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8 DE MAIO DE 1991 2429

Os trabalhadores e também a economia nacional são as vítimas principais de um sistema que urge ser aliciado e melhorado.

Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro.

O Sr. Presidente:-Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Foi cercado de mar que vivi os primeiros anos da minha vida. Quantas vezes ficava mudo diante do mar ou escondido atrás de um penedo para espreitar o seu mistério.» São palavras de Antero de Quental, que, neste ano do centenário da sua morte, aqui recordo como açoriana, identificada com o húmus insular dos seus sonhos, como portuguesa, como cidadã de um mundo que, ameaçado pela desertificação dos valores que lhe deram alma, clama pelos raios de luz do espírito dos iluminados como esse de quem Eça de Queiroz disse: «Um génio que era um santo».
Pois é esse mistério que o mar lhe transmitiu na infância que vai atear a chama da sua mais erguida inspiração poética nos sonetos que introduzem na poesia portuguesa - Unamuno o registou - a dramaticidade existencialista do essente e do existente. Um frente-a-frente com o mistério. Esse insondável - escreve Antero a Santos Valente - que «não está nesta miserável existência real, que não pode ser o que parece». Como evitar a flutuação das suas crenças? As suas dúvidas. Ora se rebela contra Deus:

Cessou o império enfim da força bruta
Não sofreremos mais emancipados o tirano de mão tenaz e astuta que mil anos nos trouxe arrebanhados.

Ora lhe roga que desoculte:

Pura essência das lágrimas que choro. E sonho dos meus sonhos, se és verdade, Descobre-te, visito no céu, ao menos.

Ora cogita: «Ou o Universo é o delírio de um demónio ébrio de maldade, ou para além do extremo arco da ponte da vida nos espera o seio vasto de uma bondade. Espírito, essência, Jeová, Brahma? Que imporia o nome?»
Mas entre a amarga confissão de sentir-se bastardo de Jeová e o repouso que frui ao libertar o coração de forma transitória e imperfeita para o agasalhar por fim na mão de Deus, Antera mantém-se fielmente devoto do Espírito. Esse ponto central do Cosmos, unidade de todos os contrários reflectidos nas impropriamente chamadas contradições do poeta, pois que mais não eram do que a multiplicidade que pressupõe o acto de unificação. O eterno bem, que ele busca por entre visões contrárias: o drama do ser, diz-nos Antero, «termina na libertação final pelo bem. Porque a santidade...» - santidade laica, entenda-se- «... é o termo de toda a evolução e o universo não existe nem se move se não para chegar a esse supremo resultado».
Ora, o socialismo moral de Antero é um caminho para chegar a esse apogeu da humanidade. Socialismo moral e espiritual. Por isso ele considerava as forças do Espírito como as forças sociais por excelência, no que exaltava o princípio superior da fraternidade e da solidariedade.
Tem-se dito que, transposto para os nossos dias, o socialismo de Antero se acha em completo divórcio com p socialismo moderno. Muito ao contrário, penso que, no ideal socialista desse poeta doutrinário, se encontram propostas que se ajustam ao rumo moral e espiritual que o socialismo tem de tomar se não quer expor-se ao perigo de se converter num instrumento das coacções económicas e tecnocráticas que o desfiguram.
Ah, como refrescam o ideal socialista estas palavras que Antero escreveu numa carta dirigida a Oliveira Martins: «[...] Socialismo para mim não é a economia política, nem a estatística que sabe fazer qualquer caixeiro.»

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Sim. Socialismo, para Antero, era o que visava o homem integral. Por isso partia do espiritualismo que é englobante e não do materialismo que não só deixa de fora o anímico e o espiritual como os sufoca, submetendo-os à lei do económico. Firmava-se numa concepção espiritualista da história, o que origina as suas críticas a Proudhon, a quem acusa de rigidez e de absolutismo na sua visão da história. Efectivamente, põe-se em demasia a tónica da influencia de Proudhon em Antero, apagando-se as que nele exerceram a doutrina de Silvestre Pinheiro Ferreira, preconizada antes de Proudhon, de uma estrutura federalista da sociedade e, notoriamente, a Filosofia do Direito de Rodrigues de Brito, segundo a qual o direito, como lei objectiva da humanidade, só pode ser o amor recíproco de que emerge a mutualidade de serviços.
Foi esse homem, poeta e ideólogo extraordinário, que desenvolveu uma acção decisiva nas campanhas e na organização do partido socialista, galvanizando com seu verbo e olhar alumbrados os que fascinadamente o seguiam. Mas fô-lo inspirado pelo seu daimon de visionário que o converteu num apóstolo do socialismo integral: uma interacção do espiritual, do racional, do afectivo, do moral, do social, do económico e desse religioso fora de um contexto institucional a que chamava santidade. Santidade laica, como atrás acentuei.
No espírito de Antero fulgiu essa centelha dos iluminados que vêm a este mundo para varrer as sombras que o entenebrecem e para o modificar. Mas não chegara ainda o seu tempo. E pondo-lhe uma pistola na mão, as sombras expulsaram-no do mundo.
Mas era chegado o seu tempo. Porque o niilismo, doidejando na vertigem do materialismo e do utilitarismo, imoladores da Alma do Mundo ao bezerro de ouro, bloqueia todas as saídas. Falência das instituições, das crenças, colapso do comunismo, vizinhança do estertor da impotência desenfreada do capitalismo. E, havendo proximamente de soar a hora do «abre-te, Sésamo» de um mundo no qual o homem terá de se encaminhar para a altura espiritual de onde alcançará o verdadeiro sentido da sua existência, libertação é a palavra que aplico ao socialismo redentor desse ser mítico que deixou na cultura portuguesa as pegadas fantásticas de um mensageiro do futuro.
É a altura de as seguirmos.

Aplausos do PRD, do PSD, do PS e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.