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1460 I SÉRIE - NÚMERO 40

Desejo, isso sim, que nesta Casa e neste país, onde nos orgulhamos legitimamente do nosso sistema de defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, se fale das mulheres e crianças europeias como nós que na Bósnia são sujeitas a violações com todos os requintes de crueldade e de humilhação, das detenções em sinistros locais especialmente destinados a violações múltiplas e em massa, das inúmeras mortes que ocorreram durante e após as violações, das gravidezes e dos partos forcados a que muitas delas foram conduzidas, da terrível situação em que nestas condições um número indeterminável de crianças veio e virá ao mundo.
Proponho, assim, que tomemos consciência de que não em paragens longínquas, não em civilizações distantes, não em anos recuados, mas aqui na Europa do fim do século XX, cidadãos europeus se maltratam da forma mais primitiva, guerreando entre si, como alguém disse, «através dos corpos das mulheres, das filhas e das mães dos seus inimigos».
Há muito que se tinha conhecimento de que as inúmeras violências praticadas na ex-Jugoslávia incluíam violações frequentes de mulheres e de que abusos sexuais de toda a ordem vitimavam jovens, adultos, crianças e idosos entre vários dos povos que a compõem.
Em 11 de Setembro de 1992, o Comité de Ministros do Conselho da Europa exprimia «a sua mais viva inquietação face ao conflito da antiga Jugoslávia onde são violados quotidianamente, com a maior brutalidade, os direitos humanos e os outros princípios da Organização, causando sofrimentos indescritíveis no plano humano». Condenava a «purificação étnica» que «lembra os momentos mais sombrios da história da Europa» e insistia em que parassem imediatamente a «expulsão forcada, a deportação, as tentativas de mudar pela força a composição étnica das regiões assim como a detenção ilegal».
Veio-se entretanto tomando consciência de que o que se passa mais concretamente na Bósnia, e contra as populações muçulmanas, parece exceder tudo o que é imaginável.
Face a múltiplos testemunhos, o Conselho Europeu de Edimburgo, que, como estamos recordados, ocorreu nos dias 11 e 12 de Dezembro passado, emitiu uma declaração sobre o tratamento de mulheres muçulmanas na antiga Jugoslávia. Declarou-se o Conselho profundamente consternado «pela detenção e violação sistemáticas de mulheres muçulmanas». E continua a declaração: «O Conselho Europeu condena veementemente estes actos de inqualificável brutalidade, que se inserem numa estratégia deliberada para aterrorizar a comunidade muçulmana da Bósnia-Herze-govina, destinada a alcançar o objectivo da depuração étnica.» E promete: «Os responsáveis por todas estes crimes contra a humanidade responderão pessoalmente por eles perante a justiça.»
Exigiu ainda o Conselho Europeu que todos os campos de detenção, «e em especial os campos para mulheres», fossem imediatamente encerrados e que fosse garantido o acesso aos mesmos às organizações humanitárias. Prometeu que outros tipos de ajuda às vítimas seriam favoravelmente estudadas e decidiu o envio de uma delegação para investigar a situação, «em nome da Comunidade e dos seus Estados membros», e relatar aos Ministros dos Negócios Estrangeiros. Finalmente, pediu à ONU que apoiasse a missão.

A Oradora: - Aliás, logo no dia 18 de Dezembro, o Conselho de Segurança, igualmente «consternado por relatórios sobre as massivas, organizadas e sistemáticas detenção e violação de mulheres, em particular de mulheres muçulmanas, na Bósnia-Herzegovina», apoiava a iniciativa do Conselho Europeu de enviar uma missão e determinava que lhe fosse prestada toda a ajuda. A referida missão teve lugar entre os dias 18 e 24 de Dezembro de 1992 e deslocou-se a Zagreb. Era formada por Anne Warburton, Simone Veil e peritos em domínios relevantes.
Apesar de grandes dificuldades em obter números exactos, a missão conseguiu dados e testemunhos que julgou credíveis e que confirmaram as informações iniciais. Adquiriu as seguintes convicções:
Que um número aterrador de mulheres muçulmanas tinha sofrido violação e que tal prática continuava, sendo então razoável supor que já havia à volta de 20 000 vítimas;
Que pelo menos parte das violações eram cometidas de forma particularmente sádica para inflingir às vítimas a máxima humilhação, tendo muitas mulheres, em particular crianças, morrido durante ou após as violações;
Que múltiplas violações foram praticadas contra mulheres detidas em campos ou em pequenos centros localizados em casas, restaurantes, postos de polícia, etc., muitos deles especificamente destinados a esse fim;
Que, sendo impossível avaliar quantas gravidezes resultaram das violações, muitas das mulheres não desejavam conservar os filhos concebidos em tais circunstancias, o que levanta a questão da adopção;
Que era uma característica repetida dos ataques sérvios a cidades e aldeias muçulmanas o uso ou a ameaça da violação como arma de guerra para forçar a população a abandonar as suas casas, existindo prova de que estas e outras acções semelhantes fazem parte de uma estratégia expansionista;
Que a violação é parte de um padrão de maus tratos conscientemente usado para aterrorizar as comunidades e é assim em si própria instrumento de uma estratégia deliberada.
A missão recomendou que uma nova expedição completasse o seu trabalho e que fosse mesmo à Bósnia. Sugeriu uma séria de acções, nomeadamente no domínio da assistência médica e humanitária, da facilitação de vistos e de acolhimento por parte dos países da Comunidade e da necessidade de preservar e recolher as fontes de informação sobre o que se estava a passar.
A segunda fase da missão teve lugar entre 18 e 26 de Janeiro, primeiro de novo em Zagreb e depois na Bósnia-Herzegovina. Dela fez parte, em Zagreb, a Dr.ª Regina Tavares da Silva, que me forneceu dados e relato do que viu e ouviu. O relatório desta segunda fase, bem como um outro da Amnistia Internacional datado de 21 de Janeiro, mantém as informações anteriores.
Os inúmeros contactos e o acesso a testemunhas directas confirmam e fundamentam o que já fora averiguado na primeira fase da missão. A violação de mulheres e crianças, a partir dos seis/sete anos, inclui-se num contexto de múltiplas atrocidades e com elas origina - quando não a morte - sofrimentos inimagináveis a carecerem absolutamente de ajuda especializada de toda a ordem.

O Sr. Carlos Coelho (PSD); - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!