18 DE NOVEMBRO DE 1994 485
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, começo por responder ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, utilizando, curiosamente, apenas uma palavra referida na sua intervenção, que é «talvez».
V. Ex.ª disse «a política governamental, durante os últimos anos, talvez não tenha sido a mais adequada», vindo esta afirmação da bancada de onde vem, do Deputado de onde vem, fico com a convicção de que realmente a política foi bastante melhor do que pode supor-se. Ora, V. Ex.ª admitir que a política do Governo «talvez» não tenha sido a mais adequada é de facto o reconhecimento de que as coisas estão a correr bastante melhor do que pensávamos.
Por outro lado, V. Ex.ª falou de autonomia financeira solicitada pela Procuradoria-Geral da República. Em princípio, há um aspecto que me parece importante e que gostaria de retirar deste debate: é que nós não pessoalizámos, nem estivemos sistematicamente sob a intervenção do Sr. Conselheiro Procurador-Geral da República. Parece-me importante que assim tenha sido, porque, eu hoje disse-o, numa entrevista que já aqui foi referida, e continuo a dizê-lo com profunda convicção, entendo que devemos preservar a imagem de magistrado do Procurador-Geral da República e não o trazer sistematicamente para o dentro da discussão política. Isto, de alguma forma, poderá desgastar a sua imagem como magistrado, e entendo que isso não deve acontecer. Portanto, estou a salientar, pela positiva, de que, em geral, todos fomos capazes de o fazer.
Agora, há, desde logo, um aspecto técnico, e poderia responder a V. Ex.ª com um argumento técnico. E que, de acordo com a lei, não pode haver autonomia financeira não havendo receitas próprias geradas pelo instituto que tem essa autonomia financeira.
Mas, no fundo, a questão não é essa, não é a de saber se institucionalmente dispõe ou não de autonomia financeira, mas, sim, Sr. Deputado, a que, mais uma vez, tive ocasião de dizer há pouco. São raros os países onde as magistraturas têm essa autonomia financeira, e penso que hoje temos de ter uma atitude que não seja conservadora. Isto é, mesmo relativamente àquilo que para nós é a tradicional divisão de poderes e que se mantém - e repito exactamente tudo o que disse tia pouco, em face das exigências de independência-, não podemos manter uma atitude conservadora. E não tenha qualquer dúvida, Sr. Deputado, de que hoje, com a criminalidade organizada internacional tal como está a desenvolver-se, com aquilo que, no fundo, é o apelo cada vez maior em intervenções concertadas dos vários poderes, nós não conseguimos ter capacidade de resposta para este tipo de criminalidade.
Posso dizer-lhe mais: em vários países da União Europeia hoje, já indicados pelos respectivos governos, são enviados magistrados de ligação a outros Estados; são colocados magistrados de ligação noutros Estados. Há Estados que já evoluíram e que já chegaram à fase da cooperação entre os partidos sem que isto ponha em causa a respectiva independência. Infelizmente ainda estamos naquela atitude conservadora de precisarmos de mostrar aos outros que sabemos bem como se distinguem os poderes, para, depois, ganharmos o direito ou a maturidade política para falarmos em termos de cooperação.
Aprendi na vida que é preciso dar «saltos», desde que estejam culturalmente assimilados e adquiridos. Não vejo com bons olhos, para um futuro próximo, que st divisão estanque seja o bom caminho para a salvaguarda das novas exigências da luta democrática.
Porquê a autonomia financeira? Para se fixar um orçamento anual para a Procuradoria-Geral da República? Para depois de estarmos aqui a discutir um plafond do respectivo orçamento, a Procuradoria-Geral da República não ter meios, durante esse ano, para combater aqueles novos índices de criminalidade, por esse plafond não ter sido suficiente, e precisar de vir pedir um reforço desse mesmo orçamento, ficando, portanto, numa situação de dependência ainda maior do que aquela em que, financeiramente, se encontra agora?
Sou muito mais favorável, Sr. Deputado, a uma garantia de independência que, primeiro, assente numa atitude e por isso numa ideologia, num estatuto e num quadro legal, depois, e, a seguir, numa prática. E a função dessa prática é quando entrarmos no domínio que nos preocupa.
A questão de fundo é esta, Sr. Deputado: alguma vez, um único caso houve em que tivesse havido quebra dessa independência? É isto que temos de perguntar. Precisamos de saber quais são os casos que nos suscitam problemas reais e não dizer aos cidadãos que estamos preocupados com as questões que não existem. Mas porque entendemos que devemos desenvolver acerca delas uma elucubração intelectual, que, obviamente, só nos dignifica do ponto de vista cultural. Não há casos desses, Sr. Deputado! Esse problema não existe em Portugal! Não há um problema de independência dos tribunais em Portugal! Não há um problema de autonomia do Ministério Público! Vamos resolver os que há!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Vamos investir, todos juntos, e em conjunto, nos problemas que existem; não vamos inventar problemas novos!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Lutámos tanto por chegar aqui! Por que é que vamos continuar a fingir que ainda temos de lutar por alguma coisa que efectivamente temos e que ninguém quer atingir? Vamos lutar contra a corrupção, Sr. Deputado! Vamos lutar contra ela todos juntos! Com divergências? Com certeza que sim, mas em solidariedade e sem juízos negativos relativamente às intenções com que pretendemos fazê-lo. Vamos fazer isto no debate político puro! Amanhã haverá eleições! Se os portugueses entenderem que o Governo não foi capaz de combater a corrupção, irão, com certeza, censurar-nos por isso! Se os portugueses entenderem que nós não fomos capazes de dar aos tribunais a independência que deviam de ter, irão, com certeza, censurar-nos por isso! Mas vamos, sobretudo, dar aos portugueses a noção de que estamos a discutir os problemas deles e de que somos capazes de os resolver, em vez de estarmos sistematicamente a discutir o «sexo» que, aqui, não é dos anjos mas dos polícias e magistrados. É, todavia, uma questão isotérica que neste momento não interessa aos portugueses, porque não os preocupa.
Quanto ao agente infiltrado, o Sr. Deputado já reparou que, se o Ministro da Justiça não tivesse - e peço imensa desculpa por ser elogio em boca própria - a preocupação de afrontar, com seriedade, os problemas, não tinha falado nisso! Alias, já consta da lei! A Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, diz, pura e simplesmente, no seu artigo 6.º, n.º 1: «É legítima, com vista à obtenção de provas em fase de inquérito, a prática de actos de colaboração ou instrumentais relativamente aos crimes previstos no n.º 1 do artigo 1.º do