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7 DE JUNHO DE 1990 2793

Sou, além de deputado, um militar que tem um estatuto que lhe permite não estar ao abrigo das disposições legais, que limitam a liberdade de expressão ao cidadão militar.
Tenho pensado muito se deveria ou não fazer esta intervenção. For um lado, as questões militares não tem sido muito abordadas em termos de intervenção parlamentar, e, por outro, pelos riscos que advém, em especial do facto de poder especular-se, embora ilegitimamente, acerca da minha qualidade de militar. Não falo em nome dos militares, não tenho procuração de ninguém! E mais por um imperativo de consciencia e de ordem moral do que por razoes de ordem político-partidária que me permito abordar alguns dos problemas que hoje se colocam a organização militar.
A minha intervenção só pode ser interpretada, naturalmente, como a de um deputado que não conhece quaisquer condicionamentos a sua intervenção livre e democrática.
Não pretendo com esta intervenção encontrar ou ditar soluções, mas tão-só fazer algumas reflexões e, em especial, chamar a atenção para que rapidamente se encontrem as soluções adequadas para o prestigio das forças armadas e para uma correcta inserção das mesmas na nossa sociedade. E já um lugar-comum falar das forças armadas como uma instituição que, conjuntamente com a Igreja Católica, constitui o suporte de uma certa identidade nacional e cuja importância se confunde com a própria historia de Portugal. Por esse facto tem sido instituições quase intocáveis, com as vantagens e inconvenientes próprios das organizações que não se questionam.
Gostaria, hoje, de questionar não a instituição militar, que pode e deve ser objecto de uma analise profunda que tenha também em conta as grandes mutações da sociedade, os novos valores c as novas exigências e, em especial, a relação do homem consigo próprio e com o início que o rodeia, mas pretendo, muito simplesmente, fazer algumas reflexões sobre a organização militar que suporia a instituição militar.
Começaria por falar das forças armadas no contexto da Revolução do 25 de Abril c suas consequências.
E reconhecido que as forças armadas cumpriram sempre, com a maior proficiência, as missões que lhe foram confiadas, mesmo quando foi o caso da guerra colonial, em que criaram as condições para que o poder político tomasse as opções que se empunham em termos internos, sendo uma exigência internacional, fruto da evolução dos tempos e das mentalidades no que se refere, em especial, a descolonização.
A guerra colonial exigiu um esforço de organização as forças armadas que e de sublinhar. Os resultados militares só foram, no entanto, possíveis devido as características do soldado português (o melhor soldado do mundo!), que não regateou esforços e que se revelou de uma capacidade de adaptação a situações novas e difíceis verdadeiramente notável. E bom que se recorde e se reconheça o esforço de tantos jovens Portugueses enquanto militares, durante todos esses anos de guerra, de que resultou, inclusivamente, que muitos tenham morrido ou ficado incapacitados para toda a vida, na defesa daquilo que pensavam ser o interesse nacional.
Esta questão tem, hoje, indiscutível actualidade, na medida em que muitos dos problemas que se relacionam com as forças armadas são consequências da guerra e não e justo que sejam imputados apenas a estas, devendo, antes, ser assumidos como uma responsabilidade nacional.
Terminada a guerra, era a altura de as forças armadas procurarem adaptar-se a nova realidade. Desaparecidos os três teatros de operações, com cerca de 200000 homens em armas e em guerra, bem como os outros três espaços onde exerciam a sua missão, as forças armadas viram-se reduzidas a sua missão específica de defesa militar da Republica, com a inevitável redução de efectivos e a necessidade de uma adequada reorganização e reequipamento, na medida em que todos os recursos financeiros tinham sido orientados, no respeito a questão militar, para um tipo de organização e equipamento relacionado com a guerra de guerrilha completamente desfasada das necessidades mínimas de umas forças armadas em que o cenário era e o de um moderno campo de batalha.
A deficiente preparação militar, em termos de formação de quadras, também como resultado de uma preparação especifica para a guerrilha. era um problema grave e foi o primeiro que as forças armadas procuraram equacionar e resolver, ate porque era aquele que implicava menores recursos financeiros.
Entretanto, e como resultado da participação das forças armadas no derrube da ditadura, as responsabilidades que assumiram na consolidação da democracia fizeram com que a sua reorganização e reestruturação fosse relegada para um piano secundário, não aproveitando mesmo o facto de, em termos institucionais e constitucionais e durante um certa período, terem tido uma relativa autonomia.
O fim da guerra colonial deixou como herança umas forças armadas praticamente desarmadas, sem estruturas, com os seus quadras permanentes desajustados, uma organização territorial desadequada, um orçamento desequilibrado e um povo - a sua juventude, em especial - que se questiona sobre a utilidade do tempo que passa nas fiteiras, políticos que não assumem como devem a defesa das suas forças armadas e essas, por sua vez, me interrogam-se sobre os objectives mal delimos, a par de um silêncio de rejeição de parte da sociedade que cada dia se acentua mais face aos ventos que, um ponto por todo o mundo, sopram no sentido do desarmamento e da paz, criando uma situação que exige uma resposta rápida e adequada.
As respostas dadas perante este quadra tem sido, no mínimo, frustrantes, na medida em que tem sido dadas de forma avulsa, não enquadradas, procurando soluções de recurso que, na maior pane das vezes, são contraditórias e geradoras de cada vez mais conflitos quer internos quer externos, na relação das forças armadas com a sociedade, e vice-versa.
As forças armadas tem sido manipuladas, ou mais propriamente, há decisões que tem criado a sensação nas próprias forças armadas de que elas tem sido utilizadas com objectives políticos que as transcendem.
Um dos casos paradigmáticos para o qual não ha qualquer tipo de explicação e o caso do general Garcia dos Santos, ex-Chefe do Estado-Maior do Exército, oficial general de quatro estrelas, no activo, afastado da função militar por jogos de poder, que lhe são estranhos, criando uma situação de desprestígio da função militar verdadeiramente inaceitável.
Não tem havido uma resposta política no sentido de justificar e com o objectivo de dignificar as forças armadas. A grande maioria das decisões tem criado duvidas e aumentado as dificuldades no encontro das soluções adequadas.