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2064 I SÉRIE-NÚMERO 59

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os projectos de lei do PS, do PCP e do PSD, integrando-se numa matriz comum, são susceptíveis de alcançarem uma convergência em que a transparência e as «paredes de vidro» da Administração ganhem uma evidência total, e não apenas bibliográfica.
Os projectos de lei apresentados, respectivamente, por Os Verdes e por deputados independentes parecem-nos integráveis, pela sua amplitude, ainda que mais restritos, nos projectos referidos de enquadramento global do dispositivo constitucional da transparência. A matéria de segredo de Estado, apresentada pelo CDS, já amplamente discutida em Plenário em momento anterior, insere-se desta feita, de modo muito nítido, como um espaço residual e extraordinário que ganha em ser restringido e aperfeiçoado em sede de especialidade.
Em qualquer circunstância, em suma, a globalidade dos projectos, ao consagrar a transparência como regra e o segredo como excepção, apontam para a necessidade constitucional de uma Administração mais aberta, transparente, desburocratizada, próxima dos cidadãos e participada. Esperemos que deste debate e da sua sequência se possa dizer que a Assembleia da República deu mais um passo para que haja mais democracia, na democracia portuguesa.

Aplausos do PS. do PSD, do PCP e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como aqui já foram referidas algumas histórias marginais ao próprio debate, eu contaria também uma: quando Anatole France foi, pela primeira vez, candidato à Academia Francesa teve apenas um voto e cuidou de saber: «Quem é que votou em mim?» Disseram-lhe: «Foi Victor Hugo». Então, ele disse: «Estou eleito».
Eu, da mesma forma, dado o adiantado da hora, vejo neste hemiciclo, já com uma cara vagamente cansada e zangada do rolar, do acastelar do debate, alguns Srs. Deputados. Pela qualidade que representam - e estou a olhar, no fundo, para todos -, direi: «Vale a pena falar. Tenho justificação para dizer alguma coisa».

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não se poderá dizer que a Administração Pública, e os funcionários que personalizadamente a perfiguram, possam colocar-se indiscriminadamente no limbo do interno. Quando normalizadamente exercida, a função pública, nas suas diversas expressões, será de encarar com o respeito e o não desfavor que qualquer actividade profissional justificará. Mas só por beatífica ingenuidade se concluirá que ela é sempre normalizadamente exercida.
Ora, se o poder, qualquer poder, nunca estará imune à tentação do abuso, sobretudo o pequeno ou o médio poder - o poder cinzento e não personalizado - tenderá demasiadas vezes ao abuso. Aliás, nem se tratará de um mal exclusivamente pátrio. Por toda a parte, em maior ou menor grau, isso vai acontecendo.
A Administração Pública é o somatório de todos os funcionários, dos bons e dos maus. E como o cidadão comum, antes de com ela contactar, não poderá exigir um
certificado sobre a exactidão do acolhimento que lhe será dispensado e para que não fique ainda mais embaralhado no expor das suas pretensões, cuidou a Constituição em ditar deveres à Administração e em assegurar garantias aos administrados.
Os artigos 266.º a 272.º da lei matricial são mesmo um exemplo acabado de «modernidade», de bom senso e de bem conseguida institucionalização de saudáveis práticas democráticas. Só que, como irei justificar, não há bela sem senão, não há virtude sem réstea de pecadilho.
Realmente, já antes da segunda revisão constitucional, o n.º 1 do artigo 268.º mandava que os cidadãos tem o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados. Trata-se, no fundo, de uma alteração ou de uma decorrência da regra contida no n.º 2 do artigo 48.º
Está em causa um direito fundamental de participação e de controlo dos actos dos poderes públicos, explicitado para a esfera administrativa naquele n.º 1 do artigo 268.º
É de supor que, mesmo antes do artigo 268.º, n.º 2, que é o fait nouveau criado pela revisão de 1989, já qualquer cidadão poderia pedir esclarecimentos ou informações sobre a gestão dos assuntos públicos, mesmo que neles não fosse directamente interessado. Sobre isto devo dizer que no parecer que elaborei na 3.ª Comissão sobre o projecto de lei relativo ao segredo de Estado, em fins de 1987, tive ocasião de pré-anunciar que o artigo 48.º era uma forma de acolhimento do sistema de arquivo aberto. Estamos aqui todos em despique a saber quem e que ingressou primeiro no sistema de arquivo aberto, mas, na realidade, lenho a ideia de que na altura já linha falado nisso. E se havia o direito a saber, também existia o dever de responder, embora, obviamente, dentro de certos limites, a parametrar por lei, e com carácter necessariamente excepcional.
Olhadas bem as coisas, o sistema designável por «arquivo aberto», repito, estava já desenhado nesse n.º 2 do artigo 48.º.
Trata-se de um preceito de que não se lançou mão frequentes vezes, talvez pela irremissível pecha de as leis - mesmo a lei fundamental - não serem suficientemente conhecidas e praticadas.
Dava-se ainda o caso de, não obstante se tratar de um direito fundamental e de se tratar de um preceito explícito e concludentemente injuntivo, o artigo 268.º, n.º 1 - esse, sim, mais conhecido -, não ter prosperado na sua aplicabilidade. Tradicionalmente fechada sobre si mesma, contar-se-ão pelos dedos de uma centopeia os casos em que a Administração deixou de prestar, hic et nunc, as informações que, com os melhores modos e os maiores medos, lhe foram solicitadas. E as consequências da falta de resposta, da recusa de um razoável atendimento, nem sequer serão imediatas: raramente funcionará o controlo hierárquico ou, quando funciona, esbarra ele próprio com a «resistência» do establishment burocrático - resistência subtil, artimanhosa e diluída na penumbra dos corredores. .. Sr. Presidente, Srs. Deputados: O certo é que vivemos num País do «oito» ou do «oitenta», da aventura ou da rotina, das brandas soluções ou das duras dificuldades.
E eis senão quando, na segunda revisão constitucional, foi introduzido, logo a seguir ao preceito que já imputava o «direito de informação» aos directamente interessados (artigo 268.º, n.º 1), um outro, de sentido e conteúdo incomensuravelmente muito mais amplos.
É exactamente o n.º 2 do artigo 268.º