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20 DE MARÇO DE 1991 1807

O Orador: - E, como não podia deixar de ser, num país pobre, com luxos otomanos, as autoridades tratam de demagógicos os que consideram que há despesas mais urgentes, mais interessantes e mais necessárias.

Aplausos do PS e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos e José Magalhães.

E apelidam de masoquistas e de velhos do Restelo os que preferem o essencial, em detrimento do acessório. E esse o estilo de quem, todas as manhãs, tem o hábito de falar com o espelho.
Srs. Deputados, sabemos que o Centro Cultural de Belém não é um caso isolado. Integra-se, coerentemente, nas linhas mestras da estratégia governamental, particularmente em dois aspectos: o primeiro é o da fuga ao controlo parlamentar; o segundo é o da política de comemorações e de brilho fácil, de fachada e de vontade de se apropriar a História. Sabemos que, ao lado do Centro Cultural de Belém, outras festividades se preparam para excitar os ânimos superficiais e para promover o aparente. Tudo o que é comemoração exibicionista, tantas vezes sem ter que exibir, recebe logo a prioridade do Governo: de Sevilha às Descobertas, da Europália ao Campeonato do Mundo de Futebol, da Exposição Universal à Lisboa Capital da Cultura, a terminar no satélite português, nosso, todas estas luxuriantes tentações constituem objectos de excepcional preocupação para o Governo, apesar dos patéticos desequilíbrios que criam.
Sabemos tudo isso, Srs. Deputados, mas entendemos que, com o Centro Cultural de Belém, se passaram as marcas: destruiu-se História; agiu-se ilegalmente; gastou--se demais, sem cobertura legal e com irregularidade; fugiu-se ao controlo democrático; escapou-se à fiscalização judicial normal; e, sintomaticamente, evitou-se o regime geral dos concursos públicos!
Esta é a minha convicção. Se errar serei o primeiro a reconhecê-lo aqui, mas para isso é preciso saber!
Creio, Srs. Deputados, que, pelo menos nesta tentativa de conhecer, estarão de acordo comigo. Por isso, entendemos necessária a realização de um inquérito parlamentar ao Centro Cultural de Belém.

Aplausos do PS, do deputado do PCP José Manuel Mendes e dos deputados independentes Herculano Pombo e Jorge Lemos.

Apresentaremos a proposta muito brevemente, mas só gostaríamos de fazê-lo depois de nos entendermos com os restantes grupos parlamentares. Daqui, convidamos todos os grupos (comunistas, renovadores, sociais-democratas, centristas) a examinar connosco a proposta de resolução, tendente à instauração de um inquérito parlamentar.
Ironicamente, serei o primeiro deputado a responder positivamente ao apelo do deputado Montalvão Machado, no sentido de sermos mais responsáveis, de tomarmos mais iniciativas, de desempenharmos melhor as funções para que fomos eleitos. Presente, Sr. Deputado! Estarão de acordo comigo: à cabeça dessas funções, vem a fiscalização dos actos do Executivo, mesmo quando este se esconde por detrás da Figura de uma sociedade de gestão! Sobretudo nessa ocorrência não deixaremos que o Governo se transforme numa sociedade anónima!

Aplausos do PS, do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos e José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado António Barreto, a radiografia que acabou de fazer é deveras impressionante e coincide com a que nós próprios temos vindo a elaborar, em vários aspectos nodais, pelo que não será de estranhar que, neste momento, entendamos que o designado conjunto monumental de Belém não é apenas uma pirâmide megalómana; é também o epifenómeno de uma opção pela arte que se pretende asséptica, ornamental e de representação, mas que castra o espólio nacional e a sua reprodução, pelo regresso a concepções que são pré-democráticas e aviltam, sobretudo quando comparadas com o orçamento da Secretaria de Estado da Cultura e com o que ele deveria tutelar, as necessidades vitais dos portugueses em matéria cultural.
É, na realidade, constrangente verificar que enquanto se aponta para a hipótese de 50 milhões de contos gastos com um projecto cuja indefinição é a regra, a Direcção-Geral de Acção Cultural, no âmbito da Secretaria de Estado da Cultura -a quem cabe apoiar as actividades que, de norte a sul do País, se vão prodigalizando nos domínios do teatro, da literatura, do jornalismo, da difusão de uma proposta lúdica infantil-, vai, dia após dia, minguando diante de uma escassez de verbas que outra coisa não visa senão a destruição da criatividade popular.
Por último, é confrangedor constatar que a fuga ao controlo democrático, em quanto se prende com o Centro Cultural de Belém, se impõe como verdadeira «lei de bronze» do Governo de Cavaco Silva...
Por isto tudo e pelos motivos que, em devido tempo, não poderemos deixar de aduzir, será de concluir que um espécime, pensado e organizado para assinalar 500 anos dos Descobrimentos Portugueses, que foram obra durável e perduradoira, se transforme agora em sujo mar que se toma imperioso descobrir, bisturizando o que se está a passar nos últimos três anos de desdouro, de nebulosidade e, em diversos planos, de obscuridade intolerável.
Eis por que a bancada do PCP não pode eximir-se a exprimir, desde já, o seu apoio à realização de um inquérito que apure não apenas o disparo dos montantes monetários, mas o completo e sistemático desordenamento de uma obra de lustre e vazio, que é, ela própria, a imagem de uma governação a que urge pôr cobro tão cedo quanto possível.

Aplausos do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo e Jorge Lemos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Deputado António Barreto, da sua intervenção ressaltam, sobretudo, duas questões, a primeira das quais tem a ver com a razoabilidade da utilidade e da necessidade da obra do Centro Cultural de Belém. Se calhar, não estaremos de acordo com esse particular - aliás, é um debate que já se iniciou nesta Casa há muito tempo, desde que o Governo veio, pela primeira vez, à Comissão de Educação, Ciência e Cultura defender a obra em sede de discussão da proposta de lei do Orçamento do Estado. Mas o facto é que na altura não vislumbrei, da parte do PS, qualquer oposição de princípio em relação à obra... Há, no entanto, um debate nacional que, seguramente, ainda não terminou e estaremos, não só neste momento mas depois da obra concluída, em (...)