24 DE OUTUBRO DE 1992 113
mos algumas das dúvidas que têm surgido e algumas das coisas erradas que se têm dito sobre o Serviço Nacional de Saúde.
O Sr. Deputado terminou a sua intervenção dizendo que mais perguntas teria para fazer, mas que, face à limitação de tempo, teria de as deixar para outra ocasião. Tentarei então, na minha resposta, fazer uma cobertura geral do tema, respondendo concretamente às três questões que me apresentou.
Este estatuto da Serviço Nacional de Saúde concretiza, como é sabido, os princípios enunciados na Lei de Bases da Saúde, aprovada nesta Câmara em 1990. Não estamos, pois, nem mais menos do que a fazer regulamentação de parte dessa lei de bases.
As linhas de orientação fundamentais deste estatuto são as seguintes: primeiro, a criação de uma nova organização administrativa, através da diferente descentralização dos serviços (irei adiante abordar o problema das administrações regionais de saúde, que referiu); segundo, a criação de um sistema de saúde caracterizado pela integralidade da prestação de cuidados de saúde, sem descontinuidade entre cuidados de saúde primários e cuidados de saúde hospitalares ou secundários; terceiro, a institucionalização de um Serviço Nacional de Saúde tendencialmente gratuito, com co-responsabilização dos utentes pelos encargos de acordo com as suas capacidades económicas e financeiras; quarto, formas alternativas de financiamento do sistema de saúde: quinto, a introdução de formas inovadoras de gestão, através de contratos de gestão, convenções com grupos de médicos e contratos-programa; sexto, novas regras quanto à articulação efectiva entre o Serviço Nacional de Saúde e os órgãos centrais do Ministério; sétimo, a mobilidade do pessoal entre o Serviço Nacional de Saúde e o sistema de saúde, face a uma definição clara, que se tentou introduzir no sistema, do que é que são as áreas de responsabilidade do público e do privado.
O estatuto que agora constitui tema de debate resulta de um trabalho, cuidado e sereno, que vem sendo desenvolvido desde há algum tempo, logo após a publicação da respectiva lei de bases. Significa isto que o documento a que se chegou tem subjacente mais de dois anos de reflexão profunda. Foram obtidos durante este período - devo dizê-lo - vários contributos, oriundos de diferentes correntes de opinião na área da saúde, e também introduzidas, nesta última fase, algumas observações dos próprios parceiros sociais.
A alteração organizativa que foi introduzida ,assenta na divisão do território, única e simplesmente para efeitos administrativos, que nos pareceu a mais adequada e que se aproxima das chamadas NUTS, ou seja, das unidades de nível 2 da nomenclatura de unidades territoriais para fins estatísticos, prevista no Decreto-Lei n.º 46/89, de 15 de Fevereiro.
Temos como objectivo efectivo não o de regionalizar a saúde, mas o de organizar os serviços com maior eficácia, dentro de uma nova filosofia, que há pouco referi, de integralidade de prestação de cuidados de saúde. Nesta perspectiva, surgem unidades de saúde, como forma funcional de articulação entre os serviços prestadores, que pressupõem, sob o ponto de vista organizativo, uma estrutura também ela integrada.
Para além deste aspecto estrutural da maior importância foram estabelecidas medidas que permitem a diminuição da pressão financeira sobre o Serviço Nacional de Saúde. Os objectivos nesta área - respondo agora a uma outra questão colocada pelo Sr. Deputado - são claros: em primeiro lugar, a introdução de medidas de gestão que possibilitem, por ganhos de eficiência do sistema, uma diminuição dessa pressão financeira; em segundo lugar, a diversificação das fontes de financiamento.
Quanto ao primeiro aspecto, consagramos modelos inovadores de gestão das unidades de saúde, que - saliente-se - continuam efectivamente integrados no Serviço Nacional de Saúde. No que diz respeito à diversificação de meios de financiamento da saúde, abre-se a possibilidade de os chamados seguros de saúde garantirem aos próprios utentes a universalidade e a integralidade do direito à saúde. Neste sentido, está prevista a criação do seguro, alternativo de saúde.
Pretende garantir-se, e será o ponto de partida de qualquer das iniciativas, que a concretização do direito constitucional à protecção da saúde seja conseguido basicamente através de um serviço nacional de saúde que continua a ser a referência de todo o sistema.
Assim, o Serviço Nacional de Saúde, enquanto serviço prestador, continuará a ser universal, de livre acesso e tendencialmente gratuito. Importa clarificar a que significa esta expressão, questão que já debatemos nesta Assembleia.
De facto, esta última característica introduz a preocupação de justiça social, presente no Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, quando se prevê que uma parte dos encargos com a saúde seja suportada pelos utentes na medida das suas capacidade económica-financeira, sem que seja posto em causa o acesso aos cuidados, e este é um ponto extremamente importante.
Por outro lado, assumindo como essencial para o sistema de saúde a mobilidade pessoal, estão previstos instrumentos específicos, os quais contêm as soluções desejadas pelos próprios profissionais que, assim, poderão prestar os cuidados de saúde no sector público ou no privado.
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Secretário de Estado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
O Estatuto do Serviço Nacional de Saúde é, de facto, um documento inovador e pretende mudar a saúde em Portugal, embora admita outras concepções possíveis e, como dizia um professor meu, a concepção do mundo e da vida difere em todos nós.
Há muito que a oposição vem reclamando - devo reconhecê-lo - a regulamentação da Lei de Bases da Saúde. Hoje, porque o fizemos, porque se concretizou, efectivamente, este desiderato, acusam-nos também, como foi feito ,ainda há pouco tempo, de o levarmos a cabo «em cima do joelho». Vamos abandonar definitivamente uma certa lógica deficiente e socializante existente no anterior estatuto- isso, para nós, pertence ao passado -, mas devo salientar que aproveitámos o que de válido nele havia. Pela nossa parte, queremos que o sistema garanta a prestação de cuidados de saúde de qualidade ,junto dos utentes com ganhos de eficiência.
Em conclusão, o novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde define e separa a actividade pública da privada por forma a evitarem-se, inclusivamente, os próprios conflitos de interesses, cria mecanismos que permitirão a concorrência entre o sector público e privado com condições para a prática da qualidade, que é uma das nossas grandes preocupações, e, em terceiro lugar, dá ao utente a possibilidade da livre escolha, logo, reforça também por esta via a prestação de serviços de qualidade mas saliente-se que nada impomos porque o utente é que vai escolher o sistema que lhe interessa.