1626 I SÉRIE-NÚMERO 50
melhor maneira pelo abuso da cenografia, mas tais actividades não podem ser secretas, nem no legislativo, nem no judicial, nem no executivo. As coisas atingem o pico da degenerescência do Estado quando a cenografia e o secretismo são ambos esdrúxulos, não faltando na experiência internacional exemplos de exercício recente desses extremos.
As experiências novas apenas confirmaram a experiência antiga de que o saber secreto é um poder exclusivo e excluente, que fica nas mãos de poucos, por natureza, e que faz perigar a racionalidade do poder político em direcção ao poder personalizado. Não faltam exemplos recentes de passagem de responsáveis pela direcção dos serviços secretos para a direcção do Estado.
Acresce que os factos da última década convergem no descrédito dos benefícios dos serviços especiais, quer pelos abusos surpreendidos e transformados em escândalos perante a opinião mundial, quer pela ineficácia comprovada perante alguns dos mais importantes factos políticos contemporâneos, incluindo a queda do muro de Berlim e a política do Iraque.
A regra da publicidade da Administração é perfeitamente conciliável com a discrição que recusa o Estado espectáculo e não aceita o segredo de Estado senão como uma excepção, tão perigosa em forma de conceito operacional, como recorrendo ao expediente da enumeração de parâmetros, sobretudo se esta for exemplificativa, porque, em vez de limitar, alarga.
De facto, a alínea h) do artigo 2.º do projecto de lei, ao introduzir a disciplina do segredo de Estado na exemplificativa área financeira, enriqueceu a lista com uma nova exemplificação dentro da primeira que cobre desde a concepção da moeda às alterações de laxas, impostos e outros rendimentos do Estado.
Com tal amplitude da definição operacional de abertura e tão extensa lista proposta para as analogias, não é uma questão de Estado mas, sim, o próprio Estado, que pode ser transformado em secreto.
Diz-se: «As actividades dos serviços integrados no Sistema de Informação da República Portuguesa e as informações, documentos, e materiais em poder desses serviços são protegidos pelo segredo de Estado, nos termos desta lei e da respectiva legislação orgânica.» É o que vem proposto, atribuindo o poder de classificação sem necessidade de confirmação superior ao director do serviço, isto é, criando uma fortaleza de saber secreto nas mãos de raros.
Quando se nota que, no texto, a enumeração exemplificativa usa conceitos como, por exemplo, «estratégia a adoptar pelo País no quadro das negociações presentes ou futuras»; quando se autonomizam matérias «cuja divulgação pode facilitar a prática de infracções penais» ou que possam «diminuir apreciavelmente a capacidade do Governo para gerir a economia nacional», tem de admitir-se que a exemplificação não condiciona o arbítrio e estimula a imaginação secretista.
O Sr. Jorge Laca» (PS): - Muito bem!
O Orador: - Repare-se, por exemplo, na referência à estratégia do Estado. Não poderá saber-se pelo diploma se a palavra se refere à arte do comandante-em chefe, à strategic capability, que afligiu as alianças no último meio século, ao conjunto de planos que cubram todas as contingências em qualquer área, ou ao sentido sem sentido do uso corrente. Saber o que é a capacidade do Governo para
gerir a economia nacional vai exigir uma indagação difícil para avaliar o programa de cada maioria, de cada Governo da mesma maioria, de cada ministro do mesmo Governo.
A proposta é, realmente, a de uma lei de normas em branco, que fazem falta nas áreas em que o costume vai dando perfil às escalas de valores e modelos de conduta da comunidade, mas que são difíceis de acolher e depois de utilizar responsavelmente na regulamentação de uma excepção ao claro imperativo da administração aberta.
Acresce, de resto, uma frequente imprecisão de linguagem que por si revela as hesitações dos responsáveis pelo projecto de lei. O diploma, recorrendo a uma longa teoria de conceitos destinados a encaminhar para a identificação dos casos, das áreas, ou dos serviços aos quais caiba o regime do segredo de Estado, não aponta para qualquer definição que exceda o nominalismo do próprio segredo de Estado; subitamente, transforma o governador do Banco de Portugal em autoridade pública que pode limitar o direito dos cidadãos ao livre acesso às informações, colocá-los em situação de responsabilidade penal; dispensa a classificação para os organismos ou serviços cujas actividades são por lei abrangidos pelo segredo de Estado, e nem sequer fornece elementos que impeçam a proliferação de uns serviços, nem para saber que espécie de diploma na hierarquia das leis pode decidir isso; quando, talvez, pretende prever um regime de credenciação, exige que as pessoas que carecem de ter acesso às matérias em segredo de Estado sejam autorizadas pela entidade que impôs a classificação, o que não deve vir a ser pequeno trabalho; não define o dever de sigilo, mas define um colectivo de sujeitos obrigados ao sigilo (funcionários, agentes do Estado e, ainda, qualquer pessoa), e esquecendo os privados, formula o imperativo para todos; pune o conhecimento ilegítimo do segredo de Estado, em termos de não ser necessário ter diligenciado para tal fim, bastando a negligencia de terceiros que coloque o cidadão na inevitável situação de tomar conhecimento, designadamente pelos meios de comunicação social.
Parece, pois, fácil admitir que a forma adoptada não faz justiça à intenção dos autores mas o projecto de lei precisa, ao menos, de uma remodelação formal se, como é de prever, não for possível locar no fundo tão longamente elaborado pela maioria.
Por outro lado, colhe-se a impressão de que o dever, o qual recai sobre todos os funcionários, de informar, de alertar, do rodear de discrição a marcha do processo decisório até que a lógica dos actos de informação e de inteligência conduza ao exercício do poder de decidir, vai ser complementado em todas as hierarquias do Estado com o dever de antecipar ou adivinhar as estratégias do Estado, o julgamento das capacidades deste para gerir a economia e a intuição das alterações dos equilíbrios das alianças.
O Sr. Jorge Laca» (PS): - Muno bem!
O Orador: - Isto porque, tal como se refere no n.º 5 do artigo 3.º, «quando qualquer desses funcionários toma conhecimento de matéria susceptível de ser classificada como segredo de Estado», e isso só pode ser a seu juízo pessoal, «deve transmiti-la ao dirigente máximo do respectivo serviço», isto é, o sargento atento e temeroso deve correr ao chefe de Estado-Maior, deixando toda a cadeia de comando pelo caminho; o secretário de legação deve precipitar-se de longe para o Ministro dos Negócios Estrangeiros, ignorando o embaixador; o contínuo do