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30 DE MARÇO DE 1990 2061

mação será o chão de onde brotará o respeito pelos direitos de todos.
Situações escandalosas como as da Via do Infante, do Campo de Tiro de Alcochete, os novos troços de auto-estrada, a instalação ou manutenção de indústrias produtoras de resíduos tóxico-perigosos nas margens dos rios ou na proximidade de centros populacionais, a localização enigmática do futuro aeroporto de Lisboa, os projectos florestais assassinos e tantas outras que projectam sobre o nosso dia-a-dia a sombra ameaçadora do desequilíbrio ecológico terão de ser definitivamente exorcizadas mediante um relacionamento correcto entre o poder decisório e os cidadãos interessados, sem alibis ou subterfúgios que inquinam a transparência característica do poder democrático.
Estamos conscientes de que a aplicação do princípio de liberdade de acesso gera novas tentações - por um lado, o eventual uso abusivo por parte de cidadãos menos conscientes e, por outro lado, a confusão, característica das administrações fechadas, entre propaganda e publicidade dos actos.
Mas é na previsão dos riscos que assenta a convicção de que ganharemos mais este desafio.
E já agora e para variar, seria bom que o orgão legislativo nacional não ficasse sentado à espera da normativa comunitária ou não criasse legislação que ficasse aquém dos princípios nela consagrados. Iniciativas legislativas não nos faltam e grande é a expectativa criada nos cidadãos; que não seja aquilo a que pomposamente chamamos «vontade política da maioria» a trair aquilo que é uma imposição constitucional e, mais, aquilo que é uma imposição da vida.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O reforço dos direitos dos cidadãos perante a Administração Pública constitui seguramente um dos pontos mais marcantes da revisão constitucional de 1989. E não apenas pelas portas que fez ou que irá abrir, mas também, talvez mesmo principalmente, pelos tabus que a sua aplicação irá necessariamente ajudar a destruir. E a chamada «Administração transparente», em que qualquer acto, quase todos os actos, podem, a qualquer momento, ser chamados à praça pública. Exceptuam-se, no caso, apenas aqueles que dizem respeito à vida privada dos cidadãos ou que estejam classificados como segredo de Estado.
Valerá a pena referir aqui o facto de, pela primeira vez, a Constituição, no n.º 2 do artigo 268.º, reconhecer aos cidadãos «o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos», mesmo em matéria relativa a segurança interna e externa, à investigação criminal e a intimidade das pessoas. Caberá agora a lei determinar o modo e as formas de tal acesso. Daí o cuidado com que terá de se proceder à elaboração de uma lei que, tendo embora de atentar nesses princípios, não poderá, como alguns parecem pretender, anular esse novo direito constitucionalmente consagrado e ao qual corresponde uma obrigação por parte da Administração Pública: a obrigação de informar, dentro de um prazo máximo a estabelecer por lei ordinária.
Sem ignorar o tal espaço jurídico comum de que se vem falando (um debate importante e urgente) e sem esquecer que, agora, após a revisão constitucional, tal normativo se aplica não apenas ao andamento de processos em que os cidadãos sejam directamente interessados ou as consequentes resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas mas, de uma forma geral, ao acesso aos arquivos ou registos administrativos, relativamente aos quais e independentemente de um interesse directo, é facultada aos cidadãos, a todos os cidadãos, a consulta e obtenção de certidões do que deles constar, sem se interrogar sobre o porque de tal interesse, nem cuidando de saber quem é o autor da pergunta, mas apenas e tão-só respondendo. Ou seja e por outras palavras, a partir de agora já não apenas por razões de princípio, mas também por imperativos constitucionais, teremos de advogar (praticar) a ideia de uma Administração ao serviço dos cidadãos, de todos os cidadãos e não apenas de alguns.
Tal facto implica, pois, que aos seus trabalhos, estudos, pareceres, etc., todos possam ter acesso, se para tanto o necessitarem ou simplesmente o desejarem.
É, no caso, a dimensão de um Estado que pretende estar ao serviço de todos e não apenas beneficiando alguns. É, afinal, a concretização (parcial, evidentemente) de um princípio advogado na Constituição - na sua versão original e nunca alterada -, quando determina, no artigo 267.º, que a Administração Pública «será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva». E tudo isto se defende, visando a eficiência e eficácia da Administração Pública e ainda, como muito bem se recorda no parecer sobre o projecto de lei n.º 497/V ontem mesmo aprovado pela Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias Individuais, como instrumento de participação política, viabilizador do direito basilar (artigo 48.º), segundo o qual «todos os cidadãos tem o direito de tomar parte da vida política e na direcção dos assuntos públicos do País» e «de ser esclarecidos objectivamente sobre actos do Estado e demais entidades públicas».
Foi aqui que, em conjugação com o n.º1 do artigo 268.º, alguns encontraram as razões para advogar uma legislação semelhante à que hoje aqui se debate, antes mesmo da consagração constitucional.
Simultaneamente, a revisão reforçou a dificuldade da existência de actos secretos, ao determinar, no n.º 3 desse mesmo artigo, que os actos administrativos «estão sujeitos a notificação» aos interessados.
Tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, assume importância fundamental diante de uma Administração Pública que continua dominada por inúmeras confusões, pelos pequenos «Luís XIV» que, conforme se pode ler no relatório da 3.ª Comissão referente aos projectos de lei n.ºs 467/V e 468/V, da autoria do seu presidente, o Sr. Deputado Mário Raposo, «sentem que o Estado são eles», têm dificuldade em se reconduzirem à justa e exacta tarefa de servidores do Estado e não compreendem o que significa o princípio de um Estado ao serviço das pessoas e da ética, da responsabilidade e do interesse geral». É a Administração que, herdada do modelo napoleónico, assenta na burocracia e na hierarquia de tipo militar, abjurando tudo o que signifique participação.
Talvez, venha a propósito citar aqui palavras insuspeitas do professor Freitas do Amaral, pronunciadas há cerca de quatro anos na Universidade do Minho. Aí, em curso organizado pela Associação Jurídica daquela cidade, Freitas do Amaral sublinhava a importância e urgência da publicação do Código de Processo Administrativo Grã-