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3108 I SÉRIE - NÚMERO 91

Onde, porém, atingimos o alto da perplexidade ó na nova versão do artigo 29.º!
Pela sua actual redacção sabe-se claramente quais são. Os beneficiários do direito de exploração de áreas entregues ao abrigo do Decreto-Lei n.º 111/78 «mantém a plenitude do seu direito de exploração». Nas áreas por eles exploradas «não podem ser atribuídas reservas», nem pode operar-se a reversão dos correspondentes prédios, salvo se aqueles «beneficiários» «concordarem com a transferência da sua área de exploração para outros terrenos do Estado», ou se os mesmos beneficiários e os titulares do direito de reserva «celebrarem entre si contrato pelo qual aqueles mantenham a posse útil da área de exploração».
Dificilmente poderia o Governo ter proposto a este respeito alteração jurídica socialmente mais retorcida.
Eis o esquema genial: os direitos adquiridos dos ainda chamados «beneficiários de direitos de exploração» - que é uma bela ironia! - vão-se às malvas.
Passa a poder o Estado, com desenvoltura e desembaraço, atribuir reservas em áreas na posse dos mesmos «beneficiários».
Mas não ad libitum: Não senhor!... Para o efeito, «deve ser previamente celebrado contrato de arrendamento rural entre aqueles beneficiários do direito de exploração e os titulares do direito de reserva».
É claro que o Governo sabe que um contrato é um acordo de vontades, que umas vezes ocorre, outras vezes inexiste.
Por isso, prevendo que não exista, o Governo-mas que é lá isso!...-, pura e simplesmente, fá-lo existir!
Num primeiro momento, manda notificar as partes para apresentarem o contrato no prazo de um mês.
Findo esse prazo, segunda notificação: agora «para aderirem a um contrato de arrendamento nos termos da lei de arrendamento rural».
Que a lei do arrendamento rural não preveja tudo ou o respeito pela autonomia da vontade no domínio dos contratos, são pormenores que não embaraçam o Governo!
Ainda assim, um contrato de adesão fica na livre disponibilidade de quem adira ou não. E se o beneficiário do direito de exploração, no exercício da sua liberdade contratual, pura e simplesmente, não adere?
Nem esta hipótese embaraça o Governo. Não adere? «Extingue-se o seu direito de exploração!»
Como se vê, é cómodo, faça e expedito.
Mas não diz a Constituição que as terras expropriadas «serão entregues, a título de propriedade ou de posse, nos termos da lei, a pequenos agricultores, de preferência integrados em unidades de exploração familiar»?
Pois diz!
E não erige em «objectivo» da política agrícola «o acesso à propriedade ou à posse da terra e dos demais meios de produção utilizados na sua exploração por pane daqueles que a trabalham»?
Pois exige!
E não prescreve que «na prossecução dos objectivos da política agrícola, o Estado apoiará, preferencialmente, os pequenos e médios agricultores», etc.?
Pois prescreve!
Mas acontece que o Governo é maioritário e resolveu dizer, erigir e prescrever precisamente o contrário. As maiorias absolutas permitem distorções absolutas! É grande, prefere os grandes!...
Que se há-de fazer a esta prenda? Do ponto de vista legislativo, a resposta cabe aos Srs. Deputados da maioria.
A nós cabe-nos dizer que esta proposta vira a Constituição da cabeça para os pés, e que onde ela diz «prefira-se e proteja-se o que é pequeno e trabalhadores, o projecto treslê «prefira-se e projecta-se o que é grande e é patrão». Onde ela diz «entregue-se a terra a quem a trabalha» o Governo treslê «entregue-se a terra a quem a dê de arrendamento por um período máximo 19 anos ou a quem nela caça». De um lado uma visão telúrica e vitalícia, do outro, uma concepção cinegética e de fim-de-semana.

Aplausos do PS e do PCP.

Os princípios constitucionais, em matéria de política agrícola, não apenas são violados mas virados do avesso e feitos em frangalhos.
De qualquer modo, não se vê como é que, sendo certo que esta proposta não tem outro objectivo que não seja o de devolver as terras expropriadas aos antigos donos, deixou o Governo intocado o artigo 24.º da lei em vigor, apesar de prescrever que «os prédios expropriados passam para o domínio privado indisponível» mas vai dispondo! - «do Estado».
No artigo 33.º o Governo abre novo prazo para os proprietários distraídos ou de recente vocação agrária requererem a constituição do direito de reserva. É a segunda vez que o faz.
E não viria daí mal ao mundo se estivessem ressalvados os direitos adquiridos pelos titulares do direito de exploração da terra. Mas vimos que não. E assim, de cada vez que se reabra o prazo e novas reservas sejam requeridas, são novos empurrões em quem cultiva a terra para que saia dela, e novas chagas abertas no espírito da Constituição.
Depois de assim privilegiada a constituição de reservas, faz algum sentido dizer-se, no artigo 37.º proposto, que «os prédios expropriados ou nacionalizados serão entregues em propriedade ou para exploração a beneficiários aptos a contribuir para os objectivos da política agrícola», ou que «o Estado privilegiará, como beneficiários da entrega, os pequenos e médios agricultores, de preferência integrados em unidades ou empresas de índole familiar»?
Não faz! É, aliás, patente que o Governo não tenciona usar da faculdade de fazer entregas em propriedade. Limitou-se a transcrever a Constituição-mal, como já veremos! - e não se deu sequer ao trabalho de regular em que condições se há-de transferir a propriedade, nomeadamente se a título gratuito ou oneroso, se a título pleno ou precário, se por concurso - como parece ser exigência constitucional, como regra-ou se por ajuste directo.
De igual modo, se esquivou a prever a conversão em propriedade dos actuais direitos de exploração.
E, como quando se trata deste Governo um disparate nunca vem só, baniu do rol dos beneficiários as cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores ou outras formas de exploração por trabalhadores. Há aqui uma clara mutilação, por omissão, do dispositivo constitucional.
Confirma-se, assim, que este Governo não gosta de cooperativas e detesta trabalhadores.

Risos do PS.

Resumindo, que já é tempo: é uma proposta desastrada, distorcida, rebelde, o mais possível, aos princípios constitucionais em matéria de política agrícola, incluindo