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2802 I SÉRIE - NÚMERO 87

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, vou tentar responder com frontalidade às questões que colocou.
Em primeiro lugar, é necessário esclarecer com rigor o que se entende por privacidade dos políticos.
Para começar, penso que há uma esfera inatingível na pessoa, que é a da intimidade. Sob a esfera da intimidade podem apenas fazer-se julgamentos de carácter, mas estes implicam também o julgamento do carácter de quem faz o julgamento. Portanto, esta é uma esfera sobre a qual, em bom rigor, não é possível definir um interesse público, particularmente quando diz respeito à área intrínseca dessa esfera íntima.
No que diz respeito à esfera privada, à privacidade, nunca contestámos a existência de um critério para interferir na esfera privada dos políticos. Simplesmente, esse critério é o do interesse público. Ou seja. pensámos, obviamente, que se houver razões de interesse público para violar - situação que relativamente a um cidadão comum não se colocaria - um direito à privacidade, esse interesse público justifica essa violação.
Agora, julgo que é necessário - e penso que falo não só por mim mas por muitas pessoas, e não apenas pelos políticos, porque este é um problema genérico, cada vez mais dos cidadãos, que, por qualquer motivo, são apanhados nas luzes da ribalta, às vezes pela pior das razoes, por ter havido um acidente, um crime ou qualquer outra coisa, que levou ao aparecimento do seu nome nos jornais -, no entendimento que fazemos dos direitos humanos, transmitir a ideia para o conjunto dos cidadãos de que há uma preservação desse espaço íntimo e da privacidade - e os senhores do CDS, pertencendo a um partido personalista, que, até do ponto de vista filosófico, defende uma ideia da pessoa humana de tradição cristã e católica, mas também kantiana -, que, não havendo razões de interesse público, não deve ser violado. Se nós admitirmos a indiscriminada intervenção nesse espaço, estamos a diminuir-nos a nós próprios.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Mas está em crise?

O Orador: - Está em crise, mas nem sempre pelas melhores razões.
Sempre pensei que se nós não tivermos uma noção da nossa própria dignidade, ninguém a tem por nós. E penso que essa é uma obrigação que devemos ter.
Isso nada tem a ver com o justo e legítimo escrutínio público, particularmente nas hipóteses que referiu, no caso de haver obviamente uma contradição entre os interesses privados e os públicos ou uma subordinação daquilo que deviam ser os interesses públicos aos privados. Aí não há qualquer espécie de problema: com certeza que, nesse caso, é legítimo fazer essa intervenção.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Gostaria apenas de saber se estas iniciativas e as palavras que aqui foram proferidas alguma vez puseram em causa o que o Sr. Deputado diz. E que concordo inteiramente com o que está a dizer.

O Orador: - Estou esclarecido, Sr. Deputado.
Em relação ao segundo aspecto, insisto - porque esse é um aspecto que tem gerado alguma controvérsia - que a escolha do Tribunal Constitucional, e não do Tribunal de Contas, nada tem, do nosso ponto de vista, de conjuntural. Tem a ver, sim, com a ideia de que é necessário preservar no ordenamento da lei o princípio de que os partidos são instituições privadas e não «braços» do Estado; e, enquanto instituições privadas que exercem uma função essencial na estrutura de uma democracia, eles devem, na estrutura da lei e do Estado, estar subordinados a uma instituição, ela própria também com a marca original da legitimação democrática, exactamente para não haver essa redução.
Quanto aos argumentos que afirmam que o Tribunal Constitucional não tem condições, devo dizer claramente que têm de lhes ser dadas.
É evidente que se se atribui uma função, tem, como é óbvio, de dar-se ao Tribunal Constitucional condições para exercê-la.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, devo dizer que a primeira pane do seu discurso foi extremamente interessante e merece o nosso acolhimento, enquanto discurso de natureza filosófica, referenciado a uma matriz republicana e laica com a qual estamos de acordo. E gostaríamos que esta matriz e essas referências sobre a separação entre o direito e a moral tivessem um eco bastante no seu partido. Também somos daqueles que pensam que tudo o que é da moral não tem a ver com o direito; o direito são regras, são cumpridas, e as regras da democracia são regras de direito.
Gostaria, no entanto, de colocar-lhe as minhas dúvidas noutro terreno, e essas existem quando o seu discurso faz o voo ou se aproxima das questões concretas. Há um ponto onde parece haver uma dissonância, embora ela não possa ser explicitada em função daquilo que o senhor disse, que é a questão das compatibilidades. É porque o seu discurso pareceu ser extremamente permissivo quanto às compatibilidades e quanto a um possível carrocei entre representações de interesse público e representações de interesse privado e nós gostaríamos que assim não fosse.
Relativamente à questão da vida privada e vida íntima, a que aludiu, também estamos de acordo com o que referiu, deixado, no entanto, muito firme a ideia de que a intimidade é intangível, mas já quanto à privacidade há uns que são mais privados do que outros. Naturalmente, a privacidade dos políticos, dos jornalistas com notoriedade pública, dos desportistas e das estrelas de cinema é menor do que a privacidade do cidadão comum, no que todos estamos de acordo.
No que respeita à questão do Tribunal de Contas e dos partidos políticos, a nossa discordância e oposição é total, porque o Sr. Deputado parte de duas premissas que, em nosso entender, são absolutamente erradas.
A primeira dessas premissas é a de que os tribunais de contas apreciam só contas públicas, quando a verdade é que apreciam a utilização de todos os dinheiros públicos e já, um pouco por toda a Europa, também contas privadas. A tese de «tribunal de contas = contas públicas» constitui um erro e parte de uma visão arcaica.