O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

23 DE MAIO DE 1990 2563

Gostava de dizer também que foi exactamente com este sistema eleitoral que o PRD caiu de 45 para 7 deputados, principalmente por sua própria culpa! Assumimos isso e até estamos tranquilos, Sr. Deputado! Nem o PS fala em nós, ninguém fala em nós! Seríamos o partido mais prejudicado se esta proposta fosse aprovada e estamos tranquilos!...

O Orador: - Nós também estamos tranquilos com a vossa queda!

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Talvez os eleitores não estejam tranquilos.

O Orador: - Mas deixe-me dizer a última palavra, Sr. Deputado. Olhe que preciso de tempo para lhe responder! Aliás, permiti-lhe uma interrupção e não uma intervenção!

O Sr. Herminio Martinho (PRD): - Como é que o Sr. Deputado quer alterar a lei para haver estabilidade e governos estáveis se com este sistema os eleitores vos deram 50% dos votos e a maioria aqui? E é exactamente na primeira vez em que há uma maioria de um partido com este sistema que os senhores o querem alterar utilizando esse argumento. Isso não pode ser!

O Orador: - Sr. Deputado, são os senhores que dizem que os resultados foram excepcionais e todas V.V. Ex.ª disseram sempre que só tinha legitimidade política para alterar o sistema quem ganhasse pela primeira vez com base nesse sistema. Todos disseram isso.
Quanto à prova que me pede, eu acabei de lha dar. Dei-lhe um exemplo de dois partidos com pouco mais de 10% no Parlamento Europeu, como era o CDS e o PCP, que ficavam cada um com três dezenas de deputados. Esta a prova mais evidente, Sr. Deputado Hermínio Martinho.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Contes erradas! O Orador: - Faça-as melhor, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos termos da Resolução n.º 19/88, a Assembleia da República resolveu que se procedesse à trasladação dos restos mortais do general Humberto Delgado para o Panteão Nacional.
É neste ano de 1990 que o Governo vai dar execução à vontade expressa de todos nós, ficando o general Humberto Delgado a repousar, para sempre, ao lado daqueles a quem na concebida fórmula a Pátria está reconhecida.
Foi esta Assembleia da República que, por unanimidade, deu forma legal à vontade dos Portugueses para quem uma homenagem nacional ao «general sem medo» já vinha tardando.
Um país não pode viver num culto mimético e ritualista do passado, mas as nações não se integram no presente nem se projectam no futuro se esquecerem a sua história, isto é, o seu passado, como expressão de uma identidade e de uma justificação nacionais.
Como nos ensinou Milan Kundera, «a luta pelo poder é sempre uma luta entre a memória e o esquecimento» e nestes anos do fim do século XX a luta por Portugal é cada vez mais uma luta pela memória.
Há 32 anos, no Café Chave de Ouro, em Lisboa, o general Humberto Delgado declarou que «obviamente» demitiria Salazar se ganhasse as eleições para a Presidência da República.
Mais do que uma declaração de intenções, tratava-se de um apelo que encontrou eco em todos aqueles que, por qualquer forma, não acreditavam em regimes políticos autoritários e recusavam «eleições» viciadas, não conheciam outra forma de os Portugueses expressarem a sua vontade que não fosse o voto livre e democrático.
A campanha eleitoral do general Humberto Delgado é, acima de tudo, um revelador: torna patente a todos que os Portugueses não tinham direitos políticos, que as eleições eram falsificadas, que Portugal não era um Estado de direito. A denúncia da ditadura é a grande vitória do general Delgado, vitorioso nas umas, derrotado por uma fraude eleitoral de proporções inusitadas.
Pode dizer-se que após a campanha de Humberto Delgado não mais houve um Presidente da República ou, sequer, um regime político em Portugal, mas tão-só um Estado de facto, fundado numa guerra interna de interesses e ambições que se iam sucedendo.
O apelo do general Humberto Delgado, lançado a 10 de Maio de 1958, iria encontrar ouvidos atentos em todos aqueles que, em 25 de Abril de 1974, puseram termo à ditadura e abriram caminho às instituições democráticas, de que todos nos orgulhamos.
Neste ano, em que se comemora o centésimo aniversário do apelo de Londres do general De Gaulle, apetece aproximar as duas personalidades que ousaram sozinhas interpretar o sentido do país e assumir a revolta contra uma aparente maioria e até contra a instituição a que pertenciam.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não bastou, porém, ao general Humberto Delgado a sua campanha eleitoral de 1958. Impôs-se-lhe, como um dever, levar mais longe a sua luta e, no exílio, organizar as forças que iriam derrubar o poder instalado. Não esmoreceu nem vacilou!
Em 1 de Janeiro de 1961 entrava em Portugal para assumir o comando da operação que culminou no ataque ao quartel de Beja e, gorada esta, assume em Argel a presidência da Junta Revolucionária da Frente Patriótica de Libertação Nacional.
A sua sede de acção, a sua vontade de servir, o seu espírito livre, as divergências que sempre soube assumir no seio da oposição, levaram-no ao fatal encontro de Badajoz e ao seu assassinato por uma brigada da PIDE saída, para o efeito, de Lisboa.
Na verdade, depois da campanha presidencial e, sobretudo, depois do assalto ao quartel de Beja, instalara-se nos centros do poder então vigente uma atmosfera paranóica de confusão e de medo. Os boatos e as falsas informações causavam calafrios aos altos dirigentes do regime, que se revelavam impotentes e incapazes para distinguir onde terminava a verdade e começava a mentira por eles próprios fabricada.
Vivia-se em Portugal nessa época - e eu lembro-me disso - uma atmosfera semelhante àquela que Trevor Rouper descreve no Bunker de Hitler no fim dos tempos