16 DE JANEIRO DE 1991 1041
uma profunda atenção por parte da comunicação social, também nos parece importante fazer um breve historial de todo este processo.
Assim, como VV. Ex.ªs deverão estar recordados, o Partido Socialista, em 24 de Julho de 1990, apresentou um requerimento à Assembleia da República, onde se pretendia esclarecer esta questão. Sem pretender alongar-me na fundamentação do referido requerimento, sempre direi, em síntese, que ele tinha como origem um conjunto de informações trazidas a público, essencialmente, pela comunicação social e, de entre esse variado conjunto de informações, foram relevantes para a nossa atitude política, uma vez que, em termos de comunicação social, foram consideradas como matéria de facto as informações que irei destacar.
Em primeiro lugar, a afirmação de que nove administradores e sócios da firma Campos, Fábrica de Cerâmicas, S. A., arguidos num processo em que eram acusados pelo Ministério Público de burla agravada, abuso de confiança e associação criminosa, se encontravam em liberdade sob caução.
Em segundo lugar, segundo fontes ligadas à investigação, a de que o dinheiro desviado da contabilidade da empresa teria ultrapassado os 400 000 contos, tendo o dinheiro proveniente desse desvio sido usado na corrupção de funcionários públicos, em burlas de outros sócios da empresa e na fuga ao fisco.
Depois, que as investigações fiscais tinham detectado, por parte desta empresa, uma fuga a impostos da ordem dos 181563 contos, tendo determinado os mesmos serviços fiscais, através de investigações fiscais, um valor de multa, juros de mora e juros compensatórios da ordem dos 500 000 contos.
Depois, ainda, que no dia 17 de Maio de 1990 tinha dado entrada na Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais um requerimento assinado pelo presidente da referida companhia em que se propunha o pagamento dos impostos em dívida a troco dos juros e multas, argumentando-se em favor deste pedido que este era necessário para se poder vender a empresa Campos à empresa Celulose do Caima.
Finalmente, que S. Ex.ª o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, com base numa informação favorável de um técnico da sua Secretaria de Estado, em relação a esse pedido da empresa em causa, informação onde se transcrevia o pedido da empresa, que era claramente um pedido de perdão fiscal, tinha dado despacho no sentido da concordância. Isto é, tinha claramente despachado no sentido da existência de um perdão fiscal.
Nesta mesma data e na sequência deste requerimento, o Partido Socialista fez um pedido de audição parlamentar, basicamente, com o mesmo fundamento, mas onde se podia que, dada a relevância do assunto e a importância que, em termos de opinião pública, o mesmo tinha, fosse solicitada a participação não só do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, mas também a presença do chefe da Repartição de Finanças de Aveiro, por onde o processo em causa tinha corrido, do director distrital de Finanças de Aveiro, do director-geral das Contribuições e Impostos, dos técnicos da administração fiscal que efectuaram a fiscalização das contas da firma Campos e do assessor do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que linha elaborado a informação favorável.
Pedia-se ainda que fosse solicitado o depoimento do presidente do conselho de administração da firma Campos em exercício aquando da concessão do perdão, do seu actual presidente e - reparem, Srs. Deputados - do presidente do conselho de administração da Celulose do Caima, bem como do jornalista do semanário Expresso, António Marinho, uma vez que, como era óbvio e claro, eslava provado que a negociação feita com a Celulose do Caima tinha tido em conta a existência de um perdão fiscal.
No entanto, por razões que VV. Ex.ªs conhecem tão bem quanto eu, nem o nosso requerimento teve resposta, nem a audição parlamentar foi efectuada nos termos em que a propusemos. Efectivamente, realizou-se uma reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano que contou com a presença do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e, basicamente, nessa reunião retirámos três conclusões: que, afinal de contas, o despacho do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais não tinha sido tão célere quanto isso, pois não tinha demorado três dias mas sim sete meses; que, afinal de contas, não existia qualquer perdão de dívidas, não existia qualquer perdão fiscal, o que me parece absurdo; e, além destas duas conclusões, foi entregue - e aqui louvo o Sr. Secretário de Estado pelo facto - um volumoso dossier com muitas informações sobre o assunto.
Deste modo, em face da forma como decorreu esta reunião e em face do conjunto de informações que obtivemos nessa altura, bem como do conjunto de informações complementares que começaram a chegar ao nosso grupo parlamentar e, provavelmente, a outros grupos, dando conta da existência de situações duvidosas em outras circunstâncias -e, obviamente, vou reservar para a comissão de inquérito a divulgação concreta das situações já identificadas, embora possa, desde já, esclarecer VV. Ex.ªs de que já temos 19 situações perfeitamente identificadas-, o Partido Socialista apresentou um requerimento, no sentido de ser constituída uma comissão de inquérito, fundamentando-o da seguinte forma: «
«Num país em que a carga fiscal é já muito significativa, incidindo com particular imensidade sobre as classes médias e nos rendimentos do trabalho, torna-se necessário assegurar a mais completa transparência, isenção e equidade no funcionamento da administração fiscal a todos os níveis. Suscitar dúvidas nesta matéria pode contribuir para que na sociedade portuguesa se generalizem não só factores de desconfiança em relação às instituições democráticas, mas também comportamentos pretensamente legitimados de fuga e fraude fiscal.
Ultimamente, a comunicação social, de forma repetida e insistente, tem-se feito eco da existência de eventuais arbitrariedades na concessão de perdões fiscais a diversas empresas devedoras à Fazenda Pública.
Tais perdões são aí considerados como estando envoltos num véu de obscuridade e indiciando a prática de actos de favor, sendo necessária transparência e objectividade.
É necessário conhecer os valores envolvidos nos referidos perdões, e, sobretudo, saber quais os resultados obtidos em termos de receitas cobradas. E, bem assim, se os critérios objectivamente utilizados estão imunes à injustiça relativa e adoptam as exigíveis soluções de equidade.»
Estas preocupações do Partido Socialista são legítimas e penso que são as mesmas de todos os Srs. Deputados desta Câmara. Aliás, tiveram acolhimento na recente lei de enquadramento orçamental, aprovada por unanimidade nesta sede. na qual se insere claramente um dispositivo legal que visa permitir o conhecimento de situações de diminuição das receitas públicas, obviamente muito semelhantes, embora não necessariamente coincidentes com as situações de perdões fiscais.