I SÉRIE -NÚMERO 56 1808
(...) condições de avaliar se a obra foi ou não necessária, se o País precisava ou não dela, se a afirmação da nossa dignidade, nomeadamente no momento em que Portugal assumirá a presidência do Conselho das Comunidades Europeias, justificaria ou não este investimento, bem como em relação à utilização de toda esta obra.
O Sr. Deputado António Barreto considera a priori que ela vai ser um espaço vazio..., mas o futuro dirá se ele tinha razão ou se quem a tinha era o Governo no momento em que decidiu pôr mãos à obra.
Sr. Deputado António Barreto, mais preocupante foi a comparação que fez a propósito do orçamento da Cultura. Gostaria de chamar a atenção dos Srs. Deputados para a razoabilidade dessa comparação - essa, sim-, porque, tanto quanto nos é dado ver, o Governo teve uma postura de grande dignidade na forma como apresentou sempre o orçamento da Cultura e a evolução orçamental. O Governo não cedeu à tentação fácil de incluir as verbas do Centro Monumental de Belém nas verbas da Cultura para justificar, de facto, um grande investimento. O Sr. Deputado António Barreto quis dar, do alto daquela tribuna, a ideia de que não havia mais dinheiro para obras instantes da cultura portuguesa por força deste crescimento. Mas assim não é, Sr. Deputado! A gestão do orçamento da Cultura foi sempre feita excluindo as verbas do Centro Cultural de Belém e o aumento do valor nominal e do valor real do investimento do Orçamento do Estado com a Cultura foi sempre feito e contabilizado sem o recurso a esta verba excepcional. Aliás, o Governo disse sempre que o investimento do Centro Cultural de Belém era considerado um investimento extraordinário, um investimento que envolvia toda a Nação, ao nível do Orçamento do Estado no seu conjunto e não roubando as verbas da Cultura, nomeadamente naquelas rubricas que o Sr. Deputado António Barreto, com o brilho que sempre lhe reconhecemos, leve ocasião de referir.
Mas a segunda questão que a sua intervenção me suscitou, Sr. Deputado António Barreto, foi a da legalidade, da transparência, da fiscalização, foi, em suma, a do cumprimento da lei. E V. Ex.ª fez mesmo o anúncio da apresentação de uma proposta de inquérito parlamentar. Sr. Deputado, não nos surpreende essa proposta. De certa forma estávamos à espera de uma reacção do PS, levantada que foi a possibilidade da realização do inquérito sobre despesas de publicidade - quanto a nós irregulares - da Câmara Municipal de Lisboa. Era, pois, de certa forma provável que o PS reagisse com um contra-inquérito e até admitimos que, em função da brevidade das eleições, haja aqui uma certa precipitação em relação aos inquéritos!...
Sr. Deputado, embora não queiramos banalizar esta figura do inquérito parlamentar, dizemos-lhe desde já que, pela parte da bancada do PSD, há todo o desejo de esclarecer as questões que possam eventualmente ter a ver com fenómenos de menor transparência ou de incumprimento da lei.
Aguardaremos responsavelmente pela apresentação da proposta de inquérito do PS, nomeadamente pelos seus considerandos e justificação de motivos, mas desde já fica a afirmação séria de que o PSD não recua no aprofundamento das circunstâncias que tenham a ver com supostas infracções à legalidade.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado António Barreto, em primeiro lugar, quero felicitá-lo pela serenidade com que fala deste problema, porque - devo dizer-lhe - quando passo em frente do Centro Cultural de Belém julgo que o principal efeito é o de «ficar sem fala», isto porque esta questão tem muito a ver com valores fundamentais portugueses, que não vejo aqui discutidos. E, ao ouvir a intervenção de V. Ex.ª, lembrei-me, porque se trata de Belém, do ensaísta da literatura portuguesa que conheço como tendo o conhecimento mais profundo nestas matérias e que é um marinheiro desconhecido que vem referido no Roteiro de Vasco da Gama. Quando esse marinheiro chegou à índia e lhe perguntaram o que é que iam lá fazer, ele disse: «Vimos saber de cristãos e pimenta.» Ora, nós aqui nas intervenções falamos da pimenta, mas é preciso falar de cristãos. E quando se trata de Belém esses valores são, fundamentalmente, os que estão em causa. E justamente por isso é que encontro muitas deficiências na intervenção do Sr. Deputado e falta de elementos para alimentar a nossa curiosidade.
Aliás, em primeiro lugar, recordo-me dos debates que houve nesta Câmara por causa de um projecto a que se chamou «torres do Tejo» e de todas as razões que aqui foram invocadas para condenar o projecto, porque as estruturas não suportavam a construção dessas torres. Elas estão piores do que nessa altura, mas parece que inteiramente habilitadas a suportar o Centro Cultural de Belém...
Por outro lado, acontece que é a teoria de justificação do Centro que, principalmente, deve preocupar-nos -julgo eu! É porque, a respeito do Centro, ele é um facto irremediável. Como já foi aqui várias vezes observado, o futuro terá ocasião de julgar isso e nós vamos ter pouca ocasião de fazer seja o que for relativamente ao que ali já está construído.
Mas justamente uma das justificações que tem sido apresentada é a da dignidade da presidência portuguesa das Comunidades. Ora, tenho tido dificuldade em entender essa justificação, porque esse é um acontecimento que vem, por força da rotina dos tratados - não resulta de qualquer esforço de bom governo e boa administração -, e porque também não conheço qualquer país -e gostava que o Sr. Deputado fornecesse elementos sobre isso - onde a proximidade da presidência das Comunidades tivesse dado esta movimentação política e cultural porque vem aí a «pedra de toque da capacidade portuguesa»!...
Suponho que isto não aconteceu em qualquer país das Comunidades e há-de haver algumas razões para tomar tão notável este acontecimento da rotina governativa das Comunidades. Por isso mesmo, tem-me parecido que é um pouco demais tapar os Jerónimos, que representam séculos de História, por um monumento dedicado a seis meses de tecnocracia.
Por outro lado, como se trata também de uma obra pedagógica, tem-me parecido que há aí uma certa omissão - e o Sr. Deputado não nos forneceu qualquer elemento-, pois não sabemos qual foi o arquitecto português ou a escola portuguesa de arquitectura que tomou a responsabilidade de assinar o projecto que ali está em construção. Quais são os nomes da arquitectura portuguesa que vão passar à História assinando a responsabilidade daquele monumento?
Finalmente, gostaria de fazer esta, pergunta: Centro Cultural de Belém. Mas que cultura? É a cultura elitista? É a cultura popular? É a pregação da cultura da «nova Europa»? Qual é o objectivo?