8 DE MAIO DE 1991 2431
militantes sociais-democratas foram) pelo uso duma liberdade cívica que o meu partido - pensava eu, e continuo a pensar - não tinha o direito de me negar.
Foram precisos cinco anos para o PSD constatar que, afinal, Mário Soares era um bom Presidente e seria um excelente candidato. Mas faça-se justiça: se o Governo hoje invoca a estabilidade governativa como condição de progresso nacional e como mérito seu, deveria compartilhar este último com o Chefe do Estado, porque ele é e tem sido o garante duma paz institucional de que o Governo tem, claramente, beneficiado.
Paz institucional, porém, que, nas relações entre o Governo e a Assembleia, tem assumido aspectos negativos, se não mesmo perversos. O facto de o PSD aqui dispor, desde 1987, duma larga maioria absoluta não deveria significar que tivesse razão em todas as matérias, mais a mais sempre a reboque das instruções governamentais.
Assistimos aqui - e lamento reconhecê-lo - a uma dupla atrofia dos trabalhos parlamentares. Por um lado, a maioria retirou tempo e iniciativa às oposições e aos deputados individuais, instaurando, com o Regimento aprovado em 1988, uma verdadeira «lei da rolha», que em muito dificultou um sadio debate parlamentar. Por outro lado, a mesma maioria sacrificou a sua capacidade de iniciativa, de crítica e de diálogo, ao ponto de aceitar regras internas que sujeitam à coacção a manifestação da vontade do deputado.
É certo que este Regimento acabou por ser novamente alterado em Março deste ano, mas só há poucas semanas entraram em vigor as novas disposições, que já não irão ter impacte real no decurso desta legislatura.
A este bloqueio da iniciativa individual de todos os deputados há que acrescentar o verdadeiro desprezo com que o Primeiro-Ministro encarou os principais debates parlamentares e que, ainda há dias, também era salientado pelo presidente do CDS.
Ressalvarei, por justiça, entre o Executivo, algumas excepções. Houve governantes capazes de dialogar connosco, com cordialidade e abertura, quer no Plenário quer nas comissões. Mas foram excepções. A regra, imposta por cima, foi a do virar costas. E não será assim que se poderá contribuir para um bom relacionamento institucional nem para uma necessária e urgente melhoria da imagem da Assembleia da República junto dos eleitores.
Com esta maioria, com o comportamento que teve e com os maus exemplos que recebemos do Primeiro-Ministro pouco podem fazer as oposições para dignificar o Parlamento. O que urge, pois, é mudar de maioria e mudar de Primeiro-Ministro. Novas regras poderão, então, ser estabelecidas para que esta Casa volte a ser -como já foi e como deve ser - um verdadeiro fórum de participações e de intervenções cívicas e políticas.
Cabe aqui uma referência a um dos aspectos do trabalho das oposições que marcou esta legislatura e que, no futuro, deverá obedecer a novas regras regimentais, sob pena de ineficácia sistemática.
Refiro-me ao mecanismo das comissões de inquérito, estabelecido em termos de composição maioritária, proporcional à composição do hemiciclo. Ora, a comissão de inquérito é uma das formas mais eficientes de fiscalizar a acção do Executivo. Mas o facto de aí se encontrar, sempre, uma maioria aritmética equivalente à das bancadas, mais a mais submissa, como esta é, faz com que o peso dos votos se sobreponha sempre ao peso dos argumentos, quanto mais não seja, para impedir a prossecução dos trabalhos, se essa for a táctica desejada pelo Executivo. Espero bem que novas maiorias tenham a inteligência e a ousadia de arriscar a alteração deste dispositivo, criando comissões de inquérito paritárias ou compostas por personalidades isentas e exteriores, como sucede noutros parlamentos.
Vem a propósito recordar que foi por imposição aritmética da maioria que a Comissão de Inquérito sobre a Estoril-Sol e a obra de saneamento básico da Costa do Estoril viu os seus trabalhos abruptamente interrompidos antes de se esclarecerem algumas questões relevantes. O resultado está à vista: em 1988, a Assembleia aprovou a constituição da Comissão; em 1989, a Comissão concluiu, ilibando o Governo de quaisquer responsabilidades e considerando destituídas de fundamento as minhas acusações.
A obra, estimada em pouco mais de 5 milhões de contos em 1985, esteve parada até 1987 e o PIDDAC deste ano prevê para ela um custo de 21 milhões de contos. Apesar deste alucinante agravamento de preços, a Comissão de Inquérito ignorou os problemas financeiros da obra. Meses depois, estes rebentavam à luz do dia: o director do gabinete foi convidado a demitir-se e o Ministro da tutela instaurou uma auditoria financeira.
Subi a esta tribuna em Novembro do ano passado para tornar públicos estes factos e requerer ao Governo os resultados da auditoria. Claro que não tive qualquer resposta. As perguntas que tentei dirigir ao Governo sobre o assunto também não mereceram senão o silêncio. O que se sabe e é do conhecimento público é que a obra continua paralisada, que os problemas financeiros, patentes desde 1988, se agravaram e que nem o reforço tardio com verbas do Fundo de Turismo, aprovadas em Março deste ano, resolveram o problema.
Moral da história: continua a haver incompetência e na gestão dos dinheiros públicos na obra de saneamento da Costa do Estoril. O Verão está à porta e, apesar das promessas de que o sistema entraria em funcionamento este ano, apesar da visita efectuada por Cavaco Silva no ano passado, vamos ter as praias da linha do Estoril poluídas.
Só falta agora - e há notícias disso - que o Governo devolva às câmaras da região o buraco que não consegue tapar e que atire para cima dos contribuintes com os juros dos empréstimos que teve de ir pedindo para tentar acabar os trabalhos, em que eu própria, como autarca, tanto me empenhei e deixei prontos para execução, no ano longínquo de 1985. Mas está provado que faço muitas coisas antes do tempo.
Em termos pessoais, este caso permitiu-me averbar no currículo dois factos inéditos no parlamentarismo português. O primeiro foi a tentativa inconstitucional que Cavaco Silva fez para me retirar a imunidade parlamentar. O segundo foi a forma abusiva que escolheu, ao responder a uma deputada por nota oficiosa, na televisão e na rádio, sem direito de resposta. Que conste dos anais, como prova da grande autenticidade democrática do actual presidente do Partido Social-Democrata!
Incompetência e má gestão dos dinheiros públicos parece-me ser, também, o que resulta dos critérios definidos pelo Governo para a construção do Centro Cultural de Belém.
Não nego a importância de semelhante equipamento para Lisboa, mas o local podia ter sido outro, como oportunamente foi sugerido à anterior Secretária de Estado da Cultura. Mas o Governo preferiu, porém, obra de fachada ao