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5 DE MAIO DE 1990 2395

O Orador: - E para que não haja dúvidas, assumimos hoje, aqui, esse compromisso solene, relativamente ao qual aceitamos ser, no imediato, responsabilizados.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 24 de Outubro de 1989, há pouco mais de cinco meses, a Assembleia da República aprovou por unanimidade um diploma legal relativo as incompatibilidades dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.
Chegou-se assim, de uma forma responsável, a soluções legislativas que evidenciaram um consenso sério, uma responsabilidade partilhada e a busca de uma maior dignificação das instituições públicas.
Os partidos políticos desta Câmara saudaram, em geral, o contributo dado à transparência e à definição de princípios claros, contrários, naturalmente, à sujeição gerada pela incerteza das soluções então vigentes.
Houve, então, a clara consciência da necessidade de garantir a isenção e o rigor na salvaguarda do interesse público e evitar situações concretas que viabilizassem a parcialidade, a sujeição e, no limite, pusessem em causa a credibilidade do regime democrático.
Como então se disse, a democracia tem de ser isenta de um imposto especial, que é o imposto de suspeição que acompanha os governantes quando há simultaneidade, sequências imediatas ou rotativismos no exercício de certos cargos públicos e privados.
A Assembleia da República deu, assim, mostras de uma clareza assinalável, que levou até um Sr. Deputado do PSD, num arroubo premonitório e pungente, a proclamar do alto desta tribuna que «o País pode, a partir de hoje, ver aprovados na Assembleia da República dois diplomas.» - o outro é o das incompatibilidades dos deputados - «que terminam, de uma vez por todas, com a ausência de lei comprometedora».
Mas o PSD não resistiu mais do que cinco meses desde o momento em que a Assembleia da República pôs fim a esta «ausência de lei comprometedora». E mal a lei aprovada estava em vias de aplicação plena e efectiva, o PSD vem propor soluções ortopédicas de resultado disforme.
Uma vez mais a proclamação da transparência, da isenção e da imparcialidade no exercício dos cargos e das funções cedeu ao interesse mais comezinho do lugar adquirido, da benesse, da acumulação de privilégios, do salve-se quem puder, das pequenas soluções institucionais de compadrio.
E não se diga que esta lei não foi ponderada, nas suas motivações e resultados, com tempo e maturação. Desde a sua apresentação inicial na forma original até à sua votação final mediaram mais de 11 meses. Foi, aliás, o PSD que propôs a ampliação do objectivo do diploma, alargando o regime de incompatibilidades aos titulares de altos cargos públicos e não apenas, como estava no nosso projecto inicial, aos membros do Governo.
Quando o Sr. Deputado do PSD Carlos Encarnação, apresentou esta proposta em Plenário dissemos, eu próprio, em 30 de Março de 1989, e cito: «Damos lodo o nosso apoio e interesse para o estabelecimento de um regime de incompatibilidades de altos titulares de cargos públicos. Só não tomámos a iniciativa de apresentar um projecto de diploma nesse sentido porque esta matéria exige algum tempo de clarificação, sobretudo porque, agora, as carreiras da função pública estão a ser alvo de alguma reestruturação. Assim, é preciso deixar assentar esse processo, para depois se proceder em conformidade.»
As soluções legais então encontradas partiram, assim, integradas por todas as prevenções e avisos e corporizaram uma solução final equilibrada e praticável, reveladora do que é possível alcançar com um espírito de diálogo sério.
Mesmo na especialidade, e sem prejuízo de posições próprias dos diversos partidos, apenas um dispositivo da lei vigente não obteve a maioria da votação. Foi a matéria respeitante ao actual mandato de governador e vice-governador civil e de presidente da câmara e vereador a tempo inteiro, o qual não é incompatível com outras actividades profissionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao vir agora emendar a mão, à pressa, esvaziando a lei, dando o dito por não dito, o PSD não consegue ocultar a situação melindrosa, permissiva e pouco clara, em que se coloca.

Aplausos do PS.

Uma lei que ainda não entrou em vigor plenamente, que não é questionada na sua constitucionalidade, que não suscita qualquer dúvida política do Presidente da República, que a promulgou, que não foi testada na prática, por que será que, de repente, é mudada ou, melhor, por que se tenta mudá-la?
O que é que mudou na lei, desde l de Março de 1990, desde a sua publicação? O que terá mudado desde a sua votação final global, em 24 de Outubro de 1989?
Srs. Deputados, aceitem a garantia, que VV. Ex.ªs podem dar a vós próprios, de que a lei não mudou. E de certeza segura, num «ver claramente visto», é a mesma lei. Por dificuldades que houvesse na sua transcrição, nenhuma vírgula, ponto de interrogação ou gralha lhe desnaturou o sentido. A lei em apreço é, seguramente, a mesma lei que foi votada.
A lei não mudou - certamente que a sua idade «resiste à prova de carbono»; o que mudou, e para pior, foi o PSD.

Aplausos do PS.

O PSD quebrou o compromisso parlamentar que esta lei concebe e representa e, antes da sua entrada em vigor, por certo unilateralmente, pretende impor a sua vontade aritmeticamente maioritária aos Portugueses e à Assembleia da República.
Ao propor o alargamento das incompatibilidades dos membros do Governo a todos os titulares de altos cargos públicos o PSD teve, neste domínio, como diz o povo, e como já referi, «entradas de leão e, agora (como vamos ver), saídas de sendeiro».
Mas o que é que este projecto de lei quer alterar? Antes de tudo, o novo projecto de lei quer restringir o âmbito da lei das incompatibilidades. Não havia quaisquer dúvidas interpretativas, aliás foi esse um dos intuitos expressos da inclusão do n.º 2 do artigo 1.º, quanto à sua abrangência aos gabinetes dos membros do Governo. A lei das incompatibilidades pretendeu expressamente regular o regime dos gabinetes dos membros do Governo.
Ao fazer marcha atrás, o PSD quer isentar da regra da não acumulação de funções os membros dos gabinetes governamentais. Sabido como se sabe, ainda que em graus diversos, o poder político efectivo (delegado ou factício) que podem ter os membros dos gabinetes, está por esta via aberta a porta ao fácil tráfego de influências e de circulação entre o interesse público e os mais diversos interesses privados.

O Sr. António Guterres (PS): Muito bem!