1490 I SÉRIE - NÚMERO 41
Visto não haver objecções, dou por aprovados os respectivos números do Diário da Assembleia da República.
Srs. Deputados, vamos passar à apreciação dos projectos de lei n.ºs 148/VI (PS, PCP, CDS e Os Verdes) - Estatuto do cooperante e voluntário das ONGD, e 263//VI (PSD) - Estatuto das Organizações não Governamentais de Cooperação para o Desenvolvimento.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes.
A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputadas: Na base do agendamento de hoje estão duas propostas de legislação entregues à Comissão de Negócios Estrangeiros pela Plataforma Nacional das Organizações não Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD), em Maio de 1991.
Começamos por saudar essa iniciativa, vendo nela uma expressão da vitalidade dessas organizações e, simultaneamente, um apelo a um maior reconhecimento por parte dos poderes públicos em relação ao trabalho que têm vindo a realizar.
Decorridos quase dois anos desde essa data, devemos uma palavra de esclarecimento à Plataforma Nacional das ONGD sobre as razões da demora com que respondemos ao seu apelo.
Era vontade nossa - e das organizações proponentes - que a iniciativa legislativa, decorrente das propostas apresentadas, fosse comum a todos os grupos parlamentares. Ora, só em Julho de 1992 o PSD deu o seu aval ao projecto, lei sobre a Estatuto das Organizações não Governamentais para o Desenvolvimento e só ontem deu a conhecer à Comissão o seu projecto próprio de legislação sobre a mesma matéria.
O estatuto do cooperante e voluntário proposto pelas ONGD deparou ainda com maiores dificuldades.
Em Julho passado, o PSD anunciou à Comissão a sua intenção de apresentar a esta Câmara um projecto de carácter global sobre o estatuto do cooperante, no qual se enquadraria a situação particular dos cooperantes e voluntários das ONGDE. Esse projecto ainda não foi entregue. Continuamos a aguardá-lo com expectativa, lamentando que um tão longo período de tempo não tenha sido suficiente para que o seu agendamento se fizesse também hoje, como esperávamos.
Pela nossa parte, esforçámo-nos, consistentemente, ao longo deste período, para que as propostas das ONGD fossem aprovadas por consenso. Introduzimos e aceitámos alterações. Clarificámos conceitos e mecanismos de aplicação. E agora, resta-nos desejar que as novas propostas do PSD não sejam motivo para novos atrasos.
O papel das ONGD na cooperação é demasiado importante para se tornar prisioneiro da lenta conciliação de interesses a que sucessivas consultas ministeriais parecem querer subordiná-lo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados. A matéria legislativa hoje em debate implica, por parte de todos nós, o reconhecimento do papel que as ONGD desempenham nas sociedades do nosso tempo. Considero, por isso, oportuno recordar aqui, em largos traços, as grandes etapas que marcaram o movimento ONGD na Europa das últimas décadas.
Remete-se habitualmente a origem da cooperação voluntária ou da ajuda benévola ao desenvolvimento para o início dos anos 60 - altura em que as Nações Unidas decretaram a Primeira Década Mundial do Desenvolvimento. Na realidade, porém, as suas raízes mergulham mais longe, remontam aos anos distante em que missionários recrutavam auxiliares leigos para os acompanharem na sua obra de evangelização e educação das populações dos territórios ultramarinos, onde se instalavam.
A década de 50 vê surgir nos Países do Norte as primeiras equipas de voluntários que prestam serviços de vária ordem nas então colónias desses países.
Mas é efectivamente, nos anos 60, marcados pela luta pela independência dos povos colonizados, que se opera a nível internacional a tomada de consciência das desigualdades mundiais que está na base da mobilização de grupos de cidadãos para a ajuda ao Terceiro Mundo.
Surge, assim a primeira geração de organizações não governamentais preocupadas em desenvolver programas de assistência humanitária e técnica em países e territórios subdesenvolvidos. Na Europa e na América do Norte, grupos significativos de cidadãos organizam-se para pôr de pé esses programas: angariam fundos; formam voluntários; instalam no terreno hospitais; escolas, projectos de acção social e comunitária.
Essas formas de ajuda mantêm-se ao longo da década de 70, mas as suas premissas passam a ser outras. Feito o balanço do trabalho realizado, cresce a convicção de que o que está em causa é o modelo de desenvolvimento e não apenas a reparação dos seus estragos. As ONG, empenham-se, então, em chamar a atenção da opinião pública dos seus países, para a injustiça das relações internacionais, ao mesmo tempo que se esforçam por desenvolver no terreno acções de consciencialização cívica e política, tendentes a formar e apoiar as comunidades locais. Exemplo desse tipo de actuação foi entre nós, a actividade desenvolvida pelo CIDAC nas então colónias/portuguesas no período imediatamente anterior à Revolução de Abril.
É essa, pois, a tónica da chamado Segunda geração de organizações não governamentais para o Desenvolvimento. Os efeitos da sua acção, são bem conhecidos, quer em África, quer na América Latina, as ONG dos Países do Norte desempenharam um papel preponderante na formação das primeiras gerações de leaders, que vieram a assumir responsabilidades políticas e sindicais nos respectivos países.
Nos anos 80, o panorama é já outro o agravamento dos desequilíbrios mundiais conduz as ONGD a uma nova revisão das suas finalidades e estratégias de intervenção. Porque esses desequilíbrios são estruturais, as ONGD reconhecem que a sua acção terá de ser, cada vez mais, conjugada com os programas governamentais de acção humanitária e cooperação para o desenvolvimento.
Surgem então os agrupamentos da ONGD, que conjugam os seus esforços em domínios específicos, ao mesmo tempo que reforçam a sua representatividade, procurando negociar com os governos e instâncias intergovernamentais o seu espaço próprio de intervenção. Surge também, sobretudo no fim da década, a noção de que os projectos de cooperação devem realizar-se em termos de «partenariado» com organizações locais, o que aumenta as condições de inculturação da ajuda externa, assegurando-lhe, simultaneamente, uma maior continuidade.
Por outro lado, a vertente dominante da cooperação volta a ser mais técnica do que política. Se existe uma terceira geração de ONGD, ela é a do «técnicos sem fronteiras», de que os médicos são entre nós, a versão mais conhecida. Trate-se de jovens recém-formados, de técnicos recrutados às empresas ou serviços ou ainda de cidadãos já em situação de reforma, o ponto de partido é o mesmo: cabe-lhes realizar missões de reforma, o ponto de partida é o mesmo: cabe-lhe realizar missões bem específicos em