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29 DE MAIO DE 1991 2761

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Cultura, Srs. Deputados: Falando em consonância com o Grupo Parlamentar do PRD, começo por juntar a minha voz às que se insurgiram contra o penumbrismo do processo que obscureceu a transparência devida à suma relevância de uma decisão cujo conhecimento leria de ser considerado imprescindível, nomeadamente para os que fazem e ensinam a linguagem escrita.
A partir daqui, afasto-me do coro de protestos que desabam sobre o Acordo Ortográfico, pois tomam eles um rumo que não se afeiçoa a aspectos positivos que neles são de assinalar.
Assinalou-os, recentemente, uma das mais credíveis opiniões que se fizeram ouvir sobre o polémico texto, pois foi ela proferida por um escritor cuja sapiência, em matéria de língua portuguesa, está consagrada nesse monumento da mesma que 6 a «Casa do Pó». Refiro-me a Fernando Campos. Disse ele: s[...] não tenho a mais pequena animosidade contra a introdução de um elemento de fixação de ortografia do português em todo o seu vasto espaço geográfico». E acrescentou: «Considero que esta unificação não é um factor definitivo porque a língua é um fenómeno acústico, psicológico e social em constante mutação imparável, tendo a ortografia de proceder periodicamente a necessários ajustamentos».

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Tornando-se-me imperioso pôr a ressalva de que este Acordo não oferece uma unificação ortográfica, o que 6 impensável por via administrativa, mas, sim, alterações aproximativas, António Campos coloca o acento nas duas áreas em que entendo que devem ser consideradas as vantagens deste texto de unificações (o plural afeiçoa-se mais ao seu teor) no campo ortográfico luso-brasileiro.
Na primeira área em que me cinjo à reforma, alheando--me do Acordo, o texto satisfaz essa pulsação transformadora da língua, privilegiando acertadamente o critério fonético em detrimento do etimológico. Isto em conformidade com as prerrogativas do sónico, ou seja, da língua como entidade viva.
Com efeito, a significação etimológica só muito raramente se mantém sem alteração, em virtude da instabilidade dos elementos psicossociais da língua. Um tema apaixonante que, petos caminhos da mitolinguagem, nos levaria à glorificação do sónico, comum às velhas teogonias e pelos quais escuto esta palavras de Emst Cassirer: «O conceito de divindade recebe a sua concreta configuração e a sua fecundidade interior através da palavra, pois ao ir surgindo na clara luz da linguagem, deixa de ser um mero esquema e uma sombra.» Isto é, a palavra dá corpo à divindade.
É nesta legítima preferencia dada ao sónico que sobe a fervura do «Aqui d'El Rey que isto é brasileiro», com a eliminação das consoantes mudas, mantendo-se as articuladas (opção, facto), o que só favorece a aprendizagem das crianças e dos alunos estrangeiros do português que o expandem internacionalmente, uns e outros desorientados com a divergência entre a fala e a escrita.
E, já agora, acrescento um elemento que, tendo sido ignorado nesta proposta do Governo e escamoteado petos seus opositores, tive já ocasião de tomar público num debate sobre o Acordo e de o transmitir a António Houaiss que, em boa hora, o divulgou na televisão. Fontes fidedignas no campo da informática deram-me a conhecer que o acto de a mesma palavra, «activado», por exemplo, ter de ser traduzida de uma forma diferente em português e em brasileiro nos laboratórios dos Estados Unidos, tem custos muito elevados, visto que os laboratórios preferem a tradução brasileira porque o mercado é mais vasto e o produto mais vendável.
Ainda na área do predomínio do sónico mas já na vaga do temor da vénia ao Brasil, temor simétrico do que por lá espirrou em fortes doses de rejeição das cedências brasileiras ao acordo -a supressão dos acentos em ditongos de palavras como «ideia» ou «assembleia» e do trema-, salta a recusa da concessão feita ao circunflexo na dupla acentuação gráfica de palavras como «fenómeno/fenómeno», «António/António».
Será a altura de lembrar aos tradicionalistas que estas palavras que, em grande parte, não em todo o Brasil, têm timbre fechado, foram levadas por portugueses oriundos de regiões onde ainda se pronunciam, como na ilha açoriana onde nasci, na qual o povo diz «Antõnho» e não António. E por aqui me fico, porque se fôssemos às variantes da fala do nosso país, chegaríamos à conclusão, democraticamente desconfortável, de que a unificação ortográfica nacional, à luz da prioridade dos direitos naturais da oralidade em relação ao código da escrita, é uma prepotência exercida pelo centralismo linguistico sobre o pluralismo da oralidade.
Mas há que fixar regras, senão cairíamos na «Babilónia» ortográfica. Mas não me venham com o terror do «António» brasileiro, porque esse foi cá gerado e por cá continua. Devem, também, cessar os alarmes levantados pela hifenização, já que a simplificação e a redução das regras do emprego do hífen neste projecto só vem acudir a desorientações provocadas por divergências que os próprios dicionários registam e nos lançam na confusão de já não sabermos onde devemos pôr ou não o hífen.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): -Muito bem!

A Oradora:-Quanto às palavras homógrafas, já há muito o eminente linguista Vasco Botelho do Amaral defendeu, ao bater-se pela eliminação do acento nas esdrúxulas, que o contexto sintético permite claramente distingui-las.
Rematando esta rápida apreciação da reforma ortográfica propriamente dia, remeto os seus adversários para a leitura -já aqui mencionada, mas não devidamente cilada - do 3.B Ternário das Actas do I Simpósio da Língua Portuguesa Contemporânea, realizado em Coimbra, em 1968 - Sr. Secretário de Estado da Cultura, a data conecta é esta. Aí, universidades e cento e tal mestres da língua, portugueses e brasileiros, dos quais, entre Hemãni Cidade, José Pedro Machado (como sabem, autor de um dicionário etimológico em cinco volumes), Lindley Cintra, Paulo Quintada e também, como já foi dito pelo Sr. Secretário de Estado da Cultura, Oscar Lopes e destes, carinhosamente destaco Vitorino Nemésio, esse sacerdote do verbo.
Pois, todos os participantes desse simpósio, reconhecendo os convenientes da unificação de uma ortografia luso-brasileira, avançaram as propostas que se encontram adoptadas no actual acordo, que poderei ler porque tenho presentes as actas que mandei vir de Coimbra.
No que toca aos protestos de editores e livreiros contra o Acordo, cujos prejuízos nos livros escolares e juvenis certamente ocorrerão, terá o Governo de cumprir o compromisso assumido de os dotar com uma verba a fundo