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23 DE MARÇO DE 1990 1975

Mas, Sr.ª Deputada, não é através de leis nem de decretos que isso pode ser feito. Os decretos e as leis apenas podem criar condições e avançar com medidas para que a mudança se faça. Contudo, a mudança não é aqui que tem de ser feita mas, sim, lá fora, no povo que olha para as mulheres e que pratica as desigualdades e as discriminações.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): — Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Nos tempos em que vivemos, de profundas mutações a nível internacional, de novos reordenamentos, de questionamentos fronteiriços, de derrube de muros; no mundo contemporâneo de modernidade c de progresso; no Portugal da Europa que nos vai reaproximando de outras gentes, a igualdade efectiva, possibilitada pela igualdade jurídica, reclama alteração de mentalidades e mudança de atitudes.
Não devemos ignorar que as transformações que o mundo moderno irá enfrentar, na viragem do século, serão mais penalizadoras para a mulher do que para o homem, pois serão as mulheres as principais vítimas da «economia dual» defendida pelos neoliberais. Uns terão emprego, outros não, e tudo leva a crer que sejam as mulheres a não o terem.
A igualdade de oportunidades não pode ser confundida com normas jurídicas, antes requer medidas e incentivos a favor da mulher, de modo a compensá-la das desvantagens que vêm detrás. O espaço público tem sido exclusivo do homem. A esfera privada, essa, era pertença da mulher, qual gineceu da antiga Grécia. A mulher pode ser a abelha rainha do espaço familiar, na execução das tarefas domésticas, mas o seu reino termina aí. Hoje, as mulheres trabalham dentro e fora de casa, com horário no emprego, mas sem horário de trabalho.
Para promover uma maior participação da mulher em iodas as instâncias é preciso derrubar velhos preconceitos, que o seguinte provérbio caricaiurixa, mas que, infelizmente, estão implícitos, tantas vezes, no discurso masculino: «Quem pode encontrar uma mulher de valor?»
Este preconceito tem acolhimento no domínio linguístico. As concepções machistas da sociedade Ficaram marcadas no corpo do idioma. Vejamos alguns exemplos de natureza linguística que documentam esta minha afirmação.
Como só a partir do 25 de Abril, por iniciativa de ministros do Partido Socialista — com orgulho o digo — a mulher acedeu a três carreiras: a magistratura, a diplomacia e a carreira administrativa local, não havia, por isso, mulheres juízas nem embaixatrizes. Ou melhor, as últimas até havia, mas não exerciam o cargo de representantes diplomáticas do seu país, eram apenas titulares do nome, como esposas do embaixador.
Toda a gente sabe que o feminino de embaixador é embaixatriz, mas, como se pensava que jamais a mulher pudesse aceder a esse cargo, deu-se a designação a uma espécie de adjuvante do embaixador.
Mas porque mudando-se a vida se mudam os gostos dela, houve que encontrar uma designação que se aplicasse à representante diplomática no estrangeiro, e criou-se embaixadora.
E, agora, se me permitem uma nota de ironia, como na lei nada impede que a embaixadora se case, pergunto: como irão designar o marido da embaixadora?
Provavelmente, criando uma forma anómala, que, a meu ver, só poderá ser «embaixatrizo».

Risos gerais.

Já agora, talvez valha a pena lembrar o que se passa de grave no campo da publicidade. Já não falo da distorção da imagem da mulher na comunicação social tantas vezes comparada a «coisas».
Mas para o que eu pretendia chamar a atenção era para uma alteração qualitativa que releva da publicação de uma lista exaustiva de designações de profissões no masculino e no feminino. Refiro-me a uma edição do Instituto do Emprego e Formação Profissional.
Ficarão, certamente, alguns dos presentes surpreendidos se tiverem acesso a essa publicação, pois aí encontrarão profissões como estas: a/o corista, a/o dactilógrafo, o/a arbitra, o/a carpinteira, o/a comissária de bordo, mas também a manicura e o manicuro, o homem-a-dias e a mulher-a-dias, o sacristão e a sacristã.

Risos gerais.

Começa, assim, a língua portuguesa a absorver e a contemplar algumas alterações operadas na sociedade e a dar resposta às novas solicitações.
As línguas não são machistas ou feministas; são aquilo que os cidadãos as fazem. Os tabus linguísticos são sempre resultado de tabus sociais.
Como vimos, são inúmeros e diversificados os obstáculos que a mulher diariamente enfrenta na sociedade, na vida e na actividade política.
Verificamos que é no reino da política, contudo, que as barreiras são mais difíceis de transpor. De facto, as alterações sofridas, nas últimas décadas, na família e na sociedade não tiveram correspondência no domínio da política.
A influência da mulher na esfera do poder continua a ser reduzidíssima e este é um problema estrutural que urge resolver. A consecução deste objectivo de igualdade passa, em primeiro lugar, pela reforma das mentalidades dos homens e das mulheres, porque também as mulheres terão de mudar a sua mentalidade.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Oradora: — As mulheres terão de rever a sua situação em relação ao poder, isto é, não se automargina-lizar dos espaços de poder por eles serem espaços de masculino, cujas regras do jogo foram definidas por homens e com as quais as mulheres pouco ou nada se identificam.
Mas esquecem as mulheres que só através da partilha do poder elas poderão alterar o statu quo, alterar as regras deste jogo duro e competitivo.
Para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, todas estas alterações só poderão ser concretizadas com a colaboração dos homens, pois são problemas que responsabilizam tanto as mulheres como os homens.

Aplausos do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar agora ao período de votações.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.