17 DE JUNHO DE 1994 2609
cão em Portugal, embora permanecendo semiclandestino, porque ern democracia é necessário garantir direitos aos cidadãos generalizadamente reconhecidos sem pôr em causa a liberdade de escolha, porque consideramos que é necessário e fundamental, de uma vez por todas, despirmo-nos também de preconceitos - Deputados, Governo e Administração em geral - para não mais sermos surpreendidos por uma realidade que se transforma e evolui, contribuindo para garantir uma vida em sociedade regida por regras de transparência e pelo reconhecimento do direito à diferença, o Partido Ecologista «Os Verdes» submete hoje à apreciação dos Srs. Deputados o projecto de lei n.º 4207 VI, que propõe para aprovação pela Assembleia da República o «Regime da prática do naturismo e da criação do espaço do naturismo».
O presente projecto de lei, adoptando os princípios e orientações contempladas na Lei n.º 92/88, de 13 de Agosto, que legalizou a prática do naturismo, estabelece já os requisitos a que deve obedecer a criação dos espaços de naturismo bem como as entidades com competência para o efeito.
A novidade, em termos práticos, é permitir que, com a transformação deste projecto em lei - o que esperamos venha a acontecer -, se possa de imediato criar espaços de naturismo e exercer legalmente essa actividade, independentemente da regulamentação que venha a ser considerada necessária.
Como princípios gerais, no articulado do projecto que passamos a apresentar, define-se o naturismo como «o conjunto das práticas de vida ao ar livre em que é utilizado o nudismo entendido como forma de desenvolvimento da saúde física e mental dos cidadãos, através da sua plena integração na natureza», sendo que este apenas é autorizado se não revestir atitudes susceptíveis de provocar escândalo.
No artigo 4.º são indicados como espaços possíveis para a prática do naturismo as praias, campos, piscinas e unidades hoteleiras e similares, bastando obedecer aos requisitos específicos considerados necessários a cada um e explicitados no diploma.
No artigo 5.º do projecto de lei estabelece-se que a autorização para a utilização dos espaços naturistas compete às assembleias municipais dos concelhos da sua localização, sob proposta da respectiva câmara municipal, depois de obtido parecer fundamentado da região de turismo respectiva ou da Direcção-Geral de Turismo na ausência da primeira. A organização dos processos respectivos decorre nas câmaras municipais devendo conter elementos sobre a localização do espaço, forma de sinalização e, se for caso disso, fixação da época ou horário da sua utilização.
Quanto ao licenciamento, no caso de ser imposto por lei, é da responsabilidade da autoridade administrativa competente, na respectiva área, para o licenciamento de empreendimentos não naturistas de idêntica natureza.
Passando agora a expor as condições e características a que deve obedecer cada um dos espaços naturistas considerados, salienta-se que nas praias concessionadas do litoral marítimo, de rios ou lagoas, a prática do naturismo é limitada a zonas demarcadas que ofereçam, pelas suas condições naturais, um relativo isolamento do exterior, podendo a sua utilização ser requerida por associações de naturistas, empresas turísticas, entidades licenciadas para a exploração de actividade comercial na respectiva área ou ainda pela própria câmara municipal.
Os campos de naturismo podem ser explorados como parques de campismo privativos, como zonas demarcadas de parques de campismo de acesso público, como acampamentos rurais e ainda, total ou parcialmente, como parques de caravanismo e incluir instalações complementares de alojamento nos termos estabelecidos para os parques de campismo, dependendo a sua abertura de licenciamento da câmara municipal após vistoria.
No que se refere às unidades hoteleiras, hotéis, aldeamentos turísticos e outros estabelecimentos similares ou suas partes individualizadas, devidamente legalizadas, podem ser reservados à prática de naturismo quando implantados em zonas que proporcionam uma plena integração na natureza, podendo a prática do naturismo nestas unidades, como acontece com as piscinas, ser limitada a determinadas épocas do ano mediante requerimento dos respectivos proprietários ou entidade exploradora.
Por fim, importa referir que a fiscalização do cumprimento da lei é da competência do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, da Direcção-Geral do Turismo, da Direcção-Geral de Saúde e das autoridades policiais.
Com esta nova iniciativa legislativa, o Grupo Parlamentar de «Os Verdes» pretende ver assegurada a prática do naturismo enquanto comportamento saudável em plena integração da natureza, prevendo normas comuns à criação e utilização dos vários espaços de naturismo, envolvendo neste processo quer entidades e autoridades do poder central quer os órgãos centrais ou regionais de turismo e sobretudo os órgãos do poder local que, enquanto entidades mais próximas das realidades, interesses e costumes locais, desempenham um papel determinante na implementação destes processos.
Antes de terminar, permitam-me que cite o saber e os ensinamentos da saudosa Natália Correia em intervenção que proferiu durante o debate parlamentar que levou à aprovação da Lei n.º 92/88, de 13 de Agosto: «Longa foi a caminhada dos costumes, e bem longa foi em Portugal, para vencer os preconceitos que envolviam o corpo. Já em Sevilha e Roma-passa-se isto no séc. XVIII- tendo visto aí os nossos artistas a utilização de modelos para o estudo do nu e querendo implementar esta prática em Portugal, o povo apedrejou brutalmente as janelas do atelier onde um homem nu pousava para ser copiado. Esta escamoteação do corpo como se de pecado se tratasse, esta abominação do nu considerado um aviltamento dos costumes no quadro de uma moral que execrava o sexo, prevalecem quase até aos nossos dias. E estão ainda longe de serem corripletamente estripadas as mal formações psicológicas derivadas do maniqueísmo moral que fez das mentes um campo da batalha travada entre os demónios da carne e os anjos do espírito.
Toda uma cultura houve que ser revolucionada para derrotar os tabus que impediam a realização plena do ser humano na unidade do corpo e do espírito. É às correntes dessa cultura que estreitamente se liga o movimento do nudismo, através do qual o homem procura a experiência de regressar ao seu estado natural para se reencontrar com a sua verdadeira natureza obnubilada pelos princípios estabelecidos por uma estratégia dominadora das consciências. E hoje a expansão do naturismo/nudismo alcança diversos estratos culturais e mesmo religiosos, incluindo o cristão, para o qual é publicado nos Estados Unidos The Christian Nudist Journal».
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a decisão está hoje, mais uma vez, e agora de forma definitiva, nas nossas, vossas, mãos; sobretudo, depende das nossas consciências e da vontade de querermos respeitar o direito pelas diferenças responsavelmente assumidas, como é proposto no projecto em apreciação.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Macário Correia, Joel Hasse Ferreira e Ferraz de Abreu.