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2396 I SÉRIE - NÚMERO 71

O Orador: - Os interesses privados podem facilmente cumular-se com interesses públicos, a osmose clientelar e a parcialidade podem coexistir na mesma pessoa, que ora representa o interesse privado, ora o interesse público, ou mais comesinhamente representa, as mais das vezes, o interesse privado com veste pública...,

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Tomando como estimativa a existência média de quatro membros de gabinete pelos 17 ministros existentes e de três pelos 42 secretários de Estado actuais, temos um número aproximado de 200 membros de gabinete (pelo baixo, em termos de numeração) que esta lei isenta do «incómodo» da incompatibilidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto, ao exercício de funções docentes, o novo diploma deixa tudo como está e só retira do n.º 2 do artigo 4.º o exercício, a título gratuito, das funções docentes e de investigação.
Isto é, a razão de ser do artigo, que era considerar não incompatível com as funções de cargos políticos e altos cargos públicos a docência e a investigação gratuita, por óbvias razões de interesses público, passa, por passe de mágica, a conduzir ao inverso e a compatibilizar as funções, mesmo que remuneradas.
Ou melhor, os titulares de altos cargos públicos são estimulados a fazer uma «acumulaçãozinha universitária», ou, ao invés, os universitários só tem a ganhar remuneração acrescida em acumularem a sua docência com as funções de altos lugares administrativos. É um serviço público estimável e de lucro privado.
Não sabemos se esta lei tem destinatário imediato, se é ad hominem.
Em todo o caso, e para além da desfaçatez, é ridícula na sua preciosidade, nos seus fundamentos e parcialidade.
Assim, pela lei das incompatibilidades respectivas, os deputados (membros do poder legislativo) que sejam docentes tem que trabalhar «à borla», os juízes, membros do poder judicial, que sejam docentes universitários tem de trabalhar «à borla», os membros do poder, executivo e administradores públicos tem a benesse do PSD quanto ao direito à remuneração.
Ao pretender alargar aos directores gerais, subdirectores e equiparados a possibilidade de acumulação com a docência universitária, a presente lei coloca-se à revelia de soluções que deveriam apontar tendencialmente para a exclusividade destes cargos, sem prejuízo da justa opção, no âmbito da Administração Pública, de um estatuto remuneratório e melhorado que, por esta fórmula, é inquinada pelo recurso às soluções viciadas e expeditas das «acumulações consentidas».
Sr. Presidente, Srs. Deputados, não é, por sua vez, justificável o alargamento do período transitório respeitante aos gestores públicos e aos directores-gerais ou equiparados, pois o objectivo da lei foi precisamente o de não conservar o existente mas de mudar o existente, sobrelevando o interesse publico ao interesse privado.
A lei não nasceu de uma súbita inspiração legislativa de um observador imparcial que, ao apreciar a estética das teias do poder, entendesse que havia a falta de uma norma, mas antes da necessidade colectivamente identificada pela Assembleia da República no sentido da «transparência, isenção, imparcialidade e rigor que deve reger o exercício de cargos políticos e altos cargos públicos.
Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 524/V, agora apresentado pelo PSD, é um remendo atabalhoado que se destina a fazer com que, nalguns domínios, tudo o que de essencial era mudado fique na mesma.
Aquilo que parecia constituir uma clara adesão do PSD a regras de indiscutível transparência, isenção, imparcialidade no exercício das funções públicas e nas condições do seu exercício é manifestamente posto em crise com este projecto.
O PSD não soube resistir aos efeitos clarificadores de uma lei de incompatibilidades precisa e efectiva e, por isso, submergiu, uma vez mais, nos cantos de sereia da protecção dos pequenos interesses de grupo, parcelares, privados e clientelares, geradores de opacidade nas relações públicas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Como disse no debate anterior, «é uma exigência da democracia, a que a crítica da comunicação social pode e tem dado um contributo decisivo, obviar a que o epicentro do poder se localize num número limitado de decisores executivos que canalizem. a. sua influência em todas as direcções, da política aos negócios, ao desporto, aos media e até à cultura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este projecto de lei apresentado pelo PSD é um passo negativo, um retrocesso na construção de uma democracia cada vez mais moderna em Portugal. Neste domínio é claro que o critério essencial, para distinguir uma sociedade democrática de uma sociedade com laivos autoritários radica no facto de a primeira conservar élites dirigentes separadas, enquanto a segunda possui ou tende a possuir uma elite dirigente unificada.
A moralização da Administração, a decência pública, a dignidade do exercício democrático, indissociável das regras de transparência e imparcialidade, não' podem conciliar-se com os ziguezagues de interesses corporativos e com a permissividade que os acolhe.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs Deputados: O PSD está ainda em tempo de reconhecer a inoportunidade e a inconsistência da sua proposta. Em democracia, todos o reconhecemos, o diálogo e o debate democráticos podem conduzir a um melhor sopesar das soluções em confronto. Esperemos que assim aconteça e "que, dessa forma, a Assembleia da República venha a recusar uma proposta que não reforça a sua autoridade política e a credibilidade das instituições democráticas.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, vale a pena terminar com uma máxima que todos, por certo, acolhemos: «O Estado democrático é uma pessoa de bem e como tal, deve comportar-se.»

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.