18 DE NOVEMBRO DE 1994 487
estamos todos consensualmente de acordo mas, para que esse consenso não se fique apenas pelas palavras, é necessário descer ao concreto e é neste campo que queria colocar-lhe uma questão a respeito dessa transparência nas relações entre o Estado e a vida económica privada.
No passado mês de Junho, entrou em vigor o novo regime jurídico das empreitadas de obras públicas. Ora, as obras que se realizaram com o dispêndio de verbas públicas representaram um movimento financeiro, no ano passado, de cerca de 660 milhões de contos. Trata-se de um montante financeiro muito elevado e não ignoramos que uma larga porção é dispendida em obras públicas levadas a cabo por sociedades que, de acordo com o novo regime, não estão sujeitas às suas restrições e limitações! já que, no artigo l.º desse articulado, essas entidades são explicitamente exceptuadas da aplicação, do âmbito desta lei.
Refiro-me, como é óbvio, às sociedades anónimas de capitais públicos ou maioritariamente públicos, que são muito numerosas, podendo qualquer uma delas ter - e têm - a cargo obras muito dispendiosas, e cito, por exemplo, a ANA, a CP, a EPUL, a SATA, a STCP, a CIMPOR, a CNP, a Dfagapor, a ENATUR, a EDP, o Metropolitano de Lisboa, etc..
Sr. Ministro, já bem basta, a nosso ver, que as sociedades anónimas de capitais públicos não sejam fiscalizadas pelo Tribunal de Contas mas, agora, que se possam exceptuar ao regime de concurso, habitual nas empreitadas de obras públicas, é que nos parece que não propicia a tal transparência - que, consensualmente, todos procuramos - entre o Estado e a actividade económica privada.
Quer o Sr. Ministro dizer que o Governo - e o partido da maioria - está disposto a apoiar a proposta que já apresentámos nesta sessão legislativa para que seja modificado o artigo 1.º do novo regime jurídico das empreitadas de obras públicas, de forma a estender-se a essas obras muito dispendiosas a transparência exigida no seu articulado?
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, é um privilégio, para mim, sempre, poder ouvi-lo. Gosto sempre de o ouvir e faço questão de afirmar isto mesmo, porque, a seguir, vou dizer-lhe que, desta vez, à medida que ia ouvindo o seu belo discurso, do ponto de vista formal, ia encontrando dentro de mim algumas resistências a concordar consigo.
Desde logo, a primeira resistência foi esta: deu ideia o Sr. Ministro de que, desta vez, é que vai ser - vem aí a solução do problema da corrupção. «Tomámos, agora, pela primeira vez, medidas e o problema da corrupção vai ser atacado e resolvido». Quero dizer-lhe que não foi a primeira vez que houve uma profunda preocupação com o problema da corrupção e o Sr. Ministro esqueceu-se de homenagear aqueles que, antes de si, tiveram em taip alto grau quanto o Sr. Ministro esta preocupação.
Perguntou: «onde estão os cavaleiros deste apocalipse?» Deste apocalipse, não sei, agora, do combate a este apocalipse, está aqui um! Eu montei esse cavalo quando ara ministro da Justiça, batendo-me e conseguindo um alto nível de autonomia para o Ministério Público e para as magistraturas, como sabe, porque foi nessa altura que tive o privilégio de o conhecer. Acho que essa autonomia é, apesar de tudo, ainda a melhor garantia do combate à corrupção.
Por isso é que cada vez que houve aqui alguns afloramentos de reduzir essa autonomia, nós batemo-nos contra essas tentativas e temos muita honra em nos termos batido.
Em segundo lugar, disse o Sr. Ministro: «Foi a primeira vez!» Não foi a primeira vez, porque, no governo do Bloco Central, num momento em que a corrupção também andava pelos jornais, tomámos várias medidas e tenho a satisfação de, tendo estado na sua base, ter redigido a totalidade delas: desde logo, a criação da Alta Autoridade contra a Corrupção, que valeu o que valeu mas, se valeu pouco, então, também vai valer pouco o controlo das contas bancárias, porque a Alta Autoridade contra a Corrupção tinha o controlo das contas bancárias.
Por outro lado, apresenta como original a circunstância da despenalização do corruptor activo mas, também nessa altura, se consagrou a despenalização- ou essa possibilidade - do corruptor activo; também nessa altura se agravou a pena do agente da corrupção passiva - como vê, alguma originalidade falta às medidas que foram tomadas agora- e também foi nessa altura que se fez a equiparação entre os titulares de cargos políticos e os funcionários, para efeitos de punição do crime de corrupção, porque, como sabe, no Código, o crime de corrupção era de funcionários públicos e passou a ser também, por equiparação, um crime de titulares dos cargos políticos.
Como vê, também se tentou e, não obstante, temos de reconhecer que a eficácia dessas medidas foi muito limitada - eu diria -, quase nula. Agora, quero perguntar-lhe se, desta vez, se justifica o seu entusiasmo, a sua esperança, se tivemos quase toda essa experiência e não se justificou a esperança que, também nós, nessa altura, depositámos nas medidas de que fomos autores.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Devo dizer-lhe que, mais meios para a Polícia Judiciária, é excelente, só não percebo - e o Sr. Ministro foi o primeiro a reconhecê-lo - por que chegaram tão tarde mas também não me iludo, não penso que o crime de corrupção se resolva com automóveis, com instalações e com mais agentes. Não resolve! Não tenhamos ilusões nem enganemos ninguém! Como é que se resolve, então, o crime da corrupção ou como pode tentar-se resolver? Actuando a montante, porque a corrupção está onde está o poder. Não há corrupção sem poder e, onde estiver o poder, é que vamos procurar a origem da corrupção. Dirão: «mas o PS também tem poder ao nível das autarquias, também aí há afloramentos de corrupção». Exactamente, onde estiver o poder, está a corrupção. Portanto, vamos procurar o quê? Controlar o poder, fiscalizar o poder, dar ao Tribunal de Contas a possibilidade de fiscalizar, rigorosamente, as contas de todos os órgãos do poder ao nível do poder político ou administrativo.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Muito bem!
O Orador: - Vamos reforçar a transparência da vida política, aumentar, reforçar as incompatibilidades, as inegibilidades, as declarações do património, dos interesses - nunca se fez isso - e dos rendimentos; vamos franquear isso à opinião pública para que cada um vá ver - por que não há-de ir ver? - as declarações dos políticos. Mas, de cada vez que o tentamos, há uma reticência em relação a essas medidas. Dou mais por elas do que por medidas de carácter penal. Sinceramente, acho que, quem comete um crime de corrupção, comete-o sempre no pressuposto da impunidade, portanto, o efeito preventivo da lei é mínimo, como em relação à generalidade dos crimes.
Não estou convencido de que as medidas de carácter penal venham a ter agora mais êxito do que tiveram an-