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6 DE ABRIL DE 1990 2179

criadas mercenárias do cuidado dos seus filhos, enviando-os para longe do lar durante os primeiros anos, privando assim as crianças do calor afectivo e do amor dos pais.
Entre os mais desprotegidos, a situação naturalmente não era melhor! Demasiado ocupadas com as tarefas domésticas, as mães deixavam-nas, durante a maior pane do dia, entregues a si próprias ou aos irmãos mais velhos, abandonadas ou fechadas em condições impróprias ao equilíbrio fisiológico e psíquico.
Nessa época o abandono das crianças estava muito generalizado, criando-se um novo estatuto, o do exposto, e com este nasce a Roda que era a instituição mais operosa do século XVIII. Infelizmente, o fim da Idade Moderna não determinou a extinção dos casos dos expostos, pois estes continuam a existir ainda nos nossos dias.
Data dos finais do século XVIII a criação da Casa Pia de Lisboa, que foi durante muitos anos um modelo valorizado e respeitado pelos nossos pedagogos. Tendo sido criada para «reprimir a vagabundagem e mendicidade, prestar assistência e asilo a menores desamparados», as concepções do filantropismo iluminista e os ideais do desenvolvimento económico imprimiram-lhe uma renovada dinâmica, que alargou a sua esfera de acção.
A sua pedagogia baseava-se na correcção pelo trabalho, permitindo a formação profissional das crianças internadas. Hoje, um vasto número de crianças vive em diversos internatos, espalhados um pouco por todo o País, com especial incidência na região do Porto, onde se situam 50 unidades - cerca de metade das existentes -, tendo cerca de 80% delas acordo com a Segurança Social,
situando-se cerca de um quarto na zona de Braga, a que não é alheio o desenvolvimento industrial e a influência determinante da igreja católica.
Tais instituições, de acordo com os seus estatutos, visam proporcionar «formação moral, hábitos de trabalho e aperfeiçoamento de aptidões», a fim de permitirem às crianças e jovens «angariar os meios de subsistência, formar-se indivíduos úteis à sociedade» e permitir «a sua readaptação familiar e social».
Para muitos, os internatos constituem um universo mal conhecido, que urge compreender. Tais instituições não constituem um todo igual, verificando-se enormes discrepâncias onde o bom e o aceitável, e têm como companheiros incómodos algumas situações de autêntico risco para os seus utentes e que, por isso, deviam, pura e simplesmente, ser encerrados.
Não pomos em causa as boas intenções dos seus responsáveis, mas alguns comportamentos, designadamente a sua obstinada recusa de apoio estatal,
colocam-nos sérias reservas quanto à bondade de tais projectos.
Queremos que fique claro que não questionamos o inestimável contributo de inúmeras instituições que têm desenvolvido um notável papel na plena integração das crianças na sociedade, fruto de um grande espírito de missão e de sacrifício dos seus responsáveis.
A título ilustrativo, salientamos a acção desenvolvida pela Casa do Gaiato, criada pelo sonho generoso e arriscado do P.º Américo, que dotou o País de um projecto educativo exemplar e que tem formado um vasto número cie cidadãos, que tão úteis tem sido para a sociedade onde se inserem com naturalidade.
Contudo, o reverso da medalha não é animador! Assim, estamos com Natércia Pacheco quando afirma que, em parte significativa dos internatos actuais, a criança é encarada, não como um cidadão cujos direitos urge respeitar - direito à saúde, à educação, à alegria, ao amor, ao desenvolvimento integral, à ocupação de um lugar que lhe pertence na sociedade -, mas, sim, como objecto de piedosa e condescendente caridade, portador de taras morais e sociais hereditárias. Assim, lamentamos ter de afirmar que muitas crianças no nosso país vivem ainda em ambiente educativo anacrónico, sujeitas a má alimentação, maus tratos, isolamentos indevidos e medos traumatizamos. Por isso este tipo de internatos devem ser considerados como último recurso, devendo privilegiar-se o recurso a famílias, a soluções de adopção ou, então, ao regime de semi-internato.
Tal estado de coisas, para além de outras razões, resulta da entrega da sua actividade a funcionários impreparados, precárias condições de alojamento e de convívio, que farão dessas crianças, no futuro uma reserva de mão-de-obra barata, sujeitas a perigos evidentes, sem quaisquer mecanismos de defesa.
Apesar do Despacho n.º 37/80, de 18 de Novembro, estipular que «a organização, dimensionamento e objectivos dos internatos deverão permitir-lhes responder, não só às necessidades de socialização de determinada fase de desenvolvimento da criança, mas também a um papel complementar que lhe cabe na acção educativa, o que requer, de imediato, uma nova orientação pedagógica», existem situações anómalas.
Também a Misericórdia de Lisboa, que pode considerar-se um bom exemplo a seguir, aponta para uma actuação inovadora, indo mais além que a intenção do legislador quando afirma que «os internatos procuram criar condições para um desenvolvimento global, equilibrado e positivo de cada criança através da sua integração no grupo e do progressivo assumir da sua independência», conforme a fase evolutiva em que se encontra, mantendo e fortalecendo, ao mesmo tempo, na medida do possível, os vínculos existentes com a sua família de origem.
Na Misericórdia de Lisboa encontramos uma pedagogia centrada no desenvolvimento da criança, na sua autonomia, tendo um projecto educativo em que a criança seja sujeito da sua própria formação.
Queixam-se algumas das instituições responsáveis que o Estado não as financia suficientemente, vendo-se estas na necessidade do recurso à generosidade dos benfeitores. Porém, devo lembrar que não existe qualquer instância dimensionada para a tutela e orientação das instituições oficiais e particulares neste domínio.
Assim, o Ministério do Emprego e da Segurança Social estabelece acordos com as instituições que o desejam, define critérios de ordem técnica, física e económica, não estando, naturalmente, vocacionado para a orientação pedagógica. Contudo, entendemos que uma estreita colaboração entre os Ministérios do Emprego e da Segurança Social e da Educação colmataria a ausência de orientação educativa destas instituições.
Não sendo esta articulação regulamentada, o discurso geral das intenções
perde-se face à indefinição do conceito de autonomia institucional, não podendo as decisões relativas às crianças ser deixadas aos critérios de cada instituição.
Não podemos cair na tentação fácil de considerar os internatos como o mal menor, subalternizando a imagem da criança, da sua família, da sociedade e do próprio Estado.
Impõe-se a intervenção do Estado na criação de legislação eficaz que defina o estatuto e o quadro de pessoal