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23 DE MARÇO DE 1990 1979

Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Não chega, para implementar uma política de igualdade, que o Governo nomeie mulheres, quer como ministras quer como secretárias de Estado.
Nós apoiamos e defendemos uma política de promoção das mulheres nos centros de decisão e nos diferentes níveis dos órgãos do poder central e local, mas também a prática tem demonstrado que nem sempre as mulheres nas áreas de decisão ultrapassam as suas opções de classe e os comportamentos que se ligam a uma certa imagem de poder que se afirma pelo autoritarismo, a intransigência c o seguidismo às correntes dominantes do poder.
As contradições da situação de mulheres nem sempre as faz assumir a defesa dos direitos da mulher, a coragem de afrontar a demagogia do poder em relação às mulheres, enfim, podendo trazer para os centros de decisão uma certa cultura no feminino que tem muito mais a ver com o diálogo, a busca de consenso, a objectividade c a sensibilidade. Essas acabam normalmente por ser afastadas, nomeadamente quando o poder está nas mãos dos que da democracia lêm uma concepção formal, vazia de conteúdo e de solidariedade e a sua opção política não é a justiça social alargada e dignificante para a maioria da população.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): —Muito bem!

A Oradora: — A ausência do Governo, hoje, aqui, neste debate, é bem exemplo disso.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): — Sr.ª Deputada Luísa Amorim, não é propriamente para lhe pedir esclarecimentos mas para transmitir uma posição clara por pane da minha bancada.
Na verdade, se, pelo meu silêncio, deixasse passar a sua intervenção, poderia parecer que eu concordava com as afirmações que fez, as quais, naturalmente, condizem com aquilo em que V. Ex.ª e o seu partido acreditam, principalmente no que toca às leis sobre a interrupção voluntária da gravidez.
É sabido que votámos contra esta lei, que somos contra a despenalização do abono sob a forma por que, actualmente, está consignada na lei penal e, por isso mesmo, perante o que acabámos de ouvir, uma ausência de reacção nossa poderia levar a crer que o CDS tinha alterado a sua posição sobre esta matéria.
Ora, de facto, o nosso partido não mudou a sua posição e, quando estivermos no poder, naturalmente, promoveremos um novo debate para revisão desta lei, já que a actual maioria não o suscita.
Para já, devo dizer que não nos choca absolutamente nada que, por motivo de uma objecção de consciência, os médicos, as enfermeiras, todo o pessoal sanitário ou de saúde não cumpram a lei.
É que entendemos que a objecção de consciência deve ser respeitada e, indo até mais longe, diria que, em Portugal, deveria haver mais médicos e mais pessoal de saúde que recusassem a referida lei do aborto.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Amorim.

A Sr.ª Luísa Amorim (PCP): — Sr. Deputado Narana Coissoró, considero-o um democrata que respeita a democracia e o cumprimento das leis.
Quanto a mim, o que está em causa nas suas palavras é o facto de ter admitido a possibilidade do não cumprimento da lei em vigor e, inclusive, do não respeito pela democracia...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): — Por objecção de consciência!

A Oradora: —Não, Sr. Deputado. É que a lei permite a liberdade de opção do médico ou do trabalhador de saúde para ser um objector de consciência, o que respeito perfeitamente. Só que não é legalmente permitido que tal atitude constitua um impedimento para o cumprimento da lei.

Uma voz do PCP: — Exactamente!

A Oradora: — Ora, o que se tem verificado é uma conivência hipócrita por parte do Governo. É que o direito de opção que a lei confere aos trabalhadores de saúde também é válido para qualquer cidadã que, por opção individual, não queira submeter-se a um abono. Aliás, nunca o PCP disse o contrário, tendo respeitado sempre a liberdade de opção individual dos cidadãos.
Portanto, o que não podemos admitir é que a hipocrisia e o silêncio do Governo nesta matéria tenham permitido que, nos hospitais, o factor objecção de consciência constitua um pretexto para que a lei não seja cumprida. Para mais, em tempos, o tutelar do cargo de ministro da saúde foi uma mulher que, com a sua própria conivência, permitiu o que acabo de expor.
Quero deixar bem claro nesta sede que, na minha qualidade de deputada, o director do serviço de obstetrícia do Hospital de São Francisco Xavier disse-me, textualmente, que, no seu serviço, recusar-se-ia a praticar qualquer interrupção voluntária de gravidez, quer estivesse ou não dentro dos limites da lei.
Por outro lado, em relação à lei do aborto verifica-se, concretamente, que a sua interpretação tem permitido às direcções de hospitais a criação de comissões não previstas legalmente. Ora, o Ministério da Saúde nunca determinou investigações no sentido de saber com que direito é que as referidas comissões decidiam quais os casos que estavam ou não abrangidos pela lei de interrupção voluntária da gravidez.
Pelo contrário, o Ministério permitiu a criação das referidas comissões, permitiu que a existência de objectores de consciência tivesse constituído um impedimento concreto à concretização do aborto e, inclusivamente, pelo seu silêncio e pela sua conivência, o Ministério permite que as mulheres continuem a submeter-se a abortos clandestinos em clínicas cuja localização é bem conhecida, a preços inacessíveis à maioria.
Ora, isto não é demagogia! Pode não ser modernidade quanto ao conceito de que devemos estar com o Governo, mas é-o, não no sentido demagógico mas no de defesa das mulheres que ficam sujeitas às mãos de outras que. muitas vezes, nem sequer são parteiras com prática.
Na minha qualidade de médica, eu própria tive conhecimento de experiências perfeitamente impressionantes de práticas de auto-aborto como recurso para mulheres que não têm posses para recorrer a uma abortadeira. De facto, entravam-nos pelo hospital mulheres em estado grave e com hemorragias.