2612 I SÉRIE - NÚMERO 80
A pergunta concreta que quero fazer-lhe diz respeito a uma referência que fez a unidades hoteleiras onde também fosse permitida a prática de naturismo. Julga que são viáveis tais unidades, uma vez que, naturalmente, só teriam clientes naturistas porque dificilmente as outras pessoas, mesmo que desejassem ir lá espreitar, não quereriam ser apontadas a dedo pelos seus amigos por visitarem e utilizarem essas unidades hoteleiras?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferraz de Abreu, agradeço-lhe mais este testemunho que aqui nos deu. Feliz ou infelizmente, os testemunhos tem sido muitos porque, de facto, este debate já data de muito longe e verificamos que a realidade se transforma, que o homem evolui. Na verdade, pelo menos aqui na Assembleia da República, este debate data de 1985, que foi quando apresentámos o primeiro projecto de lei sobre a legalização da prática do naturismo, pelo que repito que já temos um longo caminho percorrido.
Passo agora à questão que colocou sobre a viabilidade ou não das unidades hoteleiras que pudessem vir a requerer autorização para instalar um espaço de naturismo. Respondo-lhe que a decisão cabe aos responsáveis dessas mesmas unidades hoteleiras. Creio que casos destes não se verificam em Portugal, mas sei que noutros países europeus existem unidades hoteleiras que são espaços de naturismo e penso que são viáveis. Nunca vi a contabilidade das mesmas mas repito que creio que são viáveis. A lei é, de facto, geral e deixa abertura para a oportunidade de se exercer a prática do naturismo nestas unidades hoteleiras, desde que integradas em espaços naturais, preceito que é fundamental.
O que acabei de dizer responde, de alguma forma, à questão levantada pelo Sr. Deputado Macário Correia que disse que neste projecto de lei não consideramos o facto de os espaços naturistas poderem vir a localizar-se junto de escolas e também nos meios urbanos. Ora, penso que a referência que está expressa no projecto de diploma responde em parte àquilo que afirmou.
Quanto às escolas ou a outras instituições relativamente às quais podem levantar-se problemas ou conflitos, compete à respectiva assembleia municipal, no fundo, às populações representadas nesse órgão de poder, a decisão sobre esta mesma questão. Não sejamos nós a inviabilizar a possibilidade de as populações decidirem por si próprias, em função dos seus interesses e daquilo que é a evolução própria da cultura e dos desejos de um retorno à natureza.
Permita-me ainda, Sr. Deputado, que responda a uma pergunta que ficou a pairar, feita pelo Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, relativamente ao que está expresso no projecto de lei quanto às atitudes susceptíveis de provocarem escândalo. Da nossa parte há, de facto, o entendimento de podermos elaborar um diploma que respeite as vontades dos cidadãos. Se, por um lado, isto é assim - e está expresso neste projecto de lei -, por outro lado, não pode deixar de ficar também expresso o estabelecido pelo actual Código Penal, no seu artigo 212.º. Portanto, não podíamos ter deixado de incluir aqui esse normativo porque ele faz parte do Código Penal. Não é que eu próprio nem qualquer um dos meus colegas do Partido Ecologista «Os Verdes» estejamos muito necessitados de que isto faça parte integrante do diploma, mas é no respeito pelo direito à diferença, pelo direito à escolha, que consideramos que tudo deve ser feito para que a prática do nudismo possa ser exercida por todos aqueles que a desejem.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.
O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já foi referido, a iniciativa legislativa que dá origem a esta discussão na Assembleia da República não vai no sentido de saber se o naturismo deve ou não ser permitido em Portugal - essa discussão já foi feita, já teve p seu sentido, há cerca de seis anos -, mas trata-se de, através da iniciativa de Os Verdes, suprir aquilo que foi uma irresponsabilidade do Governo. É porque, depois de aprovada essa lei, há seis anos, a mesma dizia, no seu último artigo, que o Governo teria 90 dias para regulamentá-la. Ora, não só passaram 90 dias como passaram quase seis anos sem que o Governo tivesse regulamentado a lei.
O que está em causa neste caso da iniciativa de Os Verdes é a regulamentação, na perspectiva deste partido, da lei que foi aprovada há precisamente seis anos. Por isso, a discussão sobre se tem ou não sentido que, também em Portugal, existam espaços próprios para a prática do nudismo e do naturismo não colhe neste momento - repito. Neste momento, está em causa saber se compete ou não à Assembleia da República corrigir aquilo que foi uma irresponsabilidade do Governo que deveria ter aplicado a lei e que não o fez.
Assim, em nome do Partido Socialista, quero dizer duas coisas muito simples, quanto ao conteúdo e quanto ao naturismo.
O PS sempre defendeu uma sociedade aberta, sempre defendeu uma sociedade madura, uma sociedade plural e tolerante, onde cada cidadão tenha o direito de expressar a sua individualidade e as suas opções, tanto no que respeita às suas ideias como à sua consciência, às suas atitudes e aos seus comportamentos. Por isso, há seis anos, aplaudimos a iniciativa do Partido Ecologista «Os Verdes». Nessa altura, defendemos também a necessidade de criar legislação para a prática do naturismo mas, sobretudo, o nosso contributo, há seis anos como agora, é para que esta Assembleia acompanhe o evoluir dos tempos, para que esta Assembleia e os seus Deputados como representantes do povo possam despir-se de preconceitos e que, desta forma, nada mais façam do que contribuir para legalizar aquilo que, hoje, já é uma prática e que, naquela altura, já era também uma realidade: a relação do Homem e da Mulher com a Natureza. Na perspectiva do Partido Socialista, isto traduzia uma nova cultura e, obviamente, uma aposta no sentido de contrariar os velhos costumes. O PS, nessa altura como hoje, disse que a moral e os costumes artificialmente concebidos nunca pertenceram ao nosso ideário porque, obviamente, somos um partido progressista. Convém recordar que, então, outros- não sei se o mantêm agora-, liberais no discurso, não tiveram essa ousadia e quase chegaram ao cúmulo de mandar dizer que devia tapar-se as estátuas ou, porventura, impedir que as crianças pudessem andar nuas rias praias.
Assim, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o PS, fiel aos seus princípios, reafirma aqui a tolerância e o respeito que devem ser observados em relação às opções de cada um, tanto dos que são favoráveis à prática do nudismo como dos cidadãos portugueses que entendem não optar por esta prática. Por isso, o Grupo Parlamentar do PS reafirma estes dois princípios que têm como base o equilíbrio e o respeito pela opção dos portugueses.