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480 I SÉRIE - NÚMERO 14

fora da intervenção governamental. Não quero, já agora, governamentalizar a própria cultura do cidadãos, quero, antes, que eles tenham estímulos para poderem, em cidadania, ganhar ainda mais a possibilidade do cumprimento de direitos e deveres que nos elevem a todos como povo. No entanto, como é evidente, as questões que colocou são sempre interessantes para suscitar a nossa reflexão.
Sr. Deputado António Filipe, se não se importa, começaria exactamente pela última questão que colocou.
Começo por referir um aspecto que, suponho, nem sempre tem sido trazido ao conhecimento de todos. V. Ex.ª sabe que o grupo de magistrados italianos que têm conduzido o processo que referiu se iniciou com o célebre grupo de magistrados de combate à Mafia, à frente dos quais estiveram, sucessiva e infelizmente, porque a sucessão resultou do assassinato de dois deles, o juiz Falcone, o juiz Borsellino e, ultimamente, a madame Ferrar. Não sei se VV. Ex.ªs sabem que o juiz Falcone, o juiz Borsellino e, agora, a madame Ferrar são quem, na ausência do ministro, representa o Governo italiano nas reuniões e nos Conselhos de Ministros da União Europeia, acompanham sempre o Governo italiano às reuniões de ministros da União Europeia e têm afirmado a sua independência, porque são magistrados com a independência afirmada há muitos anos em Itália e não através da afirmação de um estatuto formal, onde essa independência resulte evidenciada mas que só por si, obviamente, enquanto estatuto, pouco consegue produzir.
Justamente por isso, entendo que, entre nós, temos de dar o salto importantíssimo para aquilo que já conquistámos: a inequívoca independência dos tribunais, a inequívoca autonomia do Ministério Público, acrescentando-lhe aquilo que me parece óbvio numa democracia adulta, isto é, a capacidade de as instituições cooperarem entre si, sem complexos nem preconceitos, sem criarem esta situação, perturbante para os cidadãos, de estes verem todos os que estão encarregados de combater a corrupção de costas uns para os outros, em vez de estarem de peito voltado para o mesmo objectivo.

O Sr. António Filipe (PCP): - Mas o Sr. Ministro também não ignora que em Itália a polícia judiciária não depende do governo!

O Orador: - Sr. Deputado, não ignoro coisa nenhuma. Não o ignoro, mas a situação na Itália foi uma situação construída ao longo do tempo, de um lento processo de construção democrática, e que pôde permitir que se chegasse a um estádio de evolução que, com certeza, é aquele para o qual caminhamos, mas falta-nos também essa capacidade de coordenação superior deste tipo de intervenção, que me parece importante para garantir uma democracia consolidada.
Sr. Deputado, sei que V. Ex.ª teriam querido um reforço de todos os meios enquanto a lei anticorrupção não fosse publicada. Sei isso, Sr. Deputado! Porque havia, é importante não escamotearmos da nossa divergência esta questão, nesta matéria duas posições diferentes: a do Partido Comunista Português, defendendo, como defendeu sempre, que era a Procuradoria-Geral da República que devia fazer directamente a investigação; e a do Governo, que defendeu sempre que a investigação deve ser feita pela Polícia Judiciária, com a direcção da Procuradoria-Geral da República ou do Ministério Público e a tutela do controlo da legalidade pelo juiz. Isto foi sempre assim, mas esta é a diferença ideológica entre o Partido Comunista
Português e o Partido Social Democrata. Aqui, estamos num plano de divergência.
É óbvio que, enquanto a lei não entrava em vigor, a possibilidade de se conseguir pelos meios o que não se conseguia pela via legislativa dava uma hipótese de o PCP ter ganho o seu terreno. Mas não é, Sr. Deputado. Por uma razão muito simples: se V. Ex.ªs levarem às últimas consequências aquilo que pretendem, estão a policializar o Ministério Público, que é o mais grave. Isto é, estão a transformar o Ministério Público em polícia. Ora, o Ministério Público é uma magistratura que dirige a investigação criminal e tem de ter os meios para a dirigir, não para executar a investigação criminal.
Então, levando às últimas consequências o que V. Ex.ªs pretendem, teria de haver um laboratório de polícia científica e, porventura, outro de lofoscopia, na Procuradoria-Geral da República, e o Ministério Público seria uma estrutura de investigação. Nessa altura, teríamos de voltar ao regime tradicional do juiz de instrução criminal, porque, a nomine, tínhamos uma magistratura, mas, pela natureza das suas próprias funções, tínhamos uma polícia. Ora, também não quero isso. Justamente por causa disso, falo numa relação tripartida, em nome da democracia e do Estado de direito, que garante três planos: um, de investigação; outro, de direcção; e outro, de controlo.
Quanto a esta matéria, Sr. Deputado, em política é importante que saibamos consensualizar o que é consensualizável e marcar bem os terrenos naquilo em que temos opiniões divergentes. Pessoalmente, nesta matéria, não cedo, porque entendo que ela é fundamental enquanto estruturação do Estado de direito.
Finalmente, V. Ex.ª perguntou-me se eu continuava a ver com interesse as iniciativas propostas pelos partidos da oposição. Sr. Deputado, durante toda a minha vida me bati pelo regime de democracia parlamentar, obviamente, para ver sempre com interesse as propostas apresentadas por partidos da oposição. O que não significa que tenha de concordar com todas elas, como é evidente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Justiça disse que há uma vontade clara e inequívoca de combate à corrupção. Quero acreditar nisso.
Sr. Ministro, tenho estado à espera de uma palavra sua ou do Sr. Primeiro-Ministro, tenho estado à espera de que algo aconteça, relativamente a uma extraordinária entrevista recentemente concedida pelo Dr. Marcelo Rebelo de Sousa. Como nada foi dito, como nada aconteceu, presumo que V. Ex.ª e outras entidades não tomaram conhecimento da entrevista. Por isso, permito-me trazê-la aqui neste momento, porque penso que é o momento e o local próprio.
Trata-se de uma entrevista extraordinária, como são todas as que concede o Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, não só pela acutilância e inteligência da análise como pelo inesperado e o imprevisto que pode acontecer. Nesta entrevista, concedida à revista Grande Reportagem, ao Dr. Miguel Sousa Tavares, acontece mesmo o inesperado. A certa altura, ele diz: «Às vezes, a ocasião faz o ladrão. Outras vezes, já tenho dito, estou em plena votação e, de repente, alguém me chama da minha bancada» - na Assembleia Municipal de Lisboa - «para me vir dizer: olhe que há aqui uma votação fundamental, em que estão envolvidos milhões