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4 DE FEVEREIRO DE 1994 1155

do Estado em 1993. Aqui, à última hora, no debate na especialidade, o Grupo Parlamentar do PSD introduziu uma autorização legislativa para diminuir o valor das pensões de aposentação para os trabalhadores mais recentes da Administração. Fugindo ao necessário debate público, que deveria ter sido promovido por esta Assembleia da República, o PSD substituiu-se ao Governo e apresentou mais uma proposta lesiva dos direitos dos trabalhadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política salarial deste Governo é incoerente, absurda e vai conduzir a uma perda brutal do poder de compra e ao aumento do desemprego. A mesma só pode ser justificada com base numa estratégia puramente eleitoral de apertar o cinto em 1994 para criar uma falsa bolha de prosperidade em 1995, ano das eleições legislativas, e está a conduzir ao agravamento da conflitualidade social e à desmotivação dos trabalhadores em geral e em particular dos trabalhadores da Administração Pública. Em vez de melhorar o funcionamento da Administração, paralisa-a, mesmo em áreas fundamentais como a administração fiscal. Se o Governo se preocupasse mais no combate à fraude e à fuga aos impostos, encontraria aí recursos muito superiores aos necessários para um aumento justo que garantisse, pelo menos, que não haveria perda do poder de compra em 1994, ou seja, um aumento de 6 %.
Tal poderia assim ser feito sem agravamento do défice do Orçamento do Estado. Também esta política não vai beneficiar a competitividade das empresas privadas. Só uma visão do passado pode apostar em manter essa competitividade à custa dos baixos salários, esperando fazer de Portugal a Singapura da Europa.
No entanto, há um modelo social europeu a preservar. E, por isso, no Conselho Europeu de Bruxelas de 10 e 11 de Dezembro passado concluiu-se, com a participação do Primeiro-Ministro português: «Os ajustamentos necessários não devem pôr em causa o nosso modelo de sociedade, assente no progresso económico e social, num nível elevado de protecção social e na melhoria constante da qualidade de vida. A solidariedade deve manifestar-se, em primeiro lugar, entre os que têm trabalho e os que não têm; uma forma de manifestar esta solidariedade consiste em afectar prioritariamente uma parte dos ganhos de produtividade ao investimento e à criação de postos de trabalho, nomeadamente através de uma política de moderação salarial». Veja-se bem: moderação salarial entendida como repartição dos ganhos de produtividade, garantindo assim a não perda do poder de compra, com crescimentos salariais acima da inflação.
Do mesmo modo no Livro Branco Sobre o Crescimento, Competitividade e Emprego e que não pode ser acusado de muito progressista, aprovado por Portugal no mesmo Conselho Europeu, se afirma expressamente: «Nem a redução drástica dos salários nem cortes dramáticos na protecção social para nos alinharmos com os nossos concorrentes dos países em vias de desenvolvimento: socialmente inaceitável, politicamente indefensável, esta solução apenas iria agravar a crise diminuindo a procura interna a qual é, por si só, um factor de crescimento e de manutenção dos postos de trabalho».
Nos custos das nossas empresas pesam mais os encargos financeiros do que os salários. É necessária uma política monetária e cambial que conduza ao abaixamento desses encargos por via da diminuição das taxas de juro. É necessária uma política de crescimento moderado dos salários reais que promova aumentos de produtividade e um crescimento moderado no consumo de modo a permitir o investimento e a promover o crescimento do emprego.
O desafio com que o País está confrontado hoje não é o do miserabilismo do Terceiro Mundo mas o de uma aproximação gradual às condições de vida dos restantes países da União Europeia. Neste quadro é fundamental o papel dos trabalhadores da Administração Pública. A dignificação da sua função, incluindo por via salarial, é uma componente fundamental da modernização da Administração que o País exige. O Governo deve fazer das negociações no sector público um referencial positivo para uma política de rendimentos e de emprego. O Governo tem obrigação de reabrir as negociações salariais na Administração Pública no respeito pela lei e pela Convenção n.º 151 da OIT.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputado Paulo Trindade e José Puig.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Proença, ouvi, com muita atenção, a sua dissertação e a forma como abordou a problemática das negociações para os trabalhadores da Administração Pública, as quais, de facto, são um escândalo, porque o que está em causa, fundamentalmente, para além do problema dos valores, é a negação do direito à negociação num sector que abrange mais de 500000 trabalhadores. Parece que voltámos ao tempo anterior ao 25 de Abril, em que existiam os servidores do Estado, qualificação que os trabalhadores da Administração Pública rejeitam, muito categoricamente, pois esses tempos já passaram. Para o PSD e para o seu Governo parece que ainda não.
De qualquer modo, um dos argumentos falaciosos do Governo, ao apresentar esta chamada «opção zero» para a Administração Pública, é o da estabilidade do emprego. O Governo diz que esta opção é tomada como uma contrapartida à estabilidade de emprego.
Ora, nós sabemos o que se passa por essa Administração Pública fora quanto às listas dos disponíveis, por exemplo. Basta dizer que o reactor do LNETI, o único reactor português de investigação, está assegurado apenas por três operadores, que vão ser colocados em listas de disponíveis e irão, eventualmente, para o QEI, não se sabendo se os investigadores que trabalham nesta área terão de procurar emprego no estrangeiro.
Por outro lado, sabemos que, por toda a Administração Pública, proliferam os recibos verdes e, inclusive, no próprio Ministério da Justiça, recorre-se ao expediente de contratar pessoas, como se se tratasse de pessoal de limpeza, por 277$ à hora, para o exercício de funções administrativas permanentes na Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e no Instituto de Reinserção Social.
Será que um quadro destes, em termos de política de emprego, traduz alguma estabilidade de emprego na Administração Pública? Este é o exemplo dado pelo Governo aos outros patrões?