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30 DE MARÇO DE 1990 2065

Não enferma de dúvida o excelente desígnio da nova regra constitucional: o de «abrir» uma Administração - como muito bem disse o Sr. Deputado Alexandre Manuel e tal como eu disse no parecer - napoleonicamente fechada e centralizada e o de fazer com que cada cidadão possa controlar os seus actos e comportamentos. Só que, como logo tive ocasião de dizer, ter-se-á passado, com um salto de Gulliver, do «zero» para o «infinito». À Administração fechada, ou semicerrada, sucederia, de jacto, uma Administração escancarada - ou uma Administração que, pela impraticabilidade do sistema, adoptasse a má usança de mandar às malvas o bem intencionado ditame constitucional, como que «condenado» a ser fonte ou de resistências ou de perturbações.
Bastaria, noutro plano, que um conjunto concertado de cidadãos metodicamente exercitasse o seu «direito de acesso», em profusão e por mero caprichismo, para que a Administração, se quisesse cumprir a regra constitucional, ficasse afogada em pedidos de acesso, bloqueada e quase que paralisada pelo atendimento desses pedidos. E à burocracia endógena já existente, aditar-se-ia uma nova e irresponsável burocracia, essa exógena: a do atendimento a avalanche das pretensões deduzidas. Os saudáveis e espevitadoras surtos de participação e de controlo cedo poderiam converter-se em bola de neve.
O direito atribuído na nova revisão é um «bom» direito, quando tributário de uma consciente afirmação de «cidadania cívica», mas não se poderá, como é meridianamente óbvio, converter num direito potestativo e indiscriminadamente exercitável, por discutíveis propósitos de afirmação ou por feios propósitos de excessiva intromissão.
As coisas são como são, e não tenho o hábito de dourar as regras que possam deteriorar o sistema; no que sempre apostei e aposto é em tornar viável a regra, essa sim, de ouro, de fazer com que as burocracias não troquem as boas funções que lhe dão um sopro de humanismo pelas censuráveis disfunções em que tantas vezes se desmantela a intrínseca dignidade da Administração Pública.
Dá-se ainda a circunstância - não de somenos relevo - de, se intocada ficasse a «soberania» do n.º 2 do artigo 268.º, esvaziado ficaria o sentido utilizável do n.º 1. Pois para que proclamar o direito à informação relativa inscrito no n.º 1 se qualquer pessoa, em qualquer caso, passasse a ter, ressalvadas as bem contadas excepções do n.º 2, o direito absoluto neste proclamado?
Ou por outras palavras: o n.º 2 do artigo 268.º absorveria, se nenhum tentame hermenêutico fosse ensaiado, aquele n.º 1. Realmente se qualquer cidadão tem o direito de saber o que consta de qualquer processo, ocioso será atribuir-lhe o direito de ser informado sobre o que consta daqueles em que seja directamente interessado.
Ao arrepio desta leitura, quase que apocalíptica, apenas poderá optemperar que o n.º 1 do artigo 268.º contempla um direito singular, quase que de natureza privatístico, das pessoas, supeditado pelos seus interesses, enquanto com o n.º 2 se prossegue um direito instrumental de um fundamental interesse público, que 6 o da transparência e o da consequente lisura da Administração. Pelo canal do n.º 1 farão os cidadãos valer os seus interesses, enquanto pela via do n.º 2 eles actuarão em abono e proveito do interesse geral da colectividade. Será, mutatis mutandis, o que contradistingue a acção popular ou comunitária das acções dirigidas à sustentação de interesses interessados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Indo ao fundo dos lúcios, sustentável será que o n.º 2 do artigo 268.º 6 de aplicação directa, por aplicação do n.º 1 do artigo 18.º da Constituição.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!

O Orador: - Isto foi uma coisa que o Sr. Deputado José Magalhães, que sabe muito, aprendeu comigo.
Mas os textos têm que ser vistos por todos - e até pelo Sr. Deputado José Magalhães - no seu contexto e na sua subjacência volitiva.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - E a subjacência volitiva dos textos não é a que o Sr. Deputado José Magalhães quer, mas a que se encontra nos textos e a que o legislador quis.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Como logo adverti na referida declaração de voto - que terá refreado um pouco o iniciático entusiasmo do encore pas vu - leria o preceito que ser regulamentado, em termos de praticabilidade, realismo e meridiana sensatez..

O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro! Como todos.

O Orador: - Aliás, se assim não fosse, descambaria num preceito fadado a não ser acatado - e nada pior pode sobrevir a um preceito que ficar «condenado» ao contumaz desrespeito ou a uma reticente observância.
Ora, na hipótese está em causa uma regra normativa emblemática e indispensável,...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Emblemática?

O Orador: - Sim, emblemática!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Concretize!

O Orador: -... tendente a abrir uma Administração secularmente fechada, pervertida por situações e mecanismos «artesanais» de um secretismo quase que de «direito divino».
E nisto, Srs. Deputados, estamos todos de acordo. No fundo, nós, aqui, por diversas formas e por diferentes palavras, dissemos todos o mesmo: todos nós estamos concentrados no mesmo propósito de fazer com que uma Administração fechada se abra para que todos os cidadãos tenham acesso a Administração. Contudo, e necessário que esse acesso não seja de tal forma incontrolável que obrigue a Administração a estabelecer, ela própria, fórmulas de controlo, que não tem censurabilidade ou sindicabilidade jurídica, e que, consequentemente, podem perverter por completo o sistema, tornando-o inoperante. O que pretendemos é criar um sistema que, de facto, funcione.
Estou convencido de que, da congregação dos projectos de lei do PSD, do PS, do PCP, em suma de todos os projectos de lei, e seja qual for o resultado da votação, que não posso antecipar - aliás, nem aqui estarei na terça-feira porque sairei em missão parlamentar da União Interparlamentar, e portanto nem sei qual vai ser o sentido de voto - poderá aproveitar-se muita coisa. Sobre-