13 DE OUTUBRO DE 1993 3303
fixação nos números que não o domínio dos números aí estão os 450 milhões de buraco orçamental para lembrar a diferença -, significou insensibilidade e indiferença para com as pessoas, desespero e desatenção pelos recursos e pelas políticas de solidariedade, pelos próprios recursos morais da comunidade.
É que, sob o reinado do discurso da modernização e do sucesso, afinal, cerca de dois milhões de portugueses não saíram da faixa de pobreza, não acederam aos recursos necessários para satisfazer as suas necessidades elementares e, desses, um décimo conhece a fome. A velhice empobrecida e a pobreza infantil - os pobres tradicionais e os novos pobres - são chagas abertas da sociedade portuguesa que a «democracia de sucesso» não sarou e de que não se ocupou.
Num país que tem recebido mais de 1,5 milhões de contos por dia da Comunidade regressou a angústia do desemprego e do seu espectro. E ofendem-se os 335 000 desempregados dos números oficiais a todos os trabalhadores que enfrentam hoje o espectro do desemprego quando se anuncia como uma meta de sucesso até ao final do ano, no âmbito do PDR, criar um número de empregos, afinal, equivalente ao número de desempregados que, em quatro meses, se inscrevem nos centros de desemprego.
Em balanço de fim de estação, saltam à vista os resultados de uma gestão que conduziu, através da ruína e do desmantelamento da actividade agrícola e da ausência de um política de desenvolvimento rural e de regionalização, ao abandono e desertificação dos campos, concentrando as pessoas e os problemas na periferia de Lisboa e do Porto.
O desenraizamento, a desinserção, a desordem urbanística, a habitação degradada, o subinvestimento nas áreas suburbanas são o caldo de cultura em que se desenvolveu um profundo mal de viver nas grandes cidades e, sobretudo, à sua volta. É nessas áreas de chegada dos que fogem a um mundo a que foram expropriadas as perspectivas que se concentra hoje 60% da criminalidade mais expressiva dos tempos da crise.
A exclusão arrasta marginalidade, traz novas condições para a progressão da droga e do crime, a crise desenvolve-as. Nas zonas onde se concentram encerramentos de fábricas e se formam bolsas de desemprego não admira que cresçam hoje os índices de criminalidade.
Para as comunidades imigrantes e as minorias étnicas nacionais, afectadas pela discriminação e pela degradação, a insensibilidade conduziu à omissão de uma política de integração que prevenisse fantasmas e salvaguardasse a dignidade das pessoas, a começar pelas próprias crianças. Neste caso, o saldo resumiu-se a um tardio exercício político em que se procurou um bode expiatório em sede de ordem pública como substitutivo para a política de integração em falta.
De costas para os pobres, para os excluídos, para os marginalizados, para os esquecidos do sucesso, o governo procurou fazer inculcar localmente uma espécie oficiosa de chamada «cultura do contentamento». Mas o que se desenvolve hoje na sociedade portuguesa é um sentimento de insegurança, alimentado pela crise, pela persistência de graves carências e desigualdades, pela ausência de políticas económicas à altura dos problemas, por sistemas sociais degradados e sem respostas e, sobretudo, pela desconfiança e perda de horizontes associada a uma fórmula governativa que se esgotou.
Cresce também um sentimento de perda e de corrosão dos valores morais, próprio de todos os fins de ciclo, sentimento que a percepção generalizada dos sinais das práticas de corrupção e de clientelismo incute, afectando e diminuindo os próprios recursos morais da comunidade, afinal, essenciais para a coesão social.
Há duas maneiras de dar resposta a estes sentimento: uma, cinge-se ao tratamento dos sintomas, a uma terapêutica de superfície quando não se fica por uma diversão rumo a providenciais temáticas de fuga e de desresponsabilização, outra, consiste em cuidar não apenas dos sintomas mas também, e em primeiro lugar, das causas.
Foi por ser esta a nossa preocupação e a nossa postura, por estarmos preocupados a sério também com as causas, que o PS levou hoje a efeito um colóquio parlamentar sobre a crise económica, o desemprego, a pobreza, a exclusão, a insegurança e a criminalidade. No Outono, há que pensar nas estações seguintes!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputados Rui Carp.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, começo por dizer-lhe que o seu partido tem pouco de santo, muito menos de St.º Agostinho, para decidir acerca do bem e do mal. Quem decide...
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É o Dr. Fernando Nogueira!
O Orador: - ... é o cidadão nas eleições legislativas.
Começo por abordar este último ponto: como V. Ex.ª falou em corrupção, perguntava-lhe de novo se já está a vossa bancada em condições de responder a uma pergunta a que, na altura em que a formulei, não obtive qualquer resposta qual é a vossa atitude face ao comportamento do presidente da Câmara Municipal da Nazaré? Era interessante sabê-lo porque, até agora, registo um descarado encobrimento das vossas posições.
Quanto àquilo que o Governo tem estado a fazer, coloco-lhe outra questão: confirma V.Ex.ª notícias que têm vindo a lume segundo as quais o vosso secretário-geral tem aconselhado aos socialistas que compõem a direcção de uma das centrais sindicais que tem reunido com o Governo para, em condições algumas, chegar a acordo em sede de concertação social?
É que VV. Ex.ªs , que se reclamam de valores como o da solidariedade, o da generosidade e o do voluntarismo, consideram que é correcto resolver um problema magno em toda a Europa - o do desemprego - através da violência social, do confronto social e não através da solidariedade e da concertação social. Conhecem VV. Ex.ªs algum economista idóneo que tenha a coragem ou a insensatez de defender aumentos salariais elevados garantindo, ao mesmo tempo, postos de trabalhos?
Respondam os Srs. Deputados do PS a estas questões porque, sem respostas claras e objectivas, VV. Ex.ªs não abandonam o discurso que habitualmente fazem o da demagogia, o da crítica fácil sem soluções, o da insensatez. No fundo, quando os portugueses decidem - e já o fizeram sobre o bem e o mal! -, punem-vos, o que sucedeu em três eleições legislativas, duas das quais o meu partido ganhou por maioria absoluta, situação que, aliás, vai repetir-se nas próximas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, num minuto cedido pelo PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS) - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Carp, não foi o meu partido que trouxe a problemática do bem e do mal para a vida política!
O Sr. Rui Carp (PSD): - Já o sabíamos!