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10 DE FEVEREIRO DE 1994 1221

O racismo existe. Presente nos ditos, nas anedotas, de forma subtil. Mas presente também nos factos: espancamentos, agressões, mutilações, mortes até. Homossexuais, militantes de esquerda, mas africanos, sobretudo, são o alvo preferencial. A lista é longa. A impunidade total. A prová-lo, o facto de serem muitas vezes os próprios agentes de autoridade, supostos defensores da lei, a protagonizá-la.
A lei é clara. Garante a igualdade a todos, impedindo que alguém possa ser prejudicado ou privado de qualquer direito em razão da raça, da língua, do território de origem, da religião ou das convicções políticas.
A lei proíbe actividades de organizações ou associações que perfilhem a ideologia fascista, se bem que importa afirmá-lo, hoje, sem equívocos, particularmente quando, com perplexidade, nos deparamos com dúvidas de quem questiona a constitucionalidade de tal proibição, como o demonstrou o recente acórdão do Tribunal Constitucional sobre o Movimento de Acção Nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 1992, um guineense, conduzido para identificação a uma esquadra em Vila Nova de Gaia, foi aí barbaramente espancado, ficando cego. O caso abalou a opinião pública. Foram imagens que, pela brutalidade limite, chocaram, geraram repulsa, condenação e consensos relativamente fáceis. Mas a impunidade dos seus autores mantém-se, os julgamentos vão sendo adiados, os casos multiplicam-se e este é, infelizmente e tão só, um caso entre muitos.
Um relatório recentemente elaborado conclui que, em Portugal, só em 4 anos, 58 actos racistas foram cometidos, dos quais resultaram 4 mortos e mais de 40 feridos, sendo 12 em estado grave.
Não estamos, pois, perante uma questão nova mas, seguramente, perante uma questão que tem sido iludida e atinge hoje novos e inquietantes contornos e dimensão.
O racismo é uma realidade vivida. Em Aveiro ou Faro, Camarate ou Sintra, Alhos Vedros ou Famalicão, Porto ou Lisboa.
É a expulsão de estudantes de residências universitárias, por serem africanos; é a recusa em alugar quartos, por se não ser branco; é a segregação em turmas diferenciadas de crianças ciganas ou africanas; são os espancamentos de homens, por serem africanos; são os despedimentos de pessoas, por serem negras; são os desalojados que ninguém quer acolher; os imigrantes que, insinua-se, vêm «roubar» empregos; são os jovens marginalizados, tratados como marginais; é o sentimento de revolta a invadir os meninos de rua; é o ódio que se instiga, semeando a mentira; são as 80 famílias de ciganos, no Minho, escorraçadas como peste.
Estamos, pois, Srs. Deputados, perante a ameaça potencial de um conflito, que urge interpretar nos seus sinais, compreender nos mecanismos que o sustém. Estamos perante uma doença que importa tratar globalmente.
Tratar, recusando a marginalização dos imigrantes e das minorias étnicas, que em bairros de lata onde vivem se escondem. Sem saneamento básico, sem electricidade, em habitações degradadas, nas periferias mais pobres da cidade, a favorecer a «guetização», o isolamento, a marginalização e a marginalidade.
Tratar, recusando a exclusão dos meninos sem condição, crianças que a escola dificilmente está em condições de apoiar, condenadas ao insucesso escolar e a ficar à margem da sociedade, gerando, a prazo, fenómenos de exclusão porventura mais violentos.
Tratar, recusando que, entre nós. seres humanos vivam sem quaisquer condições de segurança, com salários de escravatura, na total clandestinidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O combate ao racismo é de hoje e não pode ser adiado. Exige uma estratégia para a igualdade, para a inserção social, respeitadora da identidade e diversidade cultural de cada comunidade. Exige mudanças sociais e também uma nova mentalidade e atitude cultural.
O anti-racismo não é um estado de espírito. Reclama uma estratégia globalmente pensada, que passa pela escolarização dos filhos dos imigrantes: por uma política de imigração que ponha fim ao caos urbanístico, à degradação ambiental e que não admita exclusões: pelo conhecimento e valorização da diversidade cultural: pela veiculação, através da educação, de novos valores, em particular, da tolerância e da não violência; pelo fim da banalização da violência nos meios de comunicação social; por um apoio efectivo às associações não governamentais de imigrantes, reconhecendo o seu estatuto de parceiros sociais; pela inequívoca condenação do racismo como um crime que não pode ser tolerado.
Fazê-lo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, exige cada vez mais que se passe do patamar das vagas declarações de princípio. É uma responsabilidade de todos: das igrejas; das associações e movimentos de solidariedade; dos sindicatos; das autarquias; de todos e de cada um aqui dentro. Mas é uma luta que não pode ser feita de abstracções nem de meras boas vontades, que obriga a uma acção determinada do poder e do Governo.
O racismo é uma realidade. A lembrá-lo, ontem mesmo, no Telejornal, ele deu a cara, mostrando que se move. Imprime documentos, divulga materiais de propaganda nazi, incita à violência, em particular contra imigrantes, em boletins que se editam em língua portuguesa, porque, ao que se diz, os interessados são muitos e o seu número é crescente.
Da parte do Grupo Parlamentar de Os Verdes, tudo faremos para que a alteração se faça e para que as sementes do ódio não germinem e os valores de solidariedade, em que convictamente acreditamos c. julgamos, outros partilham, possam frutificar.
Não tolerar a segregação de milhares de imigrantes que, falando a nossa língua, no nosso país, vivem e connosco comungam da mesma herança cultural e histórica é, para nós e em nosso entendimento, parte integrante dessa acção.
Por isso, o Grupo Parlamentar de Os Verdes apresenta, hoje mesmo, na Mesa da Assembleia da República, um projecto de lei para que o novo processo de regularização dos imigrantes em situação irregular possa ser aprovado.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Mário Tomé, tem a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, começo por a saudar pela sua intervenção.
A questão que lhe queria colocar foi respondida na última frase da sua intervenção, quando disse que tinha apresentado um projecto de lei para a legalização dos imigrantes.
No entanto, não deixo de lhe perguntar se não acha que, para esta situação, o Governo do PSD tem contri-