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15 DE MARÇO DE 1991 1751

É ao nível dos poderes locais e regionais que normalmente se começa a questionar a Administração Pública, a sua organização, o seu procedimento. Foi o que aconteceu, por exemplo, na Itália, onde se vem travando um aprofundado debate sobre os direitos dos cidadãos e a Administração Pública, em torno das autonomias regionais.
Entre nós, infelizmente, como vem sendo adiada a regionalização, o debate coloca-se sobretudo ao nível do poder local, porque é a nível autárquico que deparamos com formas, algo tanto avançadas, de exercício de democracia directa. A prestação de contas, Srs. Deputados, nas autarquias CDU é um dado real, efectivo e não é nenhuma campanha de propaganda, porque, de facto, deve ser feita ao longo do tempo e não apenas em períodos pré-eleitorais. Por exemplo, a discussão pública de planos de actividade, prévio à sua definitiva elaboração, lambem é um dado já existente e configura um direito de participação dos cidadãos na gestão pública que não se basta nem pode reduzir-se apenas a momentos eleitorais ou pré-eleitorais.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Não admira que as questões relativas aos direitos dos cidadãos perante a Administração se coloquem com particular clareza ao nível local. De facto, a administração autárquica é a que está mais próxima do cidadão. É aí que, no exercício dos seus direitos materiais, o cidadão procura exercer os direitos instrumentais à realização daqueles.
Não admira, assim, que na epígrafe do projecto de lei apresentado pelo PCP se tenha colocado o enfoque na administração local. Mas, como se vê do conteúdo do diploma, o seu âmbito alarga-se a todos os patamares da Administração e pode mesmo afirmar-se que, sendo o projecto um valioso contributo para o exercício dos direitos dos administrados na administração local, é ao nível da administração central que se torna mais urgente e imprescindível densificar o conteúdo dos direitos dos cidadãos.
Porque é a esse nível que se vive no maior dos secretismos. É aí que se decidem planos de desenvolvimento regional sem qualquer discussão pública; é aí que se privatizam serviços, património e equipamentos com prejuízos de direitos, sociais dos cidadãos, sem qualquer intervenção destes. É a esse nível que encontramos uma Administração Pública visando apenas a sua manutenção como estrutura e subalternizando o interesse público.
É ao nível central que mais visivelmente encontramos a burocracia como uma estrutura de poder autónoma, asfixiante do exercício da cidadania. Os tímidos ensaios de desburocratização esvaem-se num dia a dia marcado pelo secretismo e pelo autoritarismo. Os cidadãos continuam sem acesso à informação dos dossiers e arquivos, a processos a eles mesmos respeitantes; continuam manietados no exercício dos seus direitos constitucionais por regras internas que permitem a classificação de documentos como secretos, reservados, confidenciais. A situação que se vive não é, de facto, a de uma administração aberta, como a Constituição a configura, mas a de uma máquina caracterizada pela opacidade, perante a qual nada mais restará ao cidadão peticionante do que pedir desculpa por ter pretendido exercer o direito de ser informado.
A situação bem pode caracterizar-se pela seguinte prosa de um autor italiano: «Entre o palácio e a praça há uma névoa tão espessa ou um muro tão grande que não penetra lá a visão dos homens; tanto sabe o povo daquilo que faz quem governa, ou da razão por que o faz, como das coisas que se fazem na índia; e por isso o mundo enche-se facilmente de opiniões erróneas e vãs.»
Ora, essa situação não é compaginável com o que a nossa Constituição prevê. O modelo constitucional do relacionamento cidadãos-Administração Pública não ó o modelo clássico manifestamente em falência. De facto, tal modelo caracterizado pela sujeição do cidadão à Administração Pública, limitando a participação dos cidadãos na gestão pública aos momentos em que se exerce o direito de voto, conduz a perversões da actividade administrativa, a favoritismos a clientelismos, ao afastamento dos cidadãos, e está na base da inadequação dos canais tradicionais de representação.
O que se exige agora é que esses canais sejam complementados com contactos directos entre o sistema social e político por forma a impedir a
super-representação de certos interesses prevalecentes nas instituições e a
sub-representação de interesses que permanecem difusos por forma a criar-se a paridade entre o cidadão e a Administração.
O que está em causa, portanto, é a própria participação popular no exercício de poder que aparece cada vez mais como necessária, por forma que a democracia seja um poder visível. De facto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o conceito de cidadania não pode bastar-se com «a obtenção do consenso dos cidadãos através de promessas ou da distribuição de prémios, isto é, através de um comportamento eleitoral clientelista, o qual se baseia num comércio buscado na troca, no apoio político como vantagem pessoal ou de grupo».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei apresentado pelo PCP densifica os direitos dos administrados perante a Administração Pública, com vista a garantir uma administração eficaz e participada. É óbvio que do exercício dos direitos previsto no diploma resulta uma participação dos cidadãos na própria Administração Pública. Por isso, o diploma não tem uma visão puramente garantística. É óbvio que do exercício dos direitos resultará: um contacto permanente entre cidadão e Administração Pública, uma Administração Pública como serviço e não como autoridade; o papel preponderante do cidadão na formação do acto administrativo; a possibilidade de um pleno exercício de direitos quotidianos; uma nova dialéctica entre representantes e representados; uma vivência quotidiana da democracia.
No projecto de lei explicitam-se os direitos e contra-põem-se-lhes os correspondentes deveres por parte da Administração Pública.
O direito de atendimento, um atendimento personalizado, eficiente e eficaz terá, por exemplo, o dever, por pane da Administração, de responder a todas as pretensões - e nas autarquias CDU isto já foi posto em vigor -, o dever de descentralizar serviços, o dever de os desburocratizar por forma a destruir a teia que empurra cidadãos de guichet em guichet à procura do formulário 2000 ou 2001 - um dos 12 ingentes trabalhos de «Asterix»!...
O direito de informação é, sem dúvida, um direito fundamental, instrumental do exercício de muitos outros direitos. A tal direito está inerente, por exemplo, o dever, por parte da Administração, de facultar o acesso aos processos administrativos. E um direito que se deve desenvolver nos princípios da pluralidade, da acessibilidade, do controlo das fontes, na execpcionalidade das matérias reservadas, na funcionalidade informativa.