Ministro e do Secretário de Estado-, nada há de solidez, nada cristaliza como pensamento, como orientação, como perspectiva, como horizonte, relativamente a este cada vez mais sério e cada vez mais grave problema, que é o dos estudos avançados da ciência, da investigação e do ensino superior, nessas duas dimensões, a universitária e a politécnica.
Este projecto, aliás, tem como pensamento e como doutrina, apenas e tão-só, um discurso feito hoje pelo Ministro da Educação, que disse que se trabalhou muito, durante um ano e meio, na elaboração deste projecto, mas não nos trouxe aqui o que devia ter trazido, nomeadamente o planeamento estratégico, o desenvolvimento paralelo, eventualmente concorrencial, entre o ensino politécnico e o ensino universitário, as perspectivas demográficas, as perspectivas quanto à qualidade desse próprio ensino, etc.
Sublinhamos um segundo pecado mortal do Governo: a imperícia na acção. Já várias vezes, ao longo destes dois ou três anos, apontámos actos de imperícia, e recordo, relativamente aos orçamentos do ano passado, o mau começo da Universidade Aberta, para não falar neste caso mais grave, mais actual, mais candente e mais chocante que é o do sistema geral de acesso ao ensino superior, seja na sua dimensão legal, seja na sua dimensão prática, e nos resultados absurdos e perversos que este sistema geral de acesso ao ensino superior criou; por vezes confrange-nos ver a teimosia ou a indiferença do Governo relativamente aos problemas criados.
Terceiro pecado mortal: a indiferença perante os problemas levantados pela qualidade do ensino superior. Aí separa-nos do Governo uma enorme diferença na concepção e na compreensão do que são as relações entre autonomia e papel do Estado.
O Governo, várias vezes, invoca a autonomia para dizer: «Nós não podemos ingerir-nos na vida universitária.»
Nós, no nosso grupo parlamentar, desde o primeiro segundo que somos defensores -às vezes, até com alguns exageros, eventualmente! - da autonomia universitária, de uma larguíssima autonomia universitária, neste caso, de uma autonomia de transição. Mas autonomia, Sr. Deputado Carlos Coelho, porque isso de dizer que não se trata de uma autonomia «dois», porque isto tem de ficar assim e assim... Pensamos que o Estado e o Governo não têm competência para governar as universidades e as escolas politécnicas superiores.
Haverá uma fase de transição, mas a autonomia das instituições académicas é, para nós, um valor em si e queremos que venha a haver uma autonomia «dois» no ensino superior politécnico. Não temos qualquer espécie de receio de dizer que é esse o objectivo e será esse o horizonte.
Só razões históricas e circunstanciais -sobretudo razões históricas- nos levam a aceitar um período de transição, um período de evolução ou de experiência e de diversificação.
Em Portugal, há, hoje, escolas superiores que podem ter atribuições muitíssimo mais vastas de autonomia do que outras, e é isso que pretendemos.
O Governo tem tarefas e tem deveres relativamente à universidade, nomeadamente a da sua qualidade.
Todos nós temos tido, nesta Assembleia, e todos tivemos nos últimos anos, às vezes, um respeito excessivo, corrijo, um pudor excessivo, relativamente à universidade, porque muitos de nós de lá saíram e todos temos, relativamente à universidade, uma recordação reverenciai.
Mas todos sabemos e todos calámos algo que conhecemos, que é, com excepções de centros de excelência, com excepções de departamentos ou escolas, o facto de a qualidade média da universidade portuguesa e do ensino superior politécnico ser baixa e de nas universidades ocorrerem acontecimentos que não deveriam ocorrer,