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7 DE MARÇO DE 1991 1621

a grande indiferença de certos sectores é que estilo em vigor instruções que permitem a qualquer director-geral ou chefe de gabinete classificar uma matéria como muito secreta, se o entender, e sem «dar cavaco» a ninguém, ou, talvez, «dando cavaco a Cavaco», se chamado à atenção. E é esta questão, de classificar sem «dar cavaco a Cavaco», que me parece ser a questão fulcral deste problema. É que, repare, V. Ex.ª chama a atenção para o problema de que, no Governo, deveria ser o Primeiro-Ministro a assumir a responsabilidade máxima, o que é óbvio: no nosso projecto de lei propusemos o Governo, como órgão colegial, o que até é bastante mais exigente do que aquilo que V. Ex.ª propõe. Mas, mais: repare-se o que há de grave no projecto do PSD ao permitir que o grau de classificação vá até às entidades que aquele elenco interminável enumera - todos classificam! E esta ideia de ver o Dr. Alberto João Jardim, de carimbo na mão, a classificar «Muito secreto», «Muito secreto», «Muito secreto» é uma ideia que me inquieta..., e VV. Ex.ªs compreenderão porquê. Porque, ainda por cima, S. Ex.ª o Presidente do Governo Regional da Madeira, neste momento, já carimba, ao abrigo das instruções para a segurança das matérias classificadas! Mas querem saber ainda mais? Os secretários regionais também carimbam! Mais: os directores regionais também carimbam! Ou seja, na Madeira, todos carimbam!

Risos.

Só não consigo encontrar, naquele perímetro, alguém que não carimbe; quase daria um prémio para saber quem é que não carimba, sendo a administração tão laranja naquela região! Portanto, está tudo ao contrário: em vez de serem poucos a carimbar, são quase todos a carimbar...

O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, se todos carimbam, todos sabem. Onde é que está o segredo?

O Orador: - Mas um dos dramas é esse, Sr. Deputado! Como V. Ex.ª sabe, a proliferação de carimbadores e de carimbos origina segredos de Polichinelo! Ora, se todos carimbam, todos sabem! E, em muitos casos, a administração laranja traduz-se nisso - basta ler os jornais! Mas se VV. Ex.ªs mudassem de tom e passassem a dizer: «Meus amigos, a partir de agora, as carimbadelas são a sério» ...

Risos.

Esse é o perigo do vosso projecto É que o que o vosso projecto vem dizer, designadamente aos jornalistas, e até aos deputados, é o seguinte: «Meus amigos, a partir de agora, o conhecimento ilegítimo de uma coisa carimbada implica prisão até três anos, no mínimo; e, se o carimbo for militar, implica prisão em termos militares, portanto, potencialmente, até 24 anos; e se o carimbo for nos termos do Código Penal...». Estão a compreender? Ora, esta ideia que os senhores têm de fazer um surto de carimbadelas seguidas de cadeia é uma ideia que inquieta as pessoas. V. Ex.ª há-de compreender, Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, que isto de carimbar as pessoas aborrece-as, porque elas têm a ideia - que, penso, é saudável - de que os carimbos devem ser usados com moderação. Isto é, não se pode carimbar a torto e a direito, ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, julgo que já chega de carimbadelas.

Risos.

O Orador: - Em suma, carimbe-se pouco e regradamente e carimbem apenas alguns com idoneidade, com objectividade, com fundamentação e a título excepcional. Assim se defenderá o Estado de direito democrático, a transparência democrática e a segurança da vida pública. É este o nosso voto.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O presente debate ocorre depois de ter sido consagrada a administração aberta, fruto de uma luta que se desenvolveu, no que ao PCP respeita, pelo menos desde 1987, e contra a sua lógica. A Constituição da República impõe, para o quadro preceptivo do segredo de Estado, regras de índole eminentemente restritiva e não o contrário; funda-se num novo contrato social e nunca no regresso a fórmulas de um passado iníquo. A transparência do Estado e dos actos públicos é o sangue arterial de uma democracia. Disto não saímos e é em função das suas implicações que estruturamos, o projecto de lei que foi por nós entregue na Mesa da Assembleia da República.
Só deve constituir segredo de Estado, numa óptica de severo rigor, tudo quanto puder causar dano à ordem jurídico-constitucional, lida sistemicamente, à independência nacional, à segurança interna e externa de Portugal. Não cabe, como é óbvio, nesta visão, a tentação sôfrega de tudo fazer incluir no âmbito da legislação a arquitectar- matérias de natureza económica, financeira ou comercial; mecanismos de produção de juros, taxas, impostos; preços dos combustíveis; emissão de moeda; empréstimos; quiçá, os «profundos estudos» para o encerramento, sem critério, de discotecas pelo engenheiro Macário Correia, enquanto os grandes poluidores fabris continuam impunes; talvez a prosa de circunstância com que o Primeiro-Ministro, a montante de uma inauguração ou a jusante de uma qualquer forjada entrevista televisiva, anuncie ao País o gesto benevolente de um aumento de pensões de reforma ou da ridícula diminuição dos custos para os automobilistas, do litro da gasolina de que tivemos notícia e que tenderá a ser muito maior em vésperas eleitorais.
Nem a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no seu artigo 10.º, nem a conhecida, e mais complacente do que um hímen sem resistência, Recomendação R/81/19, do Conselho da Europa, obrigam a tanto!
O PSD tem do segredo de Estado uma concepção omnívora, tentacular, mimética dos puros e nus interesses do Governo, tudo subjugando à propensão das conveniências e ao flutuar das conjunturas. Fiel ao brocardo de que o «segredo é a alma do negócio» e infinitamente mais fiel do que o bacalhau a um gosto pela política transformada em mero negócio, serve-se da opacidade como instrumento de poder, do discurso da ostra cerrado e autista como veículo de prestação de contas ao País, do deserto de substância histórico-cultural para apagar os adquiridos do regime nascido em 1974.