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17 DE JUNHO DE 1994 2613

Há legislação já existente que é necessário regulamentar e, por outro lado, também é necessário o apoio ao respeito pelos cidadãos portugueses que não se revêem na prática do nudismo em Portugal.
É à luz desta nova cultura, que, obviamente, tem exigências éticas e estéticas, que também nós não resistimos a citar nesta sede a saudosa Natália Correia quando, a este propósito, disse: «Cessa neste momento o dualismo puritano que torna inimigos o corpo e o espírito».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Centro-me agora sobre a iniciativa concreta do Partido Ecologista «Os Verdes». Como disse, e não será demais reafirmar, o Partido Ecologista «Os Verdes» tenta corrigir um erro do Governo. No mínimo, é necessário suscitar a dúvida de saber se compete ou não a esta Assembleia da República proceder à regulamentação da lei, votada na altura por quase todos os partidos nesta Câmara. Temos dúvidas, mas se para isso for necessário que seja o Parlamento a fazê-lo, contarão certamente com o apoio do Grupo Parlamentar do PS.
O meu colega, Deputado Joel Hasse Ferreira, já levantou algumas questões que nos preocupam quanto ao processo de licenciamento, quanto aos espaços, quanto à forma de fiscalização, quanto à forma de atribuição de licenças e, sobretudo, quanto à forma de gestão em termos concretos entre estas duas realidades: aqueles que querem a prática do nudismo e aqueles que a não querem ou que, porventura, a querem bem distante de si próprios.
O vosso projecto de lei introduz também algumas iniciativas diferentes da lei já existente. Por exemplo, no artigo 8.º, omite a forma como pode fazer-se o acesso aos espaços privados e, no artigo 13.º, não refere a legislação que deve ser aplicada no caso concreto dos campos de naturismo, enquanto a lei actual prevê que deve ser similar à que regulamenta os parques de campismo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS não gostaria de terminar esta sua intervenção sobre uma iniciativa desta natureza sem sublinhar mais a sua preocupação quanto ao divórcio que vai existindo entre eleitos e eleitores, quanto ao divórcio que vai existindo entre os órgãos de soberania e os cidadãos portugueses.

Vozes do PSD: - O que é que isso tem a ver com o naturismo?

O Orador: - Não é a primeira vez que órgãos de soberania aprovam leis que, por sua responsabilidade, não são aplicadas. Aliás, já aqui falámos de legislação, nomeadamente em matéria educativa, que exige que as associações de estudantes sejam ouvidas em todas as matérias que dizem respeito à alteração em matéria escolar ou educativa.
Em nome dos princípios e da dignidade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não nos parece que honre esta Câmara ou a democracia que o Parlamento português aprove leis que obrigam o Governo da República a regulamentar no prazo de três meses, e, passados seis anos, o Governo, defraudando as expectativas dos cidadãos portugueses, não o tenha feito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Haja dignidade, honre-se o mandato popular e, de uma vez por todas, parecia-nos, pelo menos, educado e sobretudo digno que o Governo aqui estivesse representado para explicar o porquê desta omissão e desta falha grave durante estes seis anos!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este projecto de lei, que traz consigo uma problemática tão vasta quanto oportuna sobre o regime da prática do naturismo e da criação do espaço do naturismo, é bem o exemplo de como a ecologia se pode converter mais em ecologismo do que naquilo que, originariamente, deveria ser: os cuidados a ter com a casa do homem, que está longe de circunscrever-se ao seu habitáculo exterior, isto é, à natureza.
Considerar, com efeito, que naturismo é praticamente igual a nudismo e que a prática ao ar livre para ser verdadeiramente saudável deve ser «em pêlo»,...

Risos.

... é ter da vivência humana uma visão perigosamente redutora.

Despirmo-nos em reservas é, antes de mais, despirmo-nos com reserva.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para que alguém possa despir-se com naturalidade, que não com naturalismo, necessário é que se dispa antes dos tabus e dos preconceitos que tornam tão chocante a nudez humana. A este título, é bem sintomático o teor do artigo 3.º: «A prática do naturismo é permitida nos termos da presente lei, desde que desacompanhada de atitudes susceptíveis de provocar escândalo».
Chamo a atenção para o seguinte aspecto: estamos perante casos de cultura e não há dúvida de que toda a nossa cultura foi tocada por um «angelismo» que olhava para o corpo como causa de pecado, daí dizer-se que o indivíduo quando se despe não o deve fazer escandalosamente. Todavia, não é por um indivíduo estar nu que é escandaloso; posso estar vestido e ser escandaloso à mesma, não é!?

Risos.

Portanto, o problema não está no nu.
Este desgosto pelo corpo, que é profundamente medieval e que todos nós já lemos ou estudámos na Imitação de Cristo, mas que encontramos ainda no nosso tempo, designadamente na página 13 do livro Caminho de José Maria Escrivã, da Editorial Aster - lembro-me deste exemplo porque, de vez em quando, o cito nas minhas aulas-, onde está o próprio José Maria Escrivá a chamar a atenção: «Olha para o teu corpo como se ele fosse um inimigo perigoso»!
Mais: ainda estudámos no catecismo que os grandes inimigos do homem eram o mundo, o diabo e a carne! Depois, do corpo salta-se para o sexo e para a mulher. É tudo perigoso!

Risos.

Ora bem, tudo isto tem a ver com um complexo cultural que é preciso combater de raiz. Ou seja, não é por um indivíduo se despir ou não que é pecaminoso; o pecado está dentro da sua própria cabeça e nos valores que ele, sim ou não, sabe corporizar.
Não se trata, em todo o caso, de negar a justificabilidade dos ditos espaços de naturismo, mas tão só o de frisar que o verdadeiro espaço natural mora dentro de cada um de nós e que só uma reconversão profunda da mentalida-