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17 DE OUTUBRO DE 1990 33

chatice, o que é habitual, mas como coisa cativante, numa programação recheada de indulgências para com esse álibi da mediocridade que é o índice de audiências, tais como concursos em profusão, telenovela e mais telenovela americana ou brasileira, rock mais rock, desporto em doses industriais e uns pinguinhos de frente a frente quase sempre político, e filmes só de quando em quando em boa qualidade.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Há pior!

A Oradora: - Há pior, em Portugal? Qual é a outra televisão?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Há pior, lá fora!

A Oradora: - Mas nós não temos que fazer o mesmo que se faz lá fora. O que é mau não há que imitar! Que concepção é essa da cultura portuguesa? Sr. Deputado Silva Marques, não esperava isso do seu anarco-estalinismo!
Tenha paciência, Sr. Deputado Silva Marques, mas realmente não é nesta televisão que se vai promover a sensibilização para a salvaguarda do património!
Como dizia, de incentivos ao fortalecimento da nossa identidade cultural, como recomenda a Convenção, nada há que ali se veja. Por conseguinte, como há-de uma população desinformada, no que toca aos seus bens patrimoniais respeitá-los? Porque, mais do que as leis e as políticas que as querem fazer cumprir, o que mais conta para a conservação desses bens é o sentimento nacional de um povo que os acarinha. Onde está ele? Não nos que não têm acesso ao conhecimento da incúria, é só um exemplo, daqueles a quem cumpre socorrer um dos mais importantes monumentos monacais da Europa, o Mosteiro da Batalha, cuja decoração dos portais góticos está a ser corroída pelo cancro da pedra e a sofrer, como outros monumentos, os efeitos danificantes das vibrações provocadas pela circulação rodoviária.
Não nos que voltam as costas à actividade artesanal ameaçada de desaparecer, perigo contra o qual a Convenção propõe o empreendimento de acções em benefício dos profissionais do artesanato. Mas como? Onde a dignificação desses artistas populares, que deviam ter um estatuto que os elevasse ao nível de outros criadores culturais? Mas não, aquilo é coisa de campónios.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Este Governo tem apoiado precisamente esse sector a que a Sr.ª Deputada se referiu.

A Oradora: - Esta obstinação anarco-estalinisia em prejudicar esteticamente o meu discurso, interrompendo--o, é imperdoável!

Continuando a minha intervenção, dizia: como não há-de a juventude, cada vez mais atraída pelos feitiços da cidade, desertar dessa rusticidade? Mas é nela que estão as raízes da nossa cultura, cada vez mais espezinhadas por culturas quantas vezes desidentificantes que enchem os estádios e que com o prestígio do «lá fora» esfolam as bolsas dos que não têm dinheiro para comprar um livro.
Convenções para conservar o nosso património cultural? Venham elas! Mas o vento da ignorância, que é o mesmo que dizer da indiferença de um povo, as leva, se esse povo não for instruído, se não for motivado para prezar os seus bens culturais.
Não é isso o que está a acontecer, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr. • Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Convenção para a Salvaguarda do Património arquitectónico da Europa é da maior importância. E sê-lo-á tanto mais quanto esta Assembleia da República não se limitar a discursos de circunstância e a uma votação meramente formal.
É que, como se afirma no seu preâmbulo, sé necessário transmitir um sistema de referências culturais às gerações futuras, melhorar a qualidade de vida urbana e rural e incentivar, ao mesmo tempo, o desenvolvimento económico, social e cultural dos Estados e das regiões».
Mas todos sabemos que não existe uma política governamental virada para a recuperação e valorização do nosso património, nos termos em que é definida pela Convenção: monumentos, conjuntos arquitectónicos e sítios.
E particularmente significativo o que se passa com aquilo que a Convenção designa «conjuntos arquitectónicos», definindo-os como agrupamentos homogéneos de construções urbanas ou rurais, notáveis pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, social ou técnico e suficientemente coerentes para serem objecto de uma delimitação topográfica.
Ora, na generalidade das cidades portuguesas e em muitas vilas existem núcleos urbanos deste tipo, com interesse patrimonial, histórico e cultural que na maioria dos casos se encontram num adiantado estado de degradação, com enormes carências de infra-estruturas e de equipamentos colectivos.
Más aí, nesses núcleos degradados, existe uma memória colectiva de tradições e cultura das suas populações que assegura uma identidade própria a cada uma dessas zonas, contribuindo para o seu grande valor patrimonial, histórico e cultural e que importa recuperar e reabilitar, transmitindo essa herança histórica e cultural das gerações passadas para as gerações futuras.
Só que enquanto a Convenção fala da necessidade de nas diversas fases do processo de decisão do conhecimento, protecção, restauro, manutenção, gestão e promoção do património arquitectónico se criarem estruturas de informação, consulta e colaboração entre o Estado, as autoridades locais, as instituições e associações culturais e o público, em Portugal o Governo tem-se demitido destas responsabilidades e as acções e intervenções limitam-se praticamente aos municípios, que são confrontados com limitações graves, quer no plano jurídico da intervenção, quer de ordem financeira.
É que em geral nesses núcleos urbanos vivem populações numerosas, com problemas sociais e de reduzida capacidade económica que não motivam o investimento privado numa perspectiva de manutenção dos moradores. Ora, uma política de recuperação e reabilitação destas áreas deve, designadamente, garantir a fixação da sua população, pois área valorizada é área viva, e mais ninguém que os seus habitantes deseja e pode contribuir para a defesa e reabilitação da estrutura física e do ambiente urbano envolvente do património edificado.
Nas zonas históricas do Porto, de Vila Nova de Gaia, de Lisboa e de tantos outros municípios as casas velhas da cidade mantêm-se, mas em geral a ameaça de ruína é iminente, pondo em risco a vida de milhares de pessoas, a destruição de todo o tecido histórico e de uma riqueza