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18 DE ABRIL DE 1990 2201

para elaborar os documentos que ela própria se propõe definir, mas com prazos muito maiores do que aqueles que propõe aos municípios.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amara! (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Serei relativamente sumário na enunciação das razões que levaram o PCP a requerer a apreciação, pela Assembleia da República, deste Decreto-Lei n.º 69/90 sobre planos municipais.
O decreto-lei, elaborado ao abrigo de uma autorização legislativa aqui discutida em 12 de Julho do ano passado, resolve muito mal, em nosso entender, os problemas suscitados pela anterior legislação. Protestou-se (fizeram-no autarcas, arquitectos e outros especialistas) contra a anterior legislação, por ser burocratizante, por ser ingerente, por ser castradora da dinâmica do planeamento, mas a legislação que foi aprovada por este decreto-lei, por um lado, continua ingerente e, por outro lado, como novidade, não só cria um regime imposto como cria as condições para a degradação do acto de planeamento.
É, desde logo, o que resulta da fixação de um prazo, ato final de 1991, para os municípios aprovarem os planos directores.
Diria, Sr. Secretário de Estado, que a fixação desse prazo foi um péssimo «acto de planeamento»!
É bom começar por salientar que, se se chegou até hoje nesta situação, a responsabilidade é precisamente do Governo, que manteve, ao longo de todos estes anos, a legislação que vigorava e que era desesamulante do planeamento. O Governo divulgou em 1987 um anteprojecto. Por que demorou estes anos todos a aprovar a legislação?
Agora que o Governo se atrasou, não vai querer «recuperar» o atraso à custa das autarquias e à custa do próprio acto de planeamento?!...
E que, para ser cumprido o prazo e tendo em atenção a sucessão de prazos do próprio processo (para a constituição das comissões técnicas, para os pareceres, para as ratificações, etc.), então teríamos concentrada em escassos meses a elaboração de centenas de planos directores.
Sejamos claros! Onde está a capacidade técnica instalada para realizar essa monumental obra? Essa capacidade, pura e simplesmente, não existe e, como não existe, o resultado seria que, em vez de verdadeiros planos, leríamos simulacros de planos.
O Governo, em vez de simplificar os planos e o sistema de planeamento, com isto o que conseguiria era simular planos!, com uma agravante: onde estão os dados estatísticos e cartográficos para realizar esta obra? Não estuo em parte alguma. É que o censo vai ocorrer precisamente em 1991, isto é, os resultados do censo seriam posteriores à elaboração dos planos, conduzindo as autarquias a terem de realizar e pagar os trabalhos de campo que, meses depois, o censo vai repetir.
Quanto à cartografia, sabe-se o estado em que está e o que isso custa às autarquias. Conheço um caso concreto de uma autarquia, bem pequena em área, a quem foram pedidos 30 000 contos para fazer os levantamentos cartográficos necessários!
A segunda questão nodal é a figura da ratificação. Na prática, com este instituto da ratificação o Governo reserva para si a última palavra: há plano director, se ele agradar ao Governo; se não agradar ao Governo, muda-se o plano. Mudar por mudar, era melhor mudar o Governo, era mais simples!...
Mas é tempo, em relação a esta questão, de falar claro e que fique claro, finalmente, que o relacionamento entre o Governo e o Poder Local não é um «poder paternal» e que os conflitos, quando os haja, se dirimem no terreno judicial e esgrimindo os argumentos da legalidade. O Governo não é juiz dos actos municipais e o plano director municipal é um acto do município.
Se o Governo acha, ou achar, que certo plano director ofende a lei, ou plano de nível superior, que tem natureza regulamentar, então o Governo recorre aos tribunais, requer a suspensão da eficácia desse acto que foi praticado pelo município, faz o que quiser dentro dos meios de acção que a lei processual lhe faculta! Mas não ordena!, não dá ordens aos municípios!
Nem o Ministro nem o Sr. Secretário de Estado são o «chefe do estado-maior das autarquias», nem esta lei (c outras do género) é o «RDM autárquico»! É tempo que isto seja devidamente esclarecido: não há um «RDM autárquico»!
Além destas duas questões, há outras relevantes: há a inexistência de mecanismos de garantia da participação dos interessados em todas as fases do processo, e não só por ocasião do inquérito público; há a não previsão da possibilidade de elaboração conjunta de planos por vários municípios (elaboração, obviamente; não falo da aprovação porque esta terá de ser sempre separada); há a não previsão da obrigatoriedade de os encargos e benefícios resultantes das transformações urbanísticas impostas pelo planeamento serem repartidos equitativamente...
E, enfim, ainda há outras questões, colocadas pela Associação dos Arquitectos Portugueses, no que respeita à ausência de conteúdo técnico de várias figuras do PDM, à inexistência de regras e critérios definidos para a actuação das comissões técnicas, à limitação do âmbito do plano de pormenor, etc.
Tentamos responder a todas essas questões através de propostas de alteração - as nossas são 30, o que, a juntar às do PS, dá um total de 50 - e procuramos que, a partir dessas propostas de alteração, seja realizado um debate aprofundado com os interessados e, desde logo, com a Associação Nacional dos Municípios e com a Associação dos Arquitectos Portugueses.
Mas todo este processo coloca uma questão de fundo que é a seguinte: que espécie de planeamento é gizado, não só no conteúdo deste diploma como no contexto global em que ele aparece?
Quando se elabora um plano de desenvolvimento regional (PDR) sem na sua elaboração assegurar a participação eficaz das autarquias locais e ao mesmo se criam obstáculos ao avanço do processo de regionalização; quando se secundariza na função planeamento, ao nível municipal, a componente de desenvolvimento económico e social e se quer reduzir o planeamento a uma mera função ordenamento; quando se isola o planeamento municipal da análise global da problemática da Lei dos Solos e do Código do Urbanismo - leis que deveriam ter sido apreciadas antes, ou pelo menos em conjunto com esta -; quando tudo isto sucede, não será legítimo perguntar se não é propositado este esvaziamento qualitativo da função planeamento, tanto mais que ele ocorre simultaneamente com a concentração do poder e o reforço dos mecanismos de controlo do Governo sobre as autarquias?