20 DE NOVEMBRO DE 1992 545
orientada, todavia, pela referida noção de crise do Estado nacional, e toda aplicada a desvendar os futuríveis de uma nova ordem internacional sem aquele protagonista. Por exemplo, Robin Wright e Dayle Mac Mances, extremamente inquietos com o anunciado fim da história, que veio dos Estados Unidos, oferecem-nos um livro chamado Flashpoints, traduzido na Europa com o título de Futuro Imperfeito, e que bondosamente formula as «chaves para interpretar um mundo em crise». Tudo a partir da crise do Estado nacional, que, neste caso, como é frequente nos analistas, também abrange casos como o da Jugoslávia, da Checoslováquia e até da extinta União Soviética.
Porque o intuito deste apontamento não é o de fazer longas demonstrações, mas tentar evitar que os equívocos semânticos se agravem e tomem ainda menos claras as opções com que os Portugueses vão ser confrontados dentro de breves dias, sem terem participado excessivamente nos debates, gostaríamos de deixar consignado nas actas da Assembleia que, em nosso parecer, aquilo que está em causa, no mundo a que pertencemos e em cuja gestão não desistimos de participar, é o Estado soberano, é o ocidente dos Estados soberanos, não é a Nação, nem os raros Estados-nações que existem.
Ao contrário, parece um elemento importante desta crise temporal do Estado soberano, o ressurgimento concomitante e evidente das nações e da sua luta contra os constrangimentos dos Estados plurais em que estão integradas, a vários títulos.
Quando, em Julho de 1990, o Kosovo foi proclamado independente por uma assembleia ao ar livre de povo sem distinções de ocupação ou hierarquia social, um jovem e apaixonado escritor e líder político chamado Veton Surroi proclamava que «era um erro a existência da Jugoslávia porque era um país contra a natureza». Seis meses depois, no Quebeque, do outro lado do mundo, 70 % da população apoiava a secessão e a formação de um novo estado.
Mas o fenómeno é o mesmo em todo o território da antiga URSS, na índia, na Nigéria, na Inglaterra, onde não pode já deixar de se acrescentar à questão da Irlanda do Norte as aspirações de Gales e da Escócia; os franceses da Córsega e da Bretanha exibem símbolos que são de intenção mais do que regional.
Por todos, vale a falência da URSS, que representou a tentativa de submeter 104 nacionalidades a uma só soberania, com o projectado novo cidadão soviético a servir de elo do tecido humano.
De facto, são visíveis dois movimentos só aparentemente contraditórios, mas aparentemente contraditórios: a alternativa da desintegração e a alternativa da integração; o movimento em direcção à libertação das pequenas unidades e o movimento em direcção aos grandes espaços formalizados por tratados, e pelo consentimento.
Tal como foi anunciado por Helmut Wagner, da Universidade Livre de Berlim, as pequenas nacionalidades, libertadas dos constrangimentos estaduais do passado, suspiram, suplicam pela oportunidade de pertencer a uniões mais vastas, sem perda da sua indentidade, da língua, da cultura e costumes, nem da capacidade, finalmente alcançada, de gerir os interesses próprios, na medida das suas capacidades.
Como foi notado, «tornar-se membro de uma união maior é um esforço tão profundo e sério como o esforço da desintegração». Por outro lado, gritos como «turcos para a Turquia» ou «a Bulgária para os búlgaros» e conflitos como os dos combates corpo a corpo entre romenos e húngaros, em 1990, reflectem-se em distantes filosofias políticas, por exemplo na Coreia do Sul, onde Lee Hong Koo, conselheiro político da presidência, concluiu que «a comunidade está a ganhar importância e o Estado está a perder importância».
Em suma, multiplicam-se os casos das nações ou grupos étnico-culturais em revolta contra o Estado, atacando a validade da definição do seu instrumento opressor que é a soberania. A verdadeira lei da complexidade crescente que se vai revelando é a da articulação da multiplicidade crescente dos centros de decisão e da convergência delas para o encontro em unidades superiores que supram a crise do Estado soberano, do ocidente dos Estados soberanos e não da Nação ou do Estado-nação. É o Estado que se pretende que seja outro, não é que a Nação ou a comunidade abdiquem.
Quando uma comunidade como a nossa tem a natureza, em face do mundo, de comunidade nacional, o reconhecimento da crise mundial dessa criatura que foi o Estado de soberania absoluta é um primeiro passo lúcido no sentido de preservar a Nação e os seus valores, um afã que tem de chamar-se nacionalismo, por muito que outros abusem dos sentidos possíveis da palavra e, neste sentido, as Grandes Opções do Plano não admitem equívocos. As Grandes Opções do Plano falam de mais mundo e não apenas da Europa.
Quando da ratificação do Tratado de União Política é da soberania que nos ocuparemos, é do destino do ocidente dos estados soberanos que estaremos a cuidar. O texto das GOP, ao fixar um conjunto de objectivos relacionados com a função de Portugal no mundo, para além da Europa unida, e com autonomia no espaço atlântico, no Brasil, na África e no Oriente, também obriga a meditar sobre a soberania, não agora pelo que toca à sua definição formal, aos planos de co-gestão e às áreas de transferências de competências inerentes às integrações em grandes espaços institucionais como a União Política, mas concretamente pelo que respeita às capacidades efectivas que estão ao dispor do Estado Português.
Os recursos, medidos pelas dotações orçamentais, ficam certamente muito aquém dos sonhos. Basta comparar a dimensão do aparelho diplomático com o projectado, para admitir que a renovada tentativa de definição de um conceito estratégico nacional ultrapassa muito aquilo que vai necessariamente ser um conceito estratégico do Governo. Não há, porém, mal na distância para os que acreditam que o projecto nacional não está vinculado às possibilidades e à vida de um governo. Todavia, num dos aspectos importantes do documento que diz respeito à investigação na área da ciência e da cultura, queremos reeditar uma proposta antiga, que é a da criação de um ministério da ciência e da tecnologia, dispensando a existência de outros para que não se diga que se promove mais Estado. Aqui trata-se, obviamente, de querer melhor Estado, numa área em que temos capacidade para ser o pólo de referência da vasta área da língua portuguesa e onde a coordenação de recursos humanos e materiais, a luta contra o duplo emprego e desperdícios e a busca da qualidade, terão vantagem em dispensar os protagonismos dispersos.
Também aqui a lei da complexidade crescente teria aplicação, conciliando a linha da libertação das pequenas unidades e da criação desinteressada com a coordenação das autonomias, à luz de uma visão geral do panorama, onde a intervenção da comunidade científica ficaria assegurada a todos os níveis.