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1 SÉRIE-NÚMERO 18
fado argumento da perda da soberaufa veio ìa baila, e escrevi entIao o seguinte: «Antes de mais, entemlauno-nos quanto ao verdadeiro significado do termo independência quando aplicada à política externa. O mundo moderno evolui no sentido de cada vez mais os Estados-nações delegarem certos atributos da soberania em organizações mais vastas. Ao aderir ao Conselho da Europa, ao aceitar a competência jurisdicional da Comissão e do Tribunal dos Direitos do Homem de Estrasburgo para julgar casos ocorridos em Portugal, ao decidir fazer parte da NATO, ao propor-se assumir as obrigações decorrentes do seu ingresso na CEE, o nosso país, como os restantes que fazem parte destas organizaç(5es, renunciou voluntariamente a uma parcela da sua soberania própria das nações independentes - o mesmo ptxlerá dizer-se, porque ocorreu posteriormente, à ratifcação de Portugal do Acto único. Do mesmo mulo, há uma certa limitação da soberania, que é admitida por todos os países e que tem como compensação outros benefícios de que em seguida talarei.»
Mas já que estou em matéria de citações, permitam-me que cite também Sá Carneiro, porque ele foi um dos Deputados que mais se bateu aqui pela adesão de Portugal à CEE em 1977. Quando ele estava num dosseus discursos, um Deputado comunista interrompeu-o e disse: «A adesão à CEE vai representar a perda de soberania portuguesa, a perda da independênc;-ia.» E Sá Carneiro imediatamente replicou nestes termos: «Na vida actual, nenhum povo ou nenhum bloco pode viver isolado. U internacionalismo é grave - isso, sim, seria lesivo da independência nacional - quando leva al tese de aceitação da soberania limitada como aquelas que legitimaram a invasão de Praga em 1968. Não quando, na perspectiva democrática, se não reduz a aceitátÇo do intenaacionaalismo dentro de uru só bloco, mas do intervacionalismo entre peses livres. Não há, pois, na adesão al CEE, qualquer contradição ou qualquer ofensa ã independência nacional, aos interesses do nosso' povo; há sim uma correspondência dos interesses de um Portugal derncKrático com os interesses harmonizados dos povos de uma Europa demoCïátlca.»
Ora, estas ideias têm plena aplicabilidade no caso presente. Há essa conjugação dos interesses do Portugal democráticxo com eras interesses de uma, Europa constituída por países democráticos e que, em comum, entendem que pulem fazer frente mais facilmente ruis grandes desafios da épaca actual, que são ainda muito mais graves que no tempo de Sá Carneiro.
A quesTo que se põe não é, portauato, a de saber se a ratificação do Tratado de M:aaastricht implica ou não a paartilha de uma parcela de soberania com Bruxelas - que necessariamente ocorre - mas sim se essa Ixartillraa se justifica por ser compensada por vantagens irnportaurtes. Ora, é isto precisamente o que acontece:- Portugal, -ao ratilicaar o Tratado de Maastricht, passa, através da sua posição comunitária -sobretudo no Conselho Europeu e no Conselho de Ministros, onde as principais decisões, designadaamente sobre política externa, são tomadas por unanimidade -, a ter uma, capacidade de intervenção na cena internacional que, enquanto país isolado, irão estaria de mcxlo algum ao seu alcance. Por outro lado, se se recusase a ratificação, Portugal, embora impante de soberania, regressaria à maarginaalizaação internacional em que viveu antes do 25 de Abril, quando o estar «orgulhosamente sós» era um título de glória nacional.
Por outro lado, importa, ainda ter presente que, pelo facto de a Comunidade Europeia passear ater uma política
externa própria, cada, país membro não deixa de ter a sara própria política externa. Assim, e antes de mais, a política externa de cada Estado membro não será partilhada na sua totalidade com a Comunidade Europeia. Muito ao contrário, só certas áreas dessa política externa serão objecto dessa partilha, sendo certo que os restantes continuarão a ser exclusivos de cada Estado. A garantia de que assim é resulta do facto de os assuntos que passarão a ser objecto da política externa, da União Europeia deverem ser objecto de decisões tomadas por unanimidade, o que significa que cada país membro poderá reservar para si-recusando-se a transferi-nos para a política externa comunitária - os domínios que entender. Exemplificando: Portugal, se quiser, pcxlera continuar a ter a sua política externa própria relativamente aos países africanos de expressão portuguesa, a Macau, a Timor Leste ou a qual= quer outro.
Importa ainda aqui observar que a política externa da Unido Europeia será exercida não só através da cooperação, da assunção de posições comuns, que também já acontecia tio paaesaado, irais sobrétudo por via das chamadas acções comuns, as quais, nos termos do n.º 1 do artigo J.3 do Tratado, deverão ser decididas por unanimidade. Mas, mesmo depois de adoptada por unanimidade uma acção comum, cada país membro pode exigir que, no seu desenvolvimento, certos domínios sejam decididos, não por maioria qualifcatkt, mas também por unanimidade. Um outro exemplo ilustrando esta possibilidade: se, ptmrentura, fosse acordado por unauairnidade que a União Europeia poderia empreender acções comuns na África Austral, Portugal poderia exigir que elas não envolvessem, por exemplo, intervenções armada.
Só a partir deste nível já avançado do processo decisório, quando a acção comum decidida por unanimidade já está desencadeada e em desenvolvimento passará a jogar a regra dai maioria qualificada prevista no n.º 2 do artigo J.3. Exemplificando de novo, porque o Tratado é de difícil apreensfao e talvez pt)ssa assim contribuir para o clarificar: se o Conselho, baseado em orientações gerais do Conselho Europeu, decidisse por unanimidade empreender uma acç-ao comum relativamente ã Jugoslávia e tivesse - também por unanimidade - resolvido que essa acção comum seria uma intervenção armada, definindo, taunbérn por unanimidade, o seu âmbito, a partir daí, qualquer decisa.Io seria tomada por maioria qualificada, dispenBando-se por isso que, numa situação urgente, seja necessário perder tempo a negociar consensos, como actualmente acontece. Portaualo, só a partir deste nível já muito inferior do processo decisório é que a maioria qualificada intervem.
Acrescente-se que, para reforçar a capacidade de intervenção externa da União Europeia, impedindo blcxiueaamentos relativamente a decisões que exigem a unanimidade - que são as mais importantes -, uma declaração anexa ao Tratado exorta, sem impor, os Estados membros a, na medida do possível, não impedirem a formação dessa unanimidade.
Foi assim possível conseguir um equilíbrio razoável entre aa necessidade de a União Europeia ter a sua própria política externa, lraabilitando-a a dispor de uma voz única lia cena mundial e a actuar com operacionalidade e a possibilidade de cada Estado membro poder, por um lado, contribuir para essa voz única comunitária e, por outro, ter a sua, própria política externa nos sectores que entender reservar parra si.